quarta-feira, 21 de julho de 2010

‘O Profeta’, filme de gângster com cérebro


O filme ‘O Profeta’ chega ao Brasil aclamado como a Obra-Prima de Jacques Audiard. Indicado a vários prêmios, inclusive Cannes e Oscar de Filme Estrangeiro, o filme foi o vencedor do grande prêmio do júri em Cannes e de quase todas as categorias do César (o Oscar francês) nas quais concorreu. Escrito pelo diretor Jacques Audiard ao lado de Thomas Bidegain, Abdel Raouf Dafri e Nicolas Peufaillit, o longa acompanha a trajetória de Malik El Djebena (Tahar Rahim), que, depois de passar por várias instituições correcionais durante a adolescência, é finalmente enviado à prisão depois de supostamente espancar um policial. Malik, um ‘árabe francês’, nascido e criado na França, fugiu ainda adolescente do convívio da família – ao que tudo indica fugiu de uma realidade violenta para abraçar outra mais desconcertantemente violenta ainda, nas ruas e na prisão.

Quando o filme inicia, Malik tem 19 anos e está chegando ao presídio para cumprir uma pena de seis anos. Sem saber ler e escrever, indefeso, com medo, e ao mesmo tempo selvagem, o rapaz logo serve de joguete de uma gangue basca. Estamos falando de uma gangue composta provavelmente de homens que cometeram crimes políticos, leia-se terrorismo, ETA, mas também contrabando de drogas, armas, influência, jogos... a máfia. Dizem que a máfia basca é comparável a Russa e a Siciliana e todas se interligam em seus favores. Gente muito, muito boa...

De uma certa forma, o destino sorri para Malik – um destino torto e talvez até atávico e nisso o filme lança um olhar que pode ser considerado preconceituoso para alguns, ou realista para outros. É como se fosse lançada a pergunta ao espectador: o que aconteceria com um rapaz com tendências violentas, cru, no sentido educacional e religioso, lançado cada vez mais num reduto criminoso. Não é preciso ser gênio para dar a resposta, mas essa é uma resposta que tende a ser fatalista e esquecer as surpresas e a capacidade de superação, transformação e altruísmo que a alma humana pode alcançar. Bem, mas esse não é o caso de Malik, ainda que o roteiro tenha suas tiradas surpreendentes, ele segue a cartilha pré-determinada. Esse é o único problema do longa: de uma certa forma já temos uma idéia do que irá acontecer com Malik.

Mas voltando a história... Como disse, o destino sorri para o rapaz quando um árabe tenta se aproximar dele lhe pedindo favores sexuais. Malik rechaça o homem, num misto de nojo e indignação. Mas o que nosso jovem protagonista não sabe é que o homem que faz a proposta é alvo da gangue basca, que quer apenas uma oportunidade de matá-lo. E eles vêem o interesse de um pelo outro. É assim que os bascos, liderados pelo implacável veterano César Luciani (Niels Arestrup), altera de forma definitiva a passagem de Malik pelo presídio.

Os bascos passam a pressionar Malik para que, aproveitando a preferência e o assédio do homem, cometa o assassinato e traia sua própria etnia. Mas uma vez o filme anda pela linha do preconceito de franceses contra bascos, de bascos contra franceses e de todos contra os imigrantes, principalmente os árabes, e de heterossexuais contra homossexuais. Mas esses, a princípio, não são os temas centrais.

Bem, não contei o motivo para o assassinato (que não é revelado a Malik em nenhum momento): o árabe está servindo de alcagüete dos esquemas bascos e italianos. Malik não tem escolha, deve matar ou será morto.

Vale a ressalva que o rapaz nunca cometeu um assassinato e ele até tenta se livrar da missão, mas se depara com a corrupção dentro do próprio presídio e quase morre sufocado num saco plástico.

Então ele aceita o encargo, e a partir daí tem lições de como no ato da felação e do beijo, com uma gilete escondida na gengiva, deve atacar a jugular do moço. Malik aprende, mas se contorce com uma espécie de dor interior, brilhantemente demonstrada pelo ator. É como se através de um questionamento superficial do tipo: terei que fazer sexo com um homem e ainda matá-lo? Malik expusesse a agonia de uma decisão sem volta e difícil de engolir. A interpretação é magistral.

O mais irônico é que o árabe mostra-se doce, gentil e amigo. Fala para Malik que ele deve aprender a ler e aproveitar o tempo ali dentro para sair melhor do que entrou. Mostra-lhe livros, serve café e, pela primeira vez, entabula uma conversa sadia com o rapaz monossilábico que traz uma gilete na boca. Talvez por isso, Malik não consiga seguir o plano totalmente – aparentemente ele opta em deslocar apenas uma das partes de sua moral.

Após essa iniciação nefasta, Malik passa a ser protegido e a andar com a gangue basca e será nesse meio que o rapaz irá florescer. Um florescer perverso, ainda que guarde algo de inocente.

Mas talvez a beleza de ‘Um Profeta’ esteja no seu braço místico. À noite, após o assassinato do ‘irmão’ árabe, Malik tem um surpresa. Recebe a visita do morto. Eles lutam na cama. Uma luta fantasmagórica, até que Malik, silenciosamente, se aquieta. Em toda a história que se seguirá este será o amigo invisível do jovem árabe, que o guiará até a porta de saída. Um amigo que lhe sopra o futuro. Contudo, o diretor poderia ter investido um pouco mais nessa área.

O roteiro é conciso, a edição de imagens mantém o fluxo quase natural – no sentido de naturalista – da história. Os atores surpreendem, em especial Tahar Rahim e Niels Arestrup. Por sinal, o novato Rahim já deve ser apontado como uma agradável surpresa. Seu olhar de incredulidade e a expressão da angústia solitária vão se modificando ao longo dos 155 minutos de projeção, mas nunca o abandonam completamente. O arco dramático do personagem é fascinante e ao mesmo tempo compreensível. Um bom filme com uma abordagem inusitada de uma história que já foi contada inúmeras vezes.

terça-feira, 6 de julho de 2010

O Brasil entregou o jogo


A Copa do Mundo de Futebol acabou para a Seleção Brasileira. No exato momento em que o jogo acabou parece que uma febre foi sanada e o país voltou ao normal. As pessoas retomaram suas vidas, trabalho e preocupações. É engraçado como esse jogo ainda move e toma o Brasil. Mas há algo de imensamente positivo em termos caído frente à Holanda.

É inegável, o jogo que o Brasil apresentou mesclava algo de burocrático com deslealdade. Estava ficando cada vez mais comum ver Kaká, Robinho e companhia em jogadas infelizes cheias de cutucões, carrinhos e empurrões. Entendo que às vezes a única forma de parar um jogador é fazendo a falta – um mal necessário principalmente para o jogador sem brilho, que não consegue pensar noutra alternativa –, mas o time comandado por Dunga estava fazendo disso uma rotina.

Tínhamos atuações razoavelmente boas, ainda que sem entusiasmo, já que assim que os jogadores percebiam que tinham garantido os pontos ou a classificação simplesmente dormitavam em campo. Assim o time nunca convenceu de fato.

E devemos admitir que a seleção idealizada por Dunga é o seu próprio espelho, um time irritadiço, intolerante e raivoso. Por isso, acho que a Holanda mereceu ganhar, ainda que não tenha jogado um futebol realmente bom e também tenha tido seus momentos de ‘catimba’, o que é sempre feio.

E também é exatamente por isso – porque a Holanda não jogou lá grande coisa – que fica a impressão que o Brasil entregou o jogo. Não digo que o Brasil combinou alguma coisa, ou recebeu ordens, ganhou dinheiro para isso... Não. Entregou o jogo porque perdeu as estribeiras da emoção. Além dos jogadores parecerem que tinham desaprendido a jogar no segundo tempo. O time voltou do intervalo sem a mesma garra. Vendo pela televisão fiquei pensando: o que danado eles conversaram no vestiário!?

Para falar do desequilíbrio emocional. Tínhamos esse problema há três ou quatro Copas atrás – antes de 1994 – mas já tínhamos resolvido isso. Então, por que esse desequilíbrio emocional retorna justamente na seleção idealizada por Dunga, uma seleção que deveria ser disciplinada e organizada ao extremo? Vai ver que disciplina somente não resolve, principalmente no que diz respeito ao homem latino. É preciso mais molejo, mais graça e prazer. Não vi o prazer de jogar dos titulares ou reservas, antes uma tensão por resultados.

Agora, alguns que adoram ver uma teoria da conspiração, circulam na internet várias versões para o acontecido. Alguns insistem que em 98 o Brasil entregou o jogo para a França. A promessa seria ganhar em 2002. A Fifa teria resolvido agraciar a Alemanha que topou perder em sua própria casa em 2006. Segundo essa teoria, a Copa será da Alemanha.

Nem digo que conspirações e arranjos sacanas não existam, mas para mim quem fica com a taça é a Holanda ou Espanha.

Mas vamos combinar, faz tempo que uma seleção não ganha e convence. Na Copa passada a Itália ganhou da França utilizando o artifício da provocação de Materasi sobre Zidane. A França merecia a taça. O futebol da Itália era feio e minguado, tanto é assim que foi preciso jogar sujo para ganhar.

Antes da Itália o Brasil tinha ganho com Felipão. Tudo bem, aquela foi uma seleção que se auto-superou e foi bonito ver o renascimento de vários jogadores. Os jogos não foram fáceis, nem o Brasil parecia indestrutível, tinha lá suas fragilidades, mas conseguiu.

Em 1998 foi a vez da França ganhar naquele episódio infeliz da convulsão de Ronaldo Fenômeno. O Brasil estava tonto em campo e a França também não mereceu ganhar. Assim como em 1994 o Brasil não mereceu ganhar - com seu jogo mínimo - a competição realizada nos EUA. Mas é assim mesmo, o mundo é cheio de equívocos e injustiças.

No final das contas pelo menos o que pareceram ser os maiores egos que desfilaram na África do Sul – as seleções da França, Itália, Brasil e Argentina (esta última sem dúvida a melhor das quatro no quesito jogo) – foram mandadas para casa mais cedo. Assim, quem sabe, veremos ao menos um pingo de justiça nos campos, ainda que o futebol seja mínimo, feio, trancado.

Mas não deixa de ser engraçado uma coisa: como o país, ou os países, são tomados pelo clima da Copa. É quase uma febre, devia ser assim nas arenas de Roma. Talvez seja por isso que espírito de gladiador assalta alguns jogadores e torcedores.

Até quando o esporte vai ser mais um exercício de guerra e menos a expressão de união de uma equipe em prol de um objetivo, onde superação, força, lealdade, esforço, foco, alegria e lances iluminados encontram as pernas, cabeças, corpo, mentes e espíritos para realizar a verdade? Faz tempo que o melhor nem chega às finais. Espero que agora seja diferente.