terça-feira, 30 de novembro de 2010

Uma viagem em direção à Consciência


Às vezes gostaria de apenas silenciar. Um silêncio tão profundo que nem sei. Uma vez desejei mergulhar no fundo do mar e ficar lá esperando os anos passarem. Hoje já não sinto mais essa vontade. Agora apenas penso no silêncio. Em como o silêncio pode nos assaltar.

Mas esse é um assalto bom, leva para longe o barulho, penso.

O intenso barulho do dia-a-dia. O ensurdecedor barulho das necessidades. Das bocas macaqueando ‘bom dia’. Dos sorrisos amarelos. Das brincadeiras envenenadas.

O desejo pelo poder, pela dominação, pelo viu metal, por uma relação afetiva, parece que move o mundo. Para qual direção? Essa reta tortuosa leva á solidão, que também assalta as pessoas, mas esse ‘mãos ao alto’, mas entristece que enobrece. Uma tristeza funda e dolorosa. Mas a solidão, enfim, move as pessoas a sairem da mesmice.

Para escapar dessa solidão o viajante invariavelmente chega ao sexo, ao alcool, às aglomerações públicas, igrejas. Ele liga o rádio, a televisão, assiste filmes, toma remédio, come, vai dormir. A crença é que no dia seguinte a vida importunará menos.

Vou contar um segredo: não há fim para a solidão. Não ficaremos juntos o suficiente, unidos o suficiente. Simplesmente porque só há uma união capaz de aplacar a solidão de fato, e essa união não pode ser mensurada pelo fato, essa é a maior de todas as ironias. Essa união trata do sublime e o que é sublime não pode ser tocado, medido, fotografado, engarrafado e muito menos explicado...

Não há almas gêmeas, não existe a união perfeita que envolva uma relação entre homens e mulheres. Aí não falo só da união entre um homem e uma mulher, mas qualquer tipo de casamento: heterossexual ou homossexual. Não há união perfeita entre os homens e os seus animais de estimação, nem entre os homens e o seu trabalho. Porque essas uniões, normalmente, servem para suprir algum grau de carência, de necessidade.

Essas relações podem diminuir o sentimento de isolamento, amenizar a solidão, mas haverá um momento, ou vários, em que a solidão irá olhar de novo e dizer: não é nada disso, não é esse o caminho.

Então, você vai se voltar para religião, vai rezar, vai freqüentar a Igreja, o Templo, o Centro Espírita, vai ler a Bíblia, buscando mais uma vez diminuir esse sentimento que ao mesmo tempo que é um buraco no meio do peito também sufoca.

Mas as respostas prontas da maioria das religiões só funcionam com uma parcela da população, outros, depois de um tempo, não vão se satisfazer com as respostas. Entenderão ali apenas um manual de sobrevivência no meio da barbárie. Mas fora a barbárie qual o caminho? Vão querer saber. As orações confortam, mas não impedem os conflitos, as dores, os desencontros, as confusões. E volta e meia lá está de novo a solidão.

Alguns não suportarão essa revelação, se tornarão hereges, ateus, se tornarão perversos, liberarão seus instintos e se deixarão ser possuídos por eles. Alguns se deprimirão até a morte, seja adoecendo ou buscando uma forma de acelerar ao máximo uma forma de partida. Querem descansar.

Mas não há descanso, mesmo do outro lado.

Aos poucos que persistem buscando a Verdade, vez ou outra um laivo de luz transpassará a atmosfera, mas será tão rápido, quase imperceptível...

Para estes, lentamente, algo irá acontecer com a escuridão. A princípio parecerá apenas uma mudança de tonalidade, mas com o tempo ficará claro que o escuro já não é tão escuro. O viajante se perguntará: será que meus olhos estão adaptados?

Não é possível dizer quando, nem como, mas raios de luz irão surgir e de uma forma natural a claridade se instalará. Como um nascer do sol. Sem sons de trombetas tonitruantes, sem hinos de anjos, sem arrebatações maravilhosas. Apenas o caminhar vigoroso do viajante solitário. Apenas a persistência corajosa do humilde vigilante cansado.

Com a continuidade do caminhar a claridade irá se tornar cada vez mais intensa, até não haver mais espaço para sombra alguma. Até o contentamento ser uma constante, até a união ser completa, até o amor ser um fluxo ininterrupto. Nessa altura o viajante não pede mais para si, suas orações abraçam a todos e esse amor o moverá montanha abaixo com outra missão: ajudar outros a subir. É hora de retornar.

Dizem que aqueles que encontraram a saída não retornaram para contar qual trilha percorreram. Mas milhares retornaram. Todavia, quando chegaram aqui não conseguiram traduzir em palavras sua experiência. Como traduzir o intraduzível? Como explicar para mentes limitadas e cheias de culpa, medo, conceitos, o que não é desse mundo? Assim nasceram as parábolas, os simbolismos, os hermetismos.

Ouvindo essas palavras, a maioria achará incompreensível os ensinamentos desses iluminados. Outros seguirão com devoção literal seus ensinamentos. Infelizmente, esses, provavelmente, não chegarão a lugar nenhum.

Com o tempo outros viajantes ouvirão aqueles ensinamentos e serão tocados, se sentirão perturbados. Vão reconhecer as pérolas. Vão recolhê-las. Amá-las. Alimentar-se-ão delas e seguirão a trilha deixada. Mas, nessa altura, depois de tanto tempo, essa trilha estará transformada de novo. Já não será mais a mesma viagem...

Às vezes, é preciso coragem para avançar, e avançar, em alguns momentos, significa ir contra o senso comum. Noutras vezes é seguí-lo, sem nunca achar que segue uma verdade absoluta.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Um ‘Harry Potter’ à beira do abismo

O novo filme da franquia Harry Potter mostra um mundo sombrio que tomou a realidade. Na primeira cena do longa vemos dois olhos em foco e um discurso inflamado a cerca da defesa da liberdade. É o Ministro da Magia que fala enquanto é ouvido e replicado por dezenas de jornalistas no saguão do Ministério. Não dá para não fazer um paralelo com ataques terroristas e ditaduras.

Assim começa a primeira parte do último capítulo da saga de Harry. Uma saga que vem sendo acompanhada por milhões de pessoas em todo o mundo.

Harry é um garoto que desde criança foi colocado sobre uma missão absurda – era um herói anunciado, odiado, invejado e amado, onde alguns depositavam suas maiores esperanças e outros suas desconfianças. O menino, órfão, criado por tios que o maltratavam, teve que amadurecer prematuramente e foi, sistematicamente, obrigado a enfrentar uma luta desigual contra um opositor descomunal.

A história, concebida pela escritora inglesa JK Rowling, contou durante dez anos, desde 1997, época da edição do primeiro livro, até 2007, quando foi editado o último, os sete anos da vida de Harry.

Hoje, quando chega aos cinemas a primeira parte do último livro, o mundo está transformado. Já viveu ataques terroristas, guerras insanas, crises econômicas, devastações por maremotos e terremotos. É inegável que a saga tenha sentido em sua estrutura um pouco dos ecos da realidade vivida por Rowling na vida real, ainda que os livros busquem sempre uma certa atemporalidade, assim como os filmes.

Contudo, Harry Potter reflete, antes de tudo, a clássica luta do bem contra o mal. No filme, assim como nos livros, é contada uma luta maniqueísta a princípio, mas que guarda eu seu interior vários conflitos. Afinal, o próprio Harry vive essa dicotomia ao ser um elo de ligação com o próprio mal. Uma ligação mental e energética.

Não é a primeira vez que o cinema, os quadrinhos, os livros e a história da humanidade até, ensinam que o herói necessita do vilão para realizar completamente seu potencial.

Nesse aspecto, é o mesmo que dizer que o amor e o ódio são temperaturas opostas de uma única emoção. Assim, Valdemort (Ralph Fiennes) e Harry (Daniel Radcliffe) são um ser humano partido em dois, um sendo a imagem do egoísmo exacerbado, da ganância, do desejo pelo poder, das manipulações e artimanhas do ego. O outro refletindo a entrega, a busca incansável pela pureza de intenção, o sacrifício voluntário, a doação e a defesa dos mais fracos. Não é errado entender que Valdemort e Harry são aspectos de uma mesma personalidade, despedaçada por Rowling e levada ao seu extremo.

Senão, vejamos. Os dois são órfãos, foram segregados, a seu modo, e buscam sua auto-afirmação. Com esse intuito acabam descobrindo e usando dons especiais que causam medo e devoção. O que diferencia os dois na verdade são suas escolhas e motivações. Valdemort é a realização invertida de Harry.


Neste episódio, o mundo desmorona completamente nos ombros dos três amigos, recém saídos da adolescência, mas obrigados a resolver questões internas e chamados a definir uma guerra que envolve a todos, mas na qual eles têm uma ação e importância preponderante. É interessante que a escritora tenha resolvido construir a história a partir de crianças seguindo o seu crescimento ano a ano. Era realmente uma forma de educar e incutir na mente de milhões de Harrys, Hermiones, Ronys, Lunas e Nevilles espalhados pelo mundo lições morais. Partindo da clássica lição: o mal não compensa. E avançando para lições mais complexas: qualquer tipo de totalitarismo é nefasto, a segregação e o bullyng são dolorosos, nós geramos nossos próprios monstros, que podem vir a dominar uma nação ou matar seus colegas numa tarde ensolarada de aula.

Mas voltando ao filme. Neste longa os três amigos vivem o batismo de fogo e a definição se eles estarão, ou não, a altura de vencer os desafios que foram propostos para e por eles mesmos. Mas uma metáfora de Rowling. Qualquer semelhança com deixar a vida segura e minimamente ordenada de uma escola ou faculdade e encarar o mercado e as relações de competição e exigências do mundo real, não é mera coincidência.

O mundo parece grande demais nas esperas, nos silêncios impostos durante a longa viagem de Harry, Hermione (Emma Watson) e Rony (Rupert Grint). Uma viagem sem um destino certo, onde eles apenas se escondem e procuram sem saber bem o quê, nem por onde. As paisagens são belíssimas, mas também desoladas, para dar ainda mais a idéia de quanto eles estão perdidos e sós, sem Alvo Dumbledore, os pais ou longe dos muros protegidos da A Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. Agora é o momento daquela bifurcação onde será definido o destino e é importante saber escolher se o melhor caminho é ir pela direita ou pela esquerda.

Algumas cenas são belas. Quando Gina Wealey (Bonnie Wright) e Harry se beijam, quando, em meio uma festa de casamento, uma luz rasga o céu anunciando que uma tragédia se avizinha. Quando Hermione e Harry dançam desajeitadamente.

O pequeno curta da história das Relíquias da Morte é maravilhoso.

Mas em termos de química, é Hermione e Rony que se sobressaem e revelam os melhores momentos.

Enquanto isso, Harry vai aos poucos ganhando realmente a dimensão de um herói, em toda a sua estatura. Não que ele já não tenha demonstrado sua bravura, mas foi sempre com uma força claudicante e necessitada do auxílio e da confirmação dos que estavam a sua volta. É só neste filme que o herói desponta de fato. Numa bela cena final, num momento muito mais simbólico do que de ação, quando Harry segura o elfo Dobby nos braços. É esse fim que denuncia que Harry (e o ator Daniel Radcliffe) conseguiu chegar a altura exigida pelos desafios que se avizinham. Agora, Harry está à beira do abismo e o fundo do abismo devolve o seu olhar. É desse confronto interior que desponta a inteireza para as ações que virão...

A direção segura de David Yates, os efeitos especiais competentíssimos e atores afiados – o trio de protagonistas parece que enfim amadureceu diante das câmeras, são boas novas que têm se mantido. Há apenas uma cena complicada, o enfrentamento de Hermione e Bellatrix Lestrange, difícil não perceber as falhas da bela Emma Watson frente a Helena Bonham Carter. Esta última uma atriz tarimbada que construiu sua personagem como uma bruxa com um misto de insanidade e perversão. Faltou luta ao enfrentamento... ah, sim, talvez seja porque o filme é censura 12 anos.

Bem, agora só resta esperar pelo momento final que deverá finalizar a sagração do herói com tudo que ele tem de dor e redenção.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Luzes Eleutérias


Estou surdo
Uma dor profunda zune pelos meus tímpanos
Dessa dor surge uma revelação
Será que o que eu escuto é realmente o mesmo som que sai das bocas
Dos roncos dos motores, do barulho das ruas?
Um dia desses procurei ficar em silêncio,
mas não havia silêncio para me apoiar, então caí até me esborrachar...
Por mais silêncio que eu fizesse eu sempre podia ouvir uma gargalhada,
Uma voz, uma buzina, um motor ronronando...

Uma luz explodiu nos meus olhos

Não consigo enxergar mais nada, ou pelo menos nada mais é como antes
Olho para as casas e elas parecem que estão pelo avesso
Olho para as pessoas e elas parecem que são ocas
Quase me assombro ao ver as poucas que mantém uma chama
É uma luz bruxuleante
Às vezes está na testa, outras no centro do corpo
Outras, no coração.

Meu corpo foi despedaçado
Em pedaços fui atirado pelo espaço
No infinito esses pedaços foram reunidos, mas também caíram sobre a Terra
Na Terra, ao invés de árvores, nasceram homens-árvores
Estes cresceram e novamente ficaram surdos, cegos e despedaçados
Um dia, eu disse, enquanto me derramava sobre a terra,
Vou reunir-me por completo e, então, vou cair para o alto.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Horizonte Perdido, um musical reflexivo


O filme Horizonte Perdido de 1973, musical dirigido por Charles Jarrott e baseado em romance homônimo de James Hilton, é um dos meus preferidos. Há uma versão anterior, de 1937, do qual este é um remake, em preto e branco e dirigida por Frank Capra.

O livro de James Hilton, que deu origem ao filme, concebido logo após a depressão americana e no pós guerra, criava uma utópica localidade, um lugar mágico entre as belíssimas e inacessíveis montanhas congeladas do Tibet, onde pessoas de diversas nacionalidades viveriam de forma livre, partindo do princípio do uso da moderação em todas as suas atividades e atitudes. Assim, Shangri-La, era assim chamado o tal Horizonte Perdido, representava uma espécie de Novo-Eden.

Mas voltando ao filme. Antes de tudo, confesso que adoro os filmes de Capra, mas esse filme de Jarrot, é superior, ainda que na época do lançamento tanto a crítica quanto o público não tenham gostado. Minha preferência talvez seja pelas canções, todas do genial Burt Bacharach, além da performance dos atores, é claro, ainda que não dê para dizer que há alguma química realmente entre os casais formados. O cast do filme conta com gente com Peter Finch, Liv Ullmann, George Kennedy, Sally Kellerman, Michael York, Charles Boyer, Bobby Van e John Gielgud. As coreografias tem uma simplicidade que contribuem para o charme do filme.

Claro que os críticos podem dizer que a simplicidade das coreografias é falta de criatividade, que esse mundo perfeito é branco demais, anti-gay e pró-família cristã demais, considerando que a história se passa no Himalaia. Alguns ainda podem estranhar que o Dalai Lama do monastério é um padre francês. Contudo, acredito que essas são interpretações exageradas. Algumas delas equivocadas mesmo...Não dá para ler alguns filmes com o senso crítico ácido de sempre, e Horizonte Perdido é um desses filmes. É preciso embarcar na proposta.

A história. Durante um conflito na China - não fica claro qual é o conflito realmente. Um grupo de fugitivos, desconhecidos entre si, tem seu avião seqüestrado. Enquanto voam sem saber qual será o destino, uma tempestade derruba o avião que cai em algum lugar do Himalaia. Os sobreviventes são resgatados por pessoas que habitam um lugar chamado Shangri-la, onde existe a eterna juventude e a felicidade plena.

Ainda no avião somos apresentados a Richard Conway (Peter Finch) um graduado funcionário da ONU e seu irmão, o egoísta George Conway (Michael York). Também encontramos a solitária Sally (Sally Kellerman), uma repórter do Newsweek infeliz que vive se entupindo de remédios para perder a sobriedade. Sam Cornelius (George Kennedy), na verdade um empresário/engenheiro ganancioso e Harry Lovett (Bobby Van) uma espécie de humorista/quadrinista que não tem mais a atenção do público.

A equipe que resgata os viajantes é comandada pelo misterioso Chang (John Gielgud) que conduz a turma até Shangri-la. Lá, aos poucos cada um vai se deixando envolver pela atmosfera mágica do lugar. Como se fossem se desintoxicando. Vão sendo revelados aspectos positivos desses personagens antes ocultos.

As músicas enriquecem a obra. Logo nas cenas iniciais vemos as montanhas do Himalaia ao som da música: “Alguma vez você já sonhou com um lugar. Longe de tudo. Onde o ar que respiramos é limpo e macio. E as crianças brincam nos campos verdes. E o som das armas, não é ouvido (mais). Muitas milhas de ontem antes de chegar amanhã. Onde o tempo é sempre hoje”, da música de Burt Bacharach & Shawn Philips tema do filme.

Ou ainda a bela música cantado por Sally Kellerman “Quando você olha para si mesmo, - você gosta do que vê? Se você gosta do que vê, você é a pessoa que deve ser. Porque o seu reflexo reflete em tudo que faz, e tudo que você faz reflete em você. Quando você acorda todos os dias, você gosta de como você se sente? Se você gosta de como você se sente,você não tem nada a esconder. Quando você se deita para dormir - você gosta dos seus sonhos. Se você gosta de todos os seus sonhos, a vida é tão feliz quanto parece”

Há pelo menos dois outros momentos memoráveis, quando Kellerman e Olivia Hussey cantam 'The Things I Will Not Miss' e quando Bobby Van dá uma aula para os nativos. Para mim, o filme é mais que um manifesto pacifista e cumpre seu papel de questionar qual é a civilização que estamos criando e o que nos motiva. Horizonte Perdido é um filme reflexivo, que questiona nossos valores e nos faz olhar para o mundo com um olhar crítico, mas ao mesmo tempo compassivo.As múscias tornam esse olhar um pouco menos doloroso, em suas constatações. As críticas por ele não ser plural em sua apresentação, para mim, não são pertinentes. Não é a imagem que fala do ideal, mas a proposta. Por isso, recomendo.


Assistam.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

A morte e a vida após a morte

Até os 22 anos, o mundo para mim era apenas o real e o palpável. Assim, fui construindo uma mentalidade completamente racional, lógica. Cortando qualquer pensamento religioso ou fantasioso.

Um dia, o invisível me deu uma rasteira fenomenal.

Apesar da minha boa verve, de um relativo sucesso no meu próprio meio, o meu mundo racional era imensamente infeliz. Eu me sentia cada vez mais vazio e sozinho, mesmo rodeado de amigos. Lembrei-me de uma sensação de quando eu era criança, de uma presença acolhedora. Essa sensação não tinha nada a ver com religião, apesar de minha mãe sempre que podia me levar à Igreja. Eu relacionava esse acolhimento com Deus... não podia não relacionar minha infelicidade com a falta D’Ele.

Retornando aos 22 anos. Foi depois de constatar essa infelicidade e uma certa falência do que eu considerava uma escolha racional para mim que desejei retomar alguma relação espiritual – vivi minha infância na Igreja Católica. Naquela época (na infância) eu encarava Cristo como uma espécie de herói indestrutível. Coisa dos quadrinhos.

Meu pedido foi uma ordem.

Tinha me preparado para dormir mais cedo, estava um pouco cansado. Apaguei a luz e deitei na cama. Assim que fechei os olhos vi uma luz, um ponto minúsculo longínquo. Abri os olhos novamente e constatei que estava tudo escuro. Fechei mais uma vez. Lá estava o ponto de luz e eu comecei a perscrutar que luz seria aquela. Para minha surpresa a luz foi aumentando de tamanho. Parecia se aproximar.

Nesse momento foi me assaltando aquela mesma sensação de acolhimento da infância. Além do acolhimento, eu sentia uma imensa paz e amor. Não um amor físico ou carnal, algo que talvez seja parecido com o êxtase espiritual.

A luz se aproximava e ficava cada vez maior e eu só conseguia dizer uma palavra: sim, sim. Como se a cada palavra afirmativa a luz desse mais um passo em minha direção.

Eu sentia um misto de emoção, prazer, alegria. A luz continuava a se aproximar. Já não havia nenhuma escuridão, mas meus olhos continuavam fechados. Senti que o ‘encontro’ estava próximo. Nos tocaríamos. Nesse momento um pensamento rápido passou pela minha mente. Foi numa fração. Por uma fração a gente perde o paraíso, já ouvi dizer.

Então, me perguntei: Será que vou morrer? Será que vou perder o controle do meu corpo? Bastou esse pensamento e a luz desapareceu e eu me quedei novamente lá, no escuro do quarto. Sozinho.

É difícil dizer qual era a sensação, mas era como se ao meu redor minha energia estivesse prestes a explodir. Meu corpo estava quente. Abri os olhos, sentei na cama e a primeira coisa que pensei foi que talvez meu cérebro tivesse me pregado alguma peça e eu tivesse sofrido algum ataque epilético. Santa visão cartesiana!

Deste dia em diante minha percepção do mundo ficou alterada. As ‘coincidências’ se tornaram absurdas de mais para serem coincidências. Eu pensava em alguém e essa pessoa ligava. Eu falava que queria encontrar alguém e encontrava. Em algumas conversas era como se eu soubesse exatamente qual seria a frase seguinte que seria dita, e muitas vezes sabia... Mas não foi só isso.

Uma parte do mundo espiritual se descortinou. Eu passei a ouvir, ver e sentir... gente morta, como dizia Haley Joel Osment no filme ‘O Sexto Sentido’. Não vou mentir: foi assustador. Descobri que nunca estamos sozinhos. Meu quarto parecia uma peregrinação de viajantes à noite.

Bem, nesse ínterim um amigo me levou á um Centro Espírita – contra a vontade de minha família, principalmente minha mãe e minha irmã, uma católica fervorosa e outra, a época, evangélica fundamentalista. Venci o meu próprio preconceito com o espiritismo e fui assim mesmo. Fiquei encantado. Recebi alguns passes e comecei a entender um pouco mais o que me acontecia. Nunca vi tanta gente, das mais diversas idades, acreditando que havia vida fora da Terra. Achei divertido, longe daquela visão cheia de pompa da Igreja Católica que eu estava acostumado.

Vocês podem achar que eu cedi rápido demais ao invisível. Não foi rápido. Passei 22 anos lutando até ser vencido. Poderia continuar buscando uma explicação lógica, é verdade, mas preferi acreditar que as sensações que envolveram meu despertar espiritual não podiam e nem deviam ser explicadas por descargas de neurônios aleatórias. Tem outra coisa, o mundo invisível se mostrou tão palpável para mim, quanto o invisível. Como negá-lo?

A partir daí começou minha saga para entender esse mundo a nossa volta que aparentemente ninguém via. Meu mundo metodicamente cartesiano foi abrindo espaço para outra realidade. Primeiro: descobri que os espíritos existem sim e eles estão muito próximos de nós. Interagem praticamente a todo instante. E, ao contrário do que pensam muitos, nesse mundo invisível estão espíritos que podemos chamar de bons e de maus, ou apenas confusos. Morrer não faz de ninguém um santo. Se era endiabrado em vida, continua do mesmo jeito depois de morto. Não há solução mágica. A pessoa precisa ACORDAR para a LUZ. E vou dizer, nem todos vêem a luz. Às vezes, para esses espíritos, não há luz nenhuma durante anos.

Entendi que a morte é apenas uma passagem. Nada termina. Nada. A vida continua com uma qualidade bem maior do que a vivida no plano terreno. Claro, tudo depende do grau de evolução de cada um.

Aprendi acima de tudo que não devemos temer os mortos. Também não precisamos procurá-los. Eles sabem o endereço. Descobri também que acreditar apenas no que revelam os cinco sentidos é limitar demais a realidade do universo na percepção difusa das nossas próprias necessidades.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

'Afogando' Mayara e seu pensamento nazifascista

Confesso que relutei em escrever sobre isso, por isso demorou tanto, mas aí vai...

Mayara Petruso conseguiu seus 15 minutos de fama através de seus vômitos na rede mundial. A paulista postou no Facebook, após a vitória de Dilma Rousseff (PT), um desabafo endiabrado. Sugerindo que nordestino não é gente. A moça, uma estagiária de direto incitou: ‘Faça um favor a São Paulo, mate um nordestino afogado!”. Antes a ‘inteligente’ estudante de direito tinha postado essa pérola: “Afunda Brasil! Dêem direito a voto aos nordestinos e afundem o país de quem trabalha para sustentar os vagabundos que fazem filho para ganhar a bolsa 171”, disse.

Tudo isso porque a região deu a Dilma Rousseff (PT) 18 milhões de votos e apenas 7 milhões a José Serra. Vários amigos meus ficaram indignados – detalhe, a maioria não é nordestina. Eu, que nasci em João Pessoa, capital da famosa Paraíba (famosa pelos seus renomados cabeças chatas, homens de peixeira na cintura e das mulheres ‘cabras macho’, deveria pensar Mayara) ouvi e li os comentários e não tive pensamento nenhum. Não me senti atingido.

Simplesmente porque as palavras de Mayara não me diziam nada. Aprendi, na Kabalah, que se alguém lhe diz algo que lhe atinge de alguma forma e provoca em voce irritação, fúria, indignação, é porque encontrou algum tipo de eco. E esse eco é jogado para fora, vociferado, na maioria das vezes, reforçando o orgulho. Por isso, pipocaram na Internet e nos meios de comunicação frases de efeito e artigos reforçando o orgulho nordestino.

Desculpem-me os que pensam como Mayara, mas eu não me sinto inferior, não preciso que meu orgulho seja reforçado e nenhuma daquelas palavras fere minha integridade como cidadão. Apenas expõe a ignorância da garota. Mayara demonstrou o que pensa uma certa elite paulistana e carioca e de outros recantos chiques do Brasil. Mas não é só um pensamento que está entranhado na elite. Ele também ecoa em algumas cabeças da classe média alta. É um pensamento fascista, separatista, preconceituoso. Que se autodenomina e se auto-observa como sendo o rico espoliado pelos pobretões.

Lembra a visão da monarquia. Uma Maria Antonieta dizendo ‘Se não tem pão, comam brioche!’. Frase célebre dita antes da queda da bastilha. Todos sabem qual foi o fim de Antonieta – a guilhotina. Antonieta esquecia que eram seus súditos que lhe proporcionavam a vida que ela tinha, não era ela que proporcionava a vida aos seus súditos.

Passa despercebida a elite, e a Mayara, filha dessa elite, a mesma coisa: não é o sudeste que proporciona ao nordeste seu bem estar, a matemática é invertida. Afinal, todo o dinheiro investido no Nordeste para gerar emprego e renda, retorna as regiões mais industrializadas quando o trabalhador, ou aquele usuário do Bolsa Família, que seja, alimenta a economia comprando bens de consumo duráveis ou não.


Mayara aponta o dedo e diz que muitos no Nordeste agora preferem fazer filho ao invés de trabalhar. Sabem que terão o Bolsa Família. Já ouvi esse argumento dito da boca de um prefeito e de técnicos sérios na própria Paraíba. Por isso, não duvido que exista também essa realidade. Mas é ridículo acreditar que essa é a regra geral. Acreditar nisso é voltar para o início do século XX, onde diziam que a miscigenação enfraquecia a índole do homem. Tornando-o corrupto, de segundo escalão. Foi aí que floresceram ‘filosofias’ fascistas e nazistas. Eles acreditavam que os não-arianos eram seres de segunda grandeza.

Graças a Deus, surgiram outros pensamentos, e a engenharia genética, explicando que não existe raça pura. O mundo é uma mistura. Completa. E o Brasil uma mistura maior ainda, que lhe dá um caldo cultural e uma diversidade que é uma de suas riquezas. Mayara resgata esse raciocínio, mas ela não inclui mais todos os brasileiros num único caldeirão. Uma parte é pura, a outra é o símbolo do atraso.

O nordeste dos baianos, paraibanos, cearenses. O nordeste dos Sarneys, dos Collors, dos ACMs. O Nordeste miserável que precisa do Bolsa Família para manter as famílias amontoadas nos manguezais. Famílias, que segundo Mayara, já nascem corruptas e preferem botar um filho no mundo para viver as custas do governo federal do que trabalhar.

O Nordeste tem mazelas. Mas muitas delas, talvez a maioria, estão em todo país. Do tipo: a corrupção, um pensamento corporativista nos governos, uma política ainda com resquícios do coronelismo – que pouco a pouco vem arrefecendo, mas outros tipo de coronelismos vão surgindo. Não venham me dizer que o rodízio de poder na mão de algumas famílias é uma prerrogativa apenas da região Nordeste. Esse tipo de política pode ser percebida em praticamente todo o país, mais ou menos diluída, mas ainda presente.

Essas mazelas são um sinal da falta de educação. Uma educação e cultura real, forjada na luta democrática, não na forja da elite. Afinal, ter educação, mas continuar como uma Mayara da vida, não é avanço, é manter a ignorância apesar do acesso garantido. Ter dinheiro, ser rico, nunca foi sinal de sabedoria. Assim como acumular conhecimento nas faculdades não desenvolve a moral, nem a ética. A revolução a qual Mayara se ressente deveria começar com a mudança da sua própria mentalidade.

Só para deixar claro: se os votos dos nordestinos dados a Dilma e a José Serra fosse retirados, a mineira ainda ganharia por 1 milhão e 300 mil votos. Ainda, se tirarmos a diferença dada a Dilma no Nordeste: 10.733.007 milhões, a candidata do PT ainda ganha com o mesmo percentual, 1,3 milhão.

O Nordeste escolheu Dilma, porque tem crescido a taxas chinesas. O Nordeste tem sido descoberto e se descoberto como novo eldorado. E, em grande parte, isso é mérito do governo do PT. É inegável. O Nordeste não votou em José Serra porque o tucano demorou demais para decidir se candidatar, não abriu canais de comunicação mais efetivos com região – com visitas para se fazer mais conhecido e a suas propostas. A tática de Serra para a região foi tardia e pífia.

Só para finalizar. Quando a raposa prende a cauda ou a pata numa armadilha, ela, muitas vezes, corta essa parte para se ver livre. É como tirar uma parte do corpo para mantê-lo vivo. Se fosse possível Mayara descartaria os nordestinos, crente que sua vida seria um paraíso. A opção, às vezes é válida, outras vezes é um suicídio. Os fariseus e saduceus preferiram crucificar Cristo para salvar o povo judeu. Perderam os dois. Foram necessários quase dois milênios até se recomporem de novo como nação. Por isso, cuidado: é preciso saber o que se descartará. Às vezes, sem perceber, podemos jogar fora o coração. Eu sei que o cérebro é importante, mas sem coração o corpo não vive.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Sabedoria da Kabalah

Esta é a minha Mestra, Tânia Carvalho. Ela é fundadora da AD'OR - Centro de Estudos da Kabalah e idealizadora da Linha Adoriana de Pensamento (LAP). Abaixo trecho de uma palestra onde ela responde a pergunta: "O que a Sabedoria da Kabalah ensina?". Música de Pablo Sotuyo do CD "Casa da Paz do Coração".

Ouçam e entendam porque sigo a Kabalah.


Dilma: Um Brasil mais à esquerda


Essa matéria saiu em parte na Revista NORDESTE de outubro.

Fiz uma entrevista com alguns analistas políticos para traçar como seria a política e a economia brasileira no governo de Dilma Rousseff (PT). A conclusão é unânime: a tendência indica uma guinada à esquerda. Pelo menos no que tange a política externa e a uma inserção maior do Estado na economia. Durante a campanha, a petista garantiu que irá acabar com a miséria, investir pesado em educação – priorizando escolas técnicas em cidades de até 50 mil habitantes – saúde – construir 500 Upas (Unidades de Pronto Atendimento 24 horas) – segurança – com ênfase no combate ao crack, polícias pacificadoras, vigilância nas fronteiras e reforço na Polícia Federal. O programa de Dilma Rousseff aponta para uma continuidade do governo Lula com apenas pequenas alterações no seu curso. Dilma, que será a primeira mulher a ser presidente do Brasil e tem sido apontada por jornais da Alemanha, EUA e Inglaterra, como a mulher mais poderosa do mundo dá sinais que irá manter inalterados os três pilares em que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) baseia sua política econômica: metas de inflação; câmbio livre e redução gradual do déficit público. Uma política do continuísmo, pragmática, ainda baseada no controle da inflação através de elevadas taxas de juros.

O cientista político da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Zaidan Filho, faz uma crítica à manutenção dessa política por Rousseff. Para ele a candidata continuará a favorecer aos banqueiros, por conta da dívida pública, e os mais pobres, sacrificando mais uma vez a classe média com uma pesada carga tributária. “Em termos econômicos a política terá continuidade com alta taxa de juros, aumento da cobertura da Bolsa Família e ajustes fiscais. Um governo de Dilma irá preparar algum tipo de ajuste fiscal e quem vai sofrer mais serão os servidores públicos e trabalhadores que têm uma maior renda. Não sei se os aposentados também...”, vaticina.

O cientista paraibano, Jaldes Menezes, faz um adendo. “O Estado tem o poder muito forte no Brasil e é inevitável que esse governo Dilma tenha alianças com vários setores da indústria e do capital brasileiro. Haverá uma consorcio entre os grupos e o estado. É bom lembrar que Eike Batista, hoje um dos homens mais ricos do Brasil, que se aproveitou desse boom econômico e dos vultosos investimentos do estado, é filho de Eliezer Batista (coube a Batista transformar a mineradora Vale do Rio Doce em uma das maiores companhias do planeta, presidindo-a de 1961 a 1986). O empresariado está rachado, inclusive os grandes grupos econômicos, uma parte expressiva tende apoiar o governo. A indústria naval está com o governo, setores da indústria têxtil, calçados. A base empresarial não bloca mais com o PSDB e o DEM”, argumenta, dando outra visão à política mais a esquerda de Dilma seguindo a linha neo neo keynesiana.

Apesar de considerar que um governo Dilma será mais difícil para a classe média, Zaidan argumenta que a política externa implementada por Lula, e que deve ser continuada por Dilma, é boa. “Ela é pró-ativa, multilateral, pacifista e prioriza uma relação com os países do eixo sul-sul”, diz. Sobre o que seria acabar com a miséria, o cientista lembra que Lula criou uma nova classe média, com aumento de salários acima da inflação e com a distribuição do Bolsa Família, elevando a renda de milhões de pessoas que saíram da pobreza e entraram na classe C e D dando mais acesso ao consumo. “É um pouco de uma política de Keynes”, explica. Zaidan Filho se refere a John Maynard Keynes que defendeu uma política econômica de Estado intervencionista, através da qual os governos usariam medidas fiscais e monetárias para mitigar os efeitos adversos dos ciclos econômicos - recessão, depressão e booms. Suas idéias serviram de base para a escola de pensamento conhecida como economia keynesiana. Assim, para Zaidan, a política de Dilma baseia-se em Keynes ao usar o fundo público para estimular a demanda e aquecer a economia.

Outro cientista político, Jaldes Menezes, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), também aponta para um projeto de continuidade. “Rigorosamente não existe um projeto autônomo”, frisa. Analisando o governo Lula, Menezes, afirma que o petista muda a partir de 2006, durante o segundo governo. O ponto central teria sido a crise do mensalão. “Dilma foi um fator importante na Casa Civil, a partir da sua chegada, no governo Lula II tivemos um desenvolvimento econômico razoável. De 2006 a 2009 o Brasil foi alçado a um país emergente. Houve uma redução da dívida externa e aumento relativo da divida interna. Nos últimos anos tivemos a participação ativa do governo em vários esquemas de reorganização empresarial como a compra da Sadia pela Perdigão, a Oi versus a Telefônica, a capitalização da Petrobras para o investimento do pré-sal, além de uma perspectiva de mais R$ 30 bilhões que devem ser investidos pelo BNDES – desde 2009 já foram repassados pelo Tesouro Nacional R$ 180 bilhões ao banco”, recapitula o paraibano.

Contudo, apesar dos bons resultados, o governo Lula abandonou completamente a reforma política, aponta Zaidan Filho. “Uma reforma política poderia dotar o país de uma engenharia institucional que melhorasse a eficácia de relação entre os poderes e os partidos, tornando essa relação menos clientelista e menos fisiológica”, defende. O presidente Lula já reclamou mais de uma vez da dificuldade de conseguir que o Congresso votasse as reformas propostas pelo Executivo, segundo o cientista político pernambucano, o difícil equilíbrio de forças entre aliados e oposição nas duas casas (Senado e Câmara dos Deputados) prejudicava ainda mais o andamento dos trabalhos. Ao menos nesse quesito um governo de Dilma Rousseff não deve ter problemas e poderá investir em reformas políticas, fiscais e previdenciárias emperradas no Congresso, já que o governo petista terá a maioria necessária para aprová-las, algo nunca visto antes no Brasil. E, definitivamente, um passo para longe de escândalos como mensalões, dossiês e tráfico de influência. Apesar de um provável lua de mel com a bancada situacionista, Jaldes Menezes aponta um fator complicador: “O PT, certamente, concorre a primeira ou segunda bancada da câmara de deputados. Haverá uma certa folga. Embora teremos também a escolha do presidente do Senado e da Câmara. Nessas escolhas sempre surge um certo conflito. Ainda não estão claros entre PT e PMDB quem será o presidente das duas casas. Além disso, há uma diferença, Dilma não tem o mesmo prestigio de Lula. Dilma terá que operar agora sem a sombra de Lula. Vale a lembrança que Lula foi iniciador de seu próprio projeto entre setores econômicos, internacionais e políticos”, argumenta.

Para corroborar a tese de um governo mais à esquerda, Zaidan ainda lista as pessoas que estiveram em volta da ex-ministra da Casa Civil durante a campanha. O cientista político aponta os nomes do vice-presidente do PT, o paulista Rui Falcão, do presidente do paritdo, José Eduardo Dutra, do ‘camarada’ José Dirceu e do assessor especial da Presidência da República para assuntos internacionais Marco Aurélio Garcia. Além deste, também é citado o ex-guerilheiro e ex-prefeito de Minas Gerais, o economista Fernando Pimentel (PT-MG).

Além disso, há um outro dado que irá diferir o possível governo de Dilma do atual governo de Lula: a candidata não é uma personalidade acima do PT, como é o Lula. “Vai ser um governo de partido”, argumenta Zaidan. “A presidenta, provavelmente, vai ser mais afinada com as lideranças. Não se sabe como será o estilo de Dilma governar com os partidos, o Congresso, nem a autonomia que terá para governar. Ela tem um estilo mais burocrático, não é uma pessoa de trânsito fácil com o Congresso e os partidos. É um pouco durona, não tem jogo de cintura, como Lula. Lula tem um imenso jogo de cintura. Por isso acho que o partido tem grandes chances de hegemonizar esse governo. Há um perigo dela se tornar das duas umas: ou refém do PMDB ou do PT”, avalia. Segundo os cientistas, Dilma precisaria ter uma vitória acachapante para conseguir um bom respaldo popular e não precisar recorrer a Lula ou aos movimentos sociais. “Lula pode ajudar, mas não seria bom. Se Lula estiver muito presente ela seria um títere, um fantoche, ficaria péssimo para ele, para ela e para o PT. O que Lula tem a fazer é desenvolver uma carreira internacional. Pode ser um conselheiro, mas não uma eminência parda”, diz Zaidan.


Cenário internacional

No cenário internacional a tendência é que o Brasil siga sob a batuta de Marco Aurélio Garcia, estimulando boas relações e até mais aproximação com os governos de esquerda – Hugo Chavéz (Venezuela), Fernando Lugo (Paraguai), José Mujica (Uruguai), Rafael Correa (Equador), Evo Morales (Bolívia) e claro, Cristina Kirchner (Argentina). O Brasil deve manter e consolidar sua liderança política na região, já que a econômica é incontestável. Conflitos com os EUA, pela defesa da independência da América Latina e divergências de opinião em relação a política norte-americana referente aos Palestinos, Israel e ao Irã, serão inevitáveis.


O Nordeste
O Nordeste continua crescendo, principalmente Bahia, Ceará e Pernambuco. No governo Lula, Pernambuco ganhou um caráter econômico estratégico. Mas que na Bahia, apesar do ocaso do carlismo. A região Nordeste recebeu grandes investimentos do governo Lula, como a refinaria de petróleo Abreu e Lima de Suape, o pólo petroquímico e a Hemobrás, em Pernambuco; o projeto de siderúrgica e a refinaria no Ceará; Na Bahia, a ampliação e modernização da Refinaria Landulpho Alves, do estaleiro e da ferrovia ligando Ilhéus a Tocantins. Além da recuperação e duplicação da BR-101, a Transposição do Rio São Francisco e a construção da ferrovia Transnordestina. Obras que atingem toda a região. Só no período de 2007 a 2010, foram direcionados para a região nada menos que R$ 160 bilhões em infraestrutura social-urbana, energética e logística (sistemas, vias e terminais de transportes).

Desse total, 60% dos investimentos foram para Bahia, Pernambuco e Ceará, é verdade. Mas o governo se explica. “Acontece que a soma da população destes estados, que são mais populosos, corresponde também a 60% da população do Nordeste. De modo, que a divisão per capita dos recursos é absolutamente equitativa”, afirmou o próprio presidente Lula em entrevista a Revista NORDESTE. O programa Luz para Todos já garantiu energia para 6,1 milhões de nordestinos da área rural. Há também o Bolsa Família, onde um grande número de beneficiados está na região. “O governo de fato retomou investimentos regionalizados, ao contrário dos tucanos que acabaram com as políticas regionais. Grandes investimentos do PAC. Isso fez com que o Nordeste pudesse crescer acima da média nacional”, pontua o cientista político Zaidan Filho. “Imagino que a Dilma não vá contraria essa tendência, afinal o apoio do presidente é todo aqui. Seria um tiro no pé.”, arrisca.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Ricardo Coutinho, o sortudo

A eleição de Ricardo Coutinho no domingo (31/10) foi histórica. Ele teve 149 mil votos de dianteira. Acho que não é preciso dizer que o socialista, ao contrário do que previam alguns, aumentou a sua margem de votos em todos os municípios onde tinha ganho no primeiro turno. É verdade que o governador José Maranhão (PMDB) também cresceu, mas entre abstenções, votos nulos e brancos. Contudo, Coutinho além de aumentar a margem de votos onde já tinha ganho, ainda virou em mais 55 municípios no segundo turno.

Um outro fator joga luz sobre a sua vitória: a negativa da população em dar ouvidos a campanha de ódio religioso impetrada, digamos, pelos aliados do governador Maranhão. A resposta foi cabal, aumentando a rejeição ao peemedebista.

Hoje, os jornais apontam, e o próprio José Maranhão se autodenomina, como a maior liderança política da oposição no estado. Ouso dizer que a avaliação não está correta. Ou está correta apenas em parte e no momento. Mas ao pensar em 2014 ou 2012 fica claro que a oposição deve passar por uma reciclagem e adiantar o seu processo de renovação. Porque quando os eleitores alçaram RC ao governo do estado eles sinalizaram exatamente isso: é hora de renovar, velhos nomes estarão cada vez mais sujeitos ao limbo.

Essa percepção não escapa ao governador. Engana-se quem pensa o contrário. Afinal, Maranhão sonhava em acabar sua história política deixando um legado ao estado e fazendo seu sucessor. Nada disso aconteceu. Por isso, vários correligionários afirmaram que o governador estava além de taciturno com o resultado das urnas. Estava pesaroso.

Assim sendo, neste momento a oposição pende muito mais para Campina Grande, com os irmãos Vital, do que para o filho de Araruna. Claro que o governador ainda deve ter trânsito livre em Brasília, principalmente com o PMDB na vice de Dilma Rousseff. E contando que ali, no Palácio do Planalto, ainda estão várias lideranças que compartilham a mesma história pré-64. Berço histórico de Maranhão.

De qualquer forma, o governador já tem 74 anos e urge o surgimento de outra oposição, e neste momento, apesar da fraca atuação de Veneziano e Vitalzinho na performance de Maranhão em Campina Grande, são eles os mais indicados. Não aponto Cícero Lucena (PSDB) simplesmente por considerar que esse sim, saiu alquebrado de todo o processo.

O senador Lucena deveria ter ficado de fora do processo eleitoral de 2010 ao ver a impossibilidade de participar do pleito principal. Sua participação demonstrou sua incapacidade de mobilizar votos na capital. Cícero parece cada vez mais um produto do grupo Cunha Lima, com difícil sustentação – com força e respeito – fora do grupo. Mas há ainda uma prova de fogo, a disputa para a prefeitura de João Pessoa em 2012. Os ‘ciceristas’ já se animam para a disputa e devem indicar algum nome.

Bem, e Ricardo Coutinho? O que esperar dele no governo do estado?

Antes de tudo, Coutinho fez a escolha certa: aliança com o DEM e o PSDB. Sempre apontei isso. Não há como vencer uma força política incrustada no estado sem se aliar com pelo menos uma parte do passado. Lula já havia ensinado e aprendido isso em 2002.

Foi desta forma que RC ganhou de primeira a eleição para o governo do estado enfrentando uma campanha dura e, às vezes, perversa. O saco de maldades da campanha peemedebista – que se juntou aos ciceristas – parecia sem fim. Atacou os fígados de muitos eleitores.

Hoje, o socialista aparece bem na foto. É um dos seis governadores eleitos pelo PSB, partido em alta junto a nova presidente – Ciro Gomes é uma espécie de cereja que Dilma sonha em colocar no seu bolo. E Eduardo Campos foi catapultado, assim como Aécio Neves, como um nome forte para a disputa presidencial de 2014.

Além disso, Ricardo Coutinho terá a frente de JP um amigo – Luciano Agra – que lhe possibilitará uma administração casada, com tudo que há de bom quando se trabalha entre amigos. Sem contar que Agra é um sujeito menos afeito a conflito e mais conciliador. Os socialistas têm tudo para levar de novo a administração da capital.

Campina Grande também deve ganhar com a Coutinho no Palácio da Redenção, desde que Veneziano Vital do Rego (PMDB) ceda cada vez mais lugar ao grupo Cunha Lima... Cássio já projeta lançar o seu filho para prefeito do segundo maior colégio eleitoral do estado.

No final das contas fica a impressão que o ex-prefeito de João Pessoa é muito sortudo e tem lábia de derrubar avião - prova disso é a beleza da primeira-dama do estado.

Mas falando sério. Coutinho não perdeu nenhuma eleição que disputou até agora. Fez uma trajetória meteórica e contra tudo e contra todos, muitas vezes. Contra PT, PCdoB, e muitos aliados históricos. Um coisa é certa, quando Ricardo sente que é o momento, talvez por alguns instinto escorpiônico, nada o segura. Por isso, e suas qualidades inegáveis como administrador, o 'Mago' promete a frente do estado.

É perceptível que Coutinho abre um novo ciclo na Paraíba. Isso é incontestável. E esperemos que possamos usufruir da sua sorte como comandante máximo da Paraíba.

Em relação a mudança de ciclo no estado. Só para fundamentar um pouco mais essa história, vale a pena voltar um pouquinho no tempo e rever as eleições para o governo do estado desde a redemocratização.

As eleições desde 1982 - Em 1982, Wilson Braga ganhou o governo na primeira eleição direta por 509.855 votos ao enfrentar Antônio Mariz que teve 358.146. Em 1986, Tarcísio Burity (PMDB) – que já havia sido governador biônico – enfrentou Marcondes Gadelha (PFL). Burity teve 755.625 votos contra 459.589 mil votos de Gadelha. Em 1990, Ronaldo Cunha Lima (PMDB) enfrentou Wilson Braga (PDT). Obteve 704.375, contra 571.802. Braga sofreu com as denúncias a cerca da morte de Paulo Brandão, do jornal Correio.

Em 1994, quando começou toda essa história com José Maranhão. Mariz ganhou a eleição com 781.349 contra 558.987 votos de Lúcia Braga. Vale a ressalva que a abstenção naquele ano foi de 28% e dias antes das eleições a campanha de Mariz fez graves denúncias contra a campanha dos Braga, o que deve ter levado à vitória tão fragorosa. Em 1998, a vitória de Maranhão foi absurda. O peemedebista ganhou de Gilvan Freire por 702 mil votos. Não dá para contabilizar porque houve aquela história do clube campestre... 1998 foi um pleito a parte.

Quatro anos depois Cássio Cunha Lima (PSDB) obteve 889.922 votos contra 843.127 de Roberto Paulino (PMDB). Em 2006, Cássio enfrentou Maranhão e ganhou por 52 mil votos de diferença.

O que se percebe ao fazer esse retrocesso? Primeiro. Os nomes de políticos formados no processo antes do golpe de 1964 estão rareando. Os únicos medalhões que se mantém como notícia são José Maranhão, Marcondes Gadelha e Wilson Braga. Mas o único que chega a 2010 com um mandato é Braga. Neste sentido, este é o fim de uma era na Paraíba e também um ponto final na briga entre os Targino, Cunha Lima, e Burity. Está na hora de olhar para frente. Por isso, parabéns RC e boa sorte...