quarta-feira, 29 de setembro de 2010

O vírus da intolerância no mundo


Pensem num vírus mortal, capaz de fazer com que as pessoas pensem que os outros são inimigos. Mas esse inimigo é basicamente aquele outro que pensa diferente, que é age e vive diferente de você. Assim, com esse vírus, é fácil ver o inimigo num gay, se você é heterossexual. Num cigano, se você tem emprego e residência fixa. Uma mulher de burca ou um muçulmano, se sua religião é cristã ou judaica. Um homem pobre de pele escura, se você é branco e está de carro num bairro da periferia...Um evangélico, se você é católico; um esotérico, se você é católico, evangélico ou muçulmano. É engraçado como esse vírus permeia as religiões... Um ambientalista, se você é industrial; um vegetariano, se você gosta de carne; um fumante, se você não fuma...

É o vírus do ódio.

Quem já sentiu essa emoção sabe que ela vem acompanhada de uma espécie de agonia. Algo como uma dor, com arroubos incontroláveis de violência. É o instinto na enésima potência. O ódio traz com ele também a crença, um fanatismo qualquer, uma certeza absurda da verdade que a pessoa dominada pelo vírus carrega. Essa crença se afirma ao projetar que o errado está fora de mim e que as minhas idéias e crenças religiosas, políticas, sexuais são a expressão da verdade, porque eu faço o bem, quero e desejo o bem. Assim sendo, não haveria chance de eu ser um instrumento do mal. Então, elementar meu caro, eu estou com a verdade e você que pensa diferente de mim está errado. Não só está errado, você mente! Está corrompido. E precisa urgentemente ser salvo. Claro!

E assim os homens vão se distanciando do amor, em nome do próprio amor.

O ódio é uma paixão que impele a causar ou desejar mal; impele a execração, ao rancor, raiva, ira, aversão, repugnância, antipatia, desprezo, a repulsão. O ódio quer eliminar o que não lhe apraz, ou o que lhe causa medo.

De uma certa forma o ódio está em voga ultimamente, não só nos homens e mulheres loucos aos quais mais e mais temos notícias que atiram nas escolas, que matam os pais, os filhos, que esquartejam namoradas e vizinhos. Não é só nas páginas policiais. Ele circula nas eleições deste ano no Brasil, nos boatos da internet, nas denúncias, nas humilhações e achincalhes entre os candidatos. Ele também circula pela Europa com expulsão dos ciganos e a proibição do uso da burca nas mulheres muçulmanas pelo presidente Nicolas Sarkozy.

Anda pela ascensão da direita numa comunidade Europeia em crise econômica que cada vez mais se agrava. Não digo que o ódio é sinônimo de direita, mas que muitas vezes ele é trazido nos movimentos radicais de mudança. E essa retomada da direita e suas propostas xenófobas e restritivas da liberdade devem ser um alerta.

São diversas famílias conservadoras e liberais que dominam atualmente os maiores Estados da Europa - da França de Nicolas Sarkozy ao Reino Unido de David Cameron, da Alemanha de Angela Merkel à Itália de Silvio Berlusconi. Na Suécia, sem esquecer os países da antiga esfera soviética - como a Hungria, a Polônia e a República Checa -, que também têm rejeitado as propostas socialistas.

As exceções mais notórias a este quadro político surgem em Portugal, Espanha e Grécia. Mas as sondagens, tanto portugueses como espanholas, mostram vontade de mudança.

Ainda há a nova direita americana chamada Tea Party (Festa do Chã) com a simpatia de 52% dos norte-americanos – o nome é uma alusão ao protesto de colonos norte-americanos contra a taxação do chã pelo governo britânico que resultou na independência dos EUA. Lançado em 2009, após a eleição do primeiro negro presidente americano o movimento Tea Party já tem as feições de um novo partido além dos já conhecidos Democrata e Republicano (apesar de ainda fazer parte do seio deste último). O Tea Party chegou a comparar Obama a Hitle e Stalin.

Integrantes do Tea Party, já criticaram o apoio oficial na luta contra a AIDS – eles consideram o vírus uma penitência justa do pecado da promiscuidade. Condenam a pornografia, a masturbação e a homossexualidade, e defendem a recuperação de uma sociedade de moral calvinista, em contraponto à perversão e à lascívia que, segundo acreditam, caracterizam os dias de hoje.

É verdade que a América Latina, pelo menos no seu traçado político até o momento, parece fora dessa onda, mas o ódio é como um vírus que se alastra com rapidez. Lembrem, não é a direita que tem o vírus, é o homem, e esse vírus se manifesta para todos os lados quando o radicalismo se instala.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Um Cássio meio (50%) kamikaze

Nos guias de segunda-feira (27/09) e desta quarta-feria (29/09) o ex-governador Cássio Cunha Lima (PSDB) deixou claro que não irá renunciar e colocar outra pessoa no seu lugar. Das duas uma: ou o tucano conhece o futuro, coisa que a maioria dos pobres mortais não tem idéia, ou ele resolveu arriscar tudo, meio que ‘chutar o pau da barraca’.

Descarto a possibilidade de um blefe. Não pegaria bem e o campinense já demonstrou ser um homem razoavelmente coerente em suas colocações. No pronunciamento da TV ele deixa apenas uma brecha para mudança de decisão: caso a Justiça não permita mais que ele se candidate.

Encarando desta forma, seria necessário uma definição por parte do Supremo Tribunal Federal (STF) em relação à aplicabilidade ou não do Ficha Limpa ainda nessas eleições. O Tribunal se reuniu na quarta (28/09), mas não decidiu nada (estão cinco votos a cinco). Preferiu arquivar a peleja já que o reclamante – Joaquim Roriz – desistiu de sua candidatura e colou a mulher no lugar para disputar o governo do Distrito Federal. O objeto de apreciação dos juízes já não existe mais...

Analisando os fatos, parece que Cássio percebeu que está muito em cima da hora para fazer uma mudança tão brusca na campanha e os prejuízos poderiam ser incalculáveis. Já que nada garante que o seu substituto receba a mesma votação que ele receberia. Para mim, não é um equívoco afirmar que Cunha Lima preferiu ir para o tudo ou nada, numa atitude quase kamikaze – aqueles aviadores japoneses em missões suicidas – do tipo melhor morrer na luta do que se deixar abater sem tentar atingir o alvo. Mas as chances dele conseguir seu tento (ser eleito e conseguir manter o cargo após as eleições) são de 50%.

Explico. Se por um lado a Lei de Ficha Limpa passar no STF numa próxima apreciação valendo já para este ano e ainda por cima abraçar casos de candidatos já condenados – isto é, retroagir – o ex-governador sofrerá o ostracismo da política estadual. Cássio ficará fora pelo menos de toda a disputa eleitoral até 2014. Ele não poderá se candidatar nas eleições municipais e nem na próxima eleição para o governo do estado.

Talvez Cássio tenha pensado que é melhor sacrificar a própria candidatura e evitar fazer um movimento desesperado nesse momento. A atitude (uma desistência) atingiria diretamente mais dois candidatos: Ricardo Coutinho (PSB) e Efraim Morais (DEM). Cássio puxa os votos para os dois candidatos. O vôo do tucano pode realmente ser arriscado, mas é estratégico.

Os outros 50% (de possibilidades positivas) estão numa aposta, de que o STF se coloca numa situação delicada se decidir – ao que tudo indica fará assim – chegar a uma conclusão sobre a Ficha Limpa só depois das eleições, provavelmente após a nomeação por Lula de um novo integrante para a vaga de Eros Grau que se aposentou.

Aí surge uma questão. Se a decisão for pela validade da lei, como ficarão os votos de milhões de brasileiros que escolheram alguém atingido pela Lei? Serão anulados?

Existem alguns candidatos, como Cássio, mas também alguns deputados, inclusive do próprio PT, que puxam votos para a legenda e ajudam a eleger outros da aliança. Como ficam esses prováveis candidatos eleitos, se eles só conseguiram se eleger graças aos votos da legenda, se esses votos forem anulados?

O STF tem uma batata quente em mãos, que deve ser repassada para o próximo magistrado. Não há dúvidas de que o nome indicado por Lula já será sabatinado sobre a questão e nós sabemos como os políticos são ciosos em relação a sua própria classe...

Sei não, mas a decisão, bem que pode ser pela NÃO aplicabilidade da Lei neste ano...mas não dá para prever de fato, já me disseram que cabeça de juiz é imperscrutável.

Só para vocês ficarem a par. Antes do pronunciamento de Cássio na televisão, no seu guia, os boatos davam conta que ele estava em dúvida se iria escolher a mulher, Silvia Cunha Lima, ou o tio, Ivandro Cunha Lima, para colocar no seu lugar. Pelo jeito ele optou por uma outra direção.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

O Anúncio

Mas uma anedota de Nasrudin

Um dia, na praça do mercado, Nasrudin pôs-se de pé e disse para a multidão:

- Ó povo! Querem o conhecimento sem dificuldade, a verdade sem falsidade, a vitória sem esforços, o progresso sem sacrifício?

Logo juntou-se uma grande quantidade de gente que gritava:

- Sim, sim, queremos!

- Excelente! - disse o mulá. - Só queria saber. Podem estar seguros de que se algum dia descobrir algo semelhante, os farei saber.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Crise mundial: o W da questão

Muito se falou que a crise financeira mundial, que estourou em 2007 e teve seu auge em 2008, poderia ser maior do que a de 1929 – aquela que causou o mais longo período de recessão econômica do século XX e teria terminado só com a segunda grande guerra. A turbulência recente passou como um furacão, e os países tiveram que injetar US$ 10 trilhões no sistema financeiro para evitar uma hecatombe.

A ação parece que não surtiu o efeito desejado, e os economistas alertam para um novo furacão que já dá sinais de estragos na Europa e que pode se alastrar pelo resto do mundo. Esta é a tese defendida pelo doutor em economia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), professor Nelson Rosas Ribeiro, que juntamente com um grupo de professores estuda, desde 2002, o mau humor dos mercados. O professor coordena o Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira (Progeb).

Uma das hipóteses aventadas pelos economistas, e corroborada pelo professor Rosas, é que as crises do sistema capitalista são cíclicas e têm estourado com maior ou menor intensidade em períodos de dez em dez anos. Em relação a esta crise especificamente dita, se discute se o seu formato se assemelharia a um V, U ou W – uma forma interessante de se avaliar o grau e o tipo das turbulências.

Assim a crise em V refletiria uma queda rápida e profunda, com uma recuperação igualmente veloz. A crise no formato U representa uma queda gradual, seguida de recuperação igualmente devagar dos níveis de atividade econômica. Já uma crise em W, admitida por alguns estudiosos para o momento atual, simboliza uma crise aguda, seguida de recuperação que não chega a ser completa e um novo mergulho no fundo do poço.

“O período de crise é necessário para reajustar e reestruturar as forças econômicas para um novo crescimento. Na economia capitalista, é preciso destruir para reequilibrar o sistema a fim de que ele volte a crescer. Sabemos que a crise é má, com efeitos sociais terríveis, mas no sistema capitalista é um mal necessário. Quando a crise começa, ela tem que cumprir o seu papel transformador”, argumenta o professor.

No entender do Progeb, graças às políticas econômicas dos governos, iniciou-se uma recuperação econômica mundial. “Nunca na história do capitalismo se interveio de uma forma tão violenta como nesta crise recente para evitar a falência das empresas financeiras que trabalham com o que chamamos de capital fictício, um dinheiro que só existe no papel”, critica Rosas.


Onda generalizada
– Para os professores, o que existe é uma crise generalizada de super produção, e não financeira. “Os cálculos são diversos, as estimativas dizem que a quantidade de papel moeda que existe no mundo vai de cinco a dez vezes a quantidade do PIB mundial. Temos um dinheiro nominal, em números e papéis que não tem correspondência com o que o mundo produz”, explica Rosas.

Para ele, o mundo vive hoje diante de um engodo, ao pensar que a bolsa de valores gera riquezas. “Muito se esquece dos conselhos do sábio Aristóteles e de São Tomaz de Aquino: dinheiro não gera dinheiro. É gerado pela atividade produtiva”. Rosas alerta que o investimento no sistema financeiro produz dividendos e acaba se tornando um sugador da riqueza, destruindo a atividade produtiva. “É esse círculo vicioso que leva a segunda perna do W”.

Um outro fator que levaria a outro mergulho na crise é o alto grau de endividamento dos países, que está impossibilitando o pagamento de suas dívidas, levando a nova insolvência dos bancos. Foi isso que levou ao estouro da crise na Grécia. A mesma crise que se espalha por países como Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha, os chamados PIGS (porcos em inglês). Mas a crise já estaria muito mais alastrada, com reflexos na Polônia, Itália, Hungria e podendo chegar até a Rússia, segundo Rosas.

Esses seriam os países que se endividaram em demasia e estão na linha de frente para estourar. “Do jeito que as coisas vão, a possibilidade da crise arrastar o mundo inteiro, inclusive o Brasil, é grande. Enquanto o objetivo da intervenção for proteger o capital financeiro, o resultado vai ser desastroso”, arrisca Rosas.

Todavia, outro economista, Reinaldo de Souza, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), não vê uma contaminação rápida do Brasil. Souza argumenta que as exportações brasileiras representam apenas 15% do PIB, o país não tem uma dependência muito grande do mercado externo. No entender de Souza, a crise agora afeta o euro e a Europa em geral. O primeiro pacote de ajuda à Grécia de 110 bilhões de euros não foi suficiente para aplacar o ataque especulativo frente à moeda europeia.

A União Europeia decidiu por um pacote de 750 bilhões de euros para os PIGs, países da Europa central e mar báltico. Mas, mesmo assim a Alemanha, que começou a esboçar uma recuperação tímida, deve ser atingida – já que a sua balança comercial depende dos parceiros europeus. Para Souza, o problema não é somente de economias vulneráveis e frágeis, mesmo países como França e EUA vão ser afetados.

Os indicadores econômicos do EUA sobre emprego, crédito, estoque, produção de bens de capitais e exportações, registraram o pior desempenho desde abril do ano passado. Esperava-se a criação de 450 mil empregos, mas o resultado foi oposto, houve uma dispensa de mais de 550 mil postos de trabalhos. “No final das contas, não se sabe a extensão, a profundidade e efeitos a longo prazo desta crise”, avisa.

A média de endividamento dos países europeus, elevadíssima, segundo o OCDE, é de 80%. No Brasil, a dívida hoje é de 44%, no período pré-crise era de 38%. O aumento se deu porque o governo federal teve que fazer capitalização para sustentar o crédito. O Brasil também tem 250 milhões de dólares em reservas que dão uma proteção importante a futuros choques internos. As soluções, segundo Rosas, apontam para um maior controle do sistema financeiro, redução das taxas de juros e redução da remuneração que fica na mão do empresário.


O contágio e os Brics

Dentro desse cenário mundial há um fator novo: a ascensão dos Brics – Brasil, Rússia, Índia e China – na economia mundial. A fraca contaminação desses países durante a crise e sua retomada com força têm ajudado a puxar o PIB mundial. “Como os países centrais estavam no epicentro da crise, a novidade foi que esses países chamados emergentes responderam com muita força”, frisa Reginaldo Souza (UFBA). No entender de Souza, no momento, o Brasil mostra uma situação diferente. “A economia brasileira começou esse semestre crescendo a um ritmo chinês (IBGE pontuou crescimento anualizado de 9%), reacendendo os temores de inflação.

O governo já retirou os benefícios fiscais de enfrentamento da crise, como isenção de IPI”, disse. Por isso, o Banco Central vem aumentando a taxa básica de juros e os setores mais conservadores da economia estão batendo na tecla do receio da inflação.

“O contágio é uma possibilidade, mas ainda não se pode afirmar. Nós estamos numa economia com muitas incertezas. Fazer uma afirmação categórica que em 2011 ou 2012 a crise alcançará o Brasil é arriscado”, afirma Souza. Todavia, Souza vê a possibilidade de que, com a queda da atividade econômica na Europa, haja diminuição da compra de commodities brasileiras, principal demanda na balança comercial.

Contudo, o professor Nelson Rosas (UFPB) discorda e acredita que os Brics não terão força para manter o equilíbrio. “Eles são um fato novo e com certeza terão influência. O problema é que os Brics ainda são muito pequenos em relação ao PIB do mundo e não têm força econômica para impedir a crise”, diz. “A situação do mundo é muito complicada. É difícil imaginar que alguém possa impedir esse processo, principalmente se continuarem querendo garantir o capital financeiro”, afirma.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Haverá segundo turno na Paraíba?


Estive acompanhando o guia eleitoral da Paraíba – e o nacional, é claro, mas vou me ater a terrinha e vou tecer aqui algumas impressões. Primeiro algo que não tem a ver com o guia, mas é mais uma impressão.

Ainda que o governador José Maranhão tenha conseguido juntar um bom número de pessoas para a carreata nesta quarta-feira (14), na Capital, ouso dizer que João Pessoa está silenciosa. Um silêncio que é torturante para alguns e cheio de presságios para outros. Ele significa dizer que está cada vez mais difícil apontar para onde a cidade irá pender nas eleições: se para Ricardo ou Maranhão.

É evidente: há um bom número de carros com adesivos de Maranhão e um número mínimo com adesivos de Ricardo Coutinho. Alguns têm falado que isso é porque a campanha do ‘Mago’ tem tido pouco dinheiro para distribuir adesivos. Todavia, outros afirmam que a Capital está mesmo na entoca e só deve revelar sua preferência explícita nas urnas, o que pode ocasionar surpresas desagradáveis para os candidatos.

Há uma questão clara em se tratando dos votos do pessoenses: uma rejeição quase automática em relação a Cássio Cunha Lima (PSDB). Essa rejeição é anterior a qualquer sentimento de traição dos partidários de Coutinho, devido a aliança que ele fez com o grupo de Campina Grande e com o Democrata Efraim Morais. Vem do revanchismo (para mim tolo) entre João Pessoa e Campina Grande.

De qualquer forma, se até cerca de um mês atras o governador tinha clara uma vitória sobre Ricardo, o horizonte agora parece mais enevoado e sujeito a trovoadas. Tanto é assim que o peemedebista resolveu se licenciar para arregaçar as mangas na campanha. Talvez Maranhão sinta que está perdendo terreno. Os correligionários defendem a licença do chefe do executivo afirmando que assim é melhor para evitar qualquer tipo de contestação jurídica no futuro por uso da máquina pública.

Contudo, a julgar pelo nível da campanha na televisão há realmente uma preocupação no staff peemedebista. Senão vejamos. Tomemos como exemplo a campanha da ex-ministra Dilma Rousseff (PT). A campanha petista não tem respondido a ataques e raramente solta farpas em relação ao adversário. Baseia seu guia em propostas e numa campanha sentimentalista onde cola a imagem da candidata com a do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Enquanto isso a campanha de José Serra (PSDB) bate quase todo dia, dando vazão a escândalos veiculados na grande mídia.

Assim, tomando por exemplo a campanha de Dilma. Estar na frente nas pesquisas dá uma certa folga à campanha e possibilita ao candidato uma postura até elegante de fingir que nada que é dito pode lhe atingir. As respostas podem até acontecer, mas nunca, ou raramente, é citada a fonte da acusação e alvo da resposta.

No caso da Paraíba, convenhamos, foi Maranhão quem começou batendo no guia. Ricardo, que vinha apresentando um programa para lá de xoxo, sentiu o golpe e tratou de começar um movimento de ataque. Agora os dois atacam. Maranhão com mais veemência, sejamos justos, ainda que RC tenha lançado uma ofensiva dura ao praticamente chamar o governador para um duelo, em um dos programas.

Apesar disso, é Maranhão que ainda hoje inicia e termina o programa citando o candidato oposicionista, fazendo acusações e denúncias. Coutinho utiliza uma parte do programa para atacar Maranhão em suas propostas de governo, de forma direta, e pela tangente, ao mostrar realidades difíceis com as quais o estado ainda vive.

Há também 'respiros' cômicos na campanha. Os dois candidatos conseguiram feitos no youtube através do humor. Os simpatizantes de Maranhão postaram no site público um vídeo intitulado ‘O Grande Assalto’, uma paródia ao tema da campanha de RC. Nesta semana o grupo de simpatizantes do ‘Mago’ postou ‘Zétrocesso cantando Raul’. Igualmente divertido.

Mas tudo isso leva a uma conclusão: a contar pelo que se vê nos guias, Ricardo tem crescido a ponto de incomodar Maranhão que agora luta para reverter a tendência. Nada está garantido, mas o comitê de RC conta como certa a vitória em Campina Grande e João Pessoa. Todavia, luta para que a margem na Capital seja folgada, algo complicado a princípio, mas nessa altura do campeonato cada vez menos impossível. Afinal, João Pessoa anda silenciosa demais...

Para o Senado - Outro que tem mostrado grande confiança no pleito é o ex-governador Cássio Cunha Lima (PSDB). Com um guia monótono, onde apresenta seus feitos e propostas diretamente, Cássio aposta em seu próprio carisma e, assim como Ricardo, dá uma de âncora do próprio programa eleitoral. O tucano demonstra que não vê como uma realidade sua impugnação e muito menos uma derrota. Cássio demonstra cada vez mais que vai levar a disputa até o fim.

Também é visível o crescimento de Efraim Morais (DEM). Centrando a campanha num programa para lá de bem humorado e popular e casando sua eleição a de Cássio, além de emplacar propostas como o décimo terceiro do Bolsa Família, proposta encampada por RC, Efraim tem conseguido deixar para trás Wilson Santiago (PMDB) e Vitalzinho (PMDB).

Vitalzinho cresceu, mas tem encontrado resistência, e ao que tudo indica, a disputa é ferrenha com Efraim. Basta saber agora se o empenho do prefeito e irmão Veneziano (PMDB) vai surtir efeito. Wilson Santiago (PMPDB) se esforça, mas está difícil.

Vou arriscar um palpite: Apesar de eu gostar da idéia que as coisas sejam definidas num primeiro turno, se o que se vê na TV é a projeção da realidade que os candidatos vêem nos seus comitês e nas ruas, é bem possível que o clima eleitoral esteja mudando na Paraíba, não me pergunte como. Não sei se pode ter segundo turno com apenas dois candidatos fortes no pleito. Mas tem muita gente apostando nisso.

Há um outro ponto. Ricardo, Cássio e Efraim têm investido numa tática também utilizada nas eleições de 2006. Concentrando a campanha no interior do estado, nas pequenas cidades. Vale a lembrança, Cássio, em 2006, teve boa votação em Campina, melhorou sua performance em JP, apesar de ter perdido na capital, ganhou em algumas cidades de porte médio, mas tirou a diferença mesmo foi nas pequenas cidades. Creio que o candidato socialista pensa que não é tão difícil conseguir uma performance semelhante...

E mais, é bem possível que a dobradinha Cássio e Efraim seja eleita.

A guerra surda no campo

Estou postando matéria que fiz para a Revista Nordeste sobre o MST, Agronegócio e Agricultura Familiar

A CPI do MST escancara a luta milenar no campo pela Reforma Agrária, e a guerra travada entre o agronegócio e a Agricultura Familiar

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é o herdeiro natural das antigas Ligas Camponesas que existiram na década de 30 e que ressurgiram com força pouco antes do golpe de 1964. Naquela época, as Ligas se alastraram a partir de Pernambuco por vários estados do país na luta pela reforma agrária, mas acabou sendo esmagado com o golpe, que destroçou vidas e fez desaparecer líderes, como mostrou o diretor Eduardo Coutinho no filme ‘Cabra Marcado para Morrer’.

A reforma agrária ficou dormitando desde então, só veio à tona quando centenas de trabalhadores rurais decidiram fundar um movimento social “camponês, autônomo, que lutasse pela terra, pela Reforma Agrária e pelas transformações sociais necessárias para o país”, explica a cartilha do MST, fundado por esses trabalhadores na cidade de Cascavel (PR). O movimento, na época, e ainda hoje, congrega posseiros, atingidos por barragens, migrantes, meeiros, pequenos agricultores. “Trabalhadores rurais sem terras, que estavam desprovidos do seu direito de produzir alimentos. Expulsos por um projeto que anunciava a “modernização” do campo quando, na verdade, estimulava o uso massivo de agrotóxicos e a mecanização, baseados em fartos (e exclusivos ao latifúndio) créditos rurais; ao mesmo tempo em que ampliavam o controle da agricultura nas mãos de grandes conglomerados agroindustriais”, continua a cartilha. Hoje, 25 anos depois da sua fundação, paira sobre o MST uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) e denúncias de mal versação do dinheiro público.

O MST se defende e acusa: a CPI foi criada para satisfazer os interesses da bancada ruralista. A proposta da Comissão foi encabeçada pelo deputado Ronaldo Caiado, também líder dos Democratas na Câmara Federal. Segundo o deputado, “os atos criminosos praticados pelo MST vão de desvio do dinheiro público a invasões de terras produtivas. A comprovação dos desvios está atestada em laudos do Tribunal de Contas da União (TCU)”, garante.

É difícil dizer quem tem razão. Analisando a ênfase dada pela mídia à destruição de uma centena de laranjais após a ocupação da Fazenda Cutrale, em São Paulo, no ano passado (2009) o ex-ministro do governo José Sarney e de Fernando Henrique Cardoso, Bresser Pereira, afirmou que o MST é uma das únicas organizações a, de fato, defender os pobres no Brasil. “Não aceito a transformação das laranjeiras em novos cordeiros imolados pela ‘fúria de militantes irracionais’.


Bresser informa que a fazenda é fruto de grilagem contestada pelo Incra, ele ainda lembra frase dita por um ativista do MST: "transformaram suco de laranja em seres humanos, como se nós tivéssemos destruído uma geração; o que o MST quis demonstrar foi que somos contra a monocultura.

“Talvez os dois argumentos não sejam suficientes para justificar a ação, mas não devemos esquecer que a lógica dos movimentos populares implica sempre algum desrespeito à lei”, argumenta. Ronaldo Caiado contesta. “Quando incendeiam propriedades, matam rebanhos, destroem propriedades, estão defendendo os pobres? Não podemos ter um quadro de impunidade para alguns. Isso aí é desobediência civil. Temos regras. Uma pessoa não pode se achar imune a qualquer coisa alegando que está fazendo pelos pobres... O cidadão pode dizer que matou, porque estava fazendo o bem? Ou achar que tal terra é devoluta e invadi-la?”, questiona o deputado. Para o Democrata, o pior de tudo é quando o movimento faz isso utilizando dinheiro público.



A bancada ruralista tenta jogar para o governo a conta das invasões, através de aportes financeiros a três Organizações Não Governamentais (ONGs) que seriam braços logísticos do Movimento. São elas a ANCA (associação nacional de Cooperação Agrícola), da Concrab (Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil), a Itac (Instituto Técnico de Estudos Agrários e Cooperativismo) e a Cepatec (Centro de Formação e Pesquisa Contestado). As quatro entidades teriam recebido R$ 43 milhões em convênios com o governo federal de 2003 a 2007 e mais R$ 20 milhões em doações do exterior. Além disso, no período de 2003 a 2008, entidades de trabalhadores rurais teriam recebido da União cerca de R$ 145 milhões na forma de convênios para cursos de treinamento. A oposição quer provar que essa verba tem sido desviada para financiar as invasões (o MST prefere usar o termo ocupações). O Governo Federal defende-se afirmando que cada convênio é estudado separadamente e que ao serem constatadas irregularidades eles são suspensos e não mais renovados. O MST contra-ataca lembrando que também já foram repassados para o agronegócio R$ 87 bilhões em situações até mais favoráveis.

Messilene Silva, da coordenação nacional do MST a partir de Pernambuco, ao explicar a manutenção do MST não se refere a ajuda federal. Para Silva, o Movimento se mantém com a ajuda dos próprios trabalhadores acampados e assentados e com a solidariedade da sociedade e das entidades da classe trabalhadora, que vêem na Reforma Agrária uma necessidade para o país. A verdade é que o MST realmente não tem como receber diretamente nenhum aporte federal, já que não é uma entidade instituída formalmente. “Recebemos apoio político de 40 comitês de amigos no exterior, formados por professores, pesquisadores, militantes sociais, jornalistas, que não entendem como ainda existem trabalhadores sem-terra em um país do tamanho do Brasil, e acreditam nas nossas experiências de cooperação nos assentamentos”. Sobre o porquê utilizar-se dos instrumentos das ocupações de terra, Silva explica que cerca de 80% das desapropriações, nos últimos 10 anos, foram realizadas por conta das ocupações.


“Sem ocupação de terra, não tem reforma agrária. A Constituição de 1988 determina que a propriedade deve atender a sua função social, no artigo 5º. As ocupações que acontecem desde o tempo o Brasil Colônia, são o principal instrumento dos trabalhadores rurais para que a lei seja cumprida”, pontua. Para o MST, a ocupação de terra se dá quando de um lado está uma área improdutiva e/ou abandonada e, do outro, trabalhadores sem-terra que querem trabalhar e produzir. “A reação depende da conjuntura da questão agrária, da truculência dos fazendeiros e da posição dos governos estaduais. Em alguns estados, governadores têm uma posição bastante conservadora em relação à questão agrária e aos movimentos. Em outros, os fazendeiros são extremamente violentos e organizam grupos armados de pistoleiros contra os sem-terra”, conta. Messilene não explicita, mas o Movimento também faz ocupações políticas – como quando invadiu a fazendo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso – e também pressiona para que sejam resolvidas áreas de conflito – como foi o caso da Fazenda Cutrale que está em litígio com a União.

Reforma Agrária em marcha lenta
O MST parece ter razão ao afirmar que a Reforma Agrária precisa de um empurrãozinho. “Temos famílias acampadas há seis anos”, avisa Messilene Silva. O Censo Agropecuário de 2006, divulgado neste ano, revelou que a concentração na distribuição de terras permaneceu praticamente inalterada nos últimos 20 anos, apesar de ter diminuído em 2.360 municípios (a diminuição é considerada residual). Em 2006 a área ocupada pela agricultura não familiar (incluído aí os latifúndios produtivos e improdutivos) era de 309 hectares (correspondendo a 75%) enquanto a agricultura familiar tinha apenas 18,37 hectares (24,3%). Todavia, a Agricultura Familiar respondia por 84,4% (4,3 milhões) dos estabelecimentos, enquanto a não familiar tinha 15,6% (807 mil estabelecimentos). A agricultura familiar ainda corresponde por 38% do valor bruto de produção (R$ 54 bilhões), enquanto a não familiar responde por 62% (R$ 89 bilhões). Além disso, vale ressaltar que a Agricultura Familiar é quem mais ocupa a mão-de-obra no campo. Ela foi capaz de reter 74% das ocupações, ou 12,3 milhões de pessoas, enquanto a agricultura não familiar empregou 25,6%, ou 4,2 milhões de pessoas. O Censo lembr que o número total de pessoas ocupadas na agricultura familiar em 2006 é mais de duas vezes superior ao número de ocupações geradas pela construção civil.

Para o MST, o motivo da Reforma Agrária não ter deslanchando ainda é que o governo é de composição de interesses, sob hegemonia dos bancos, das transnacionais e do agronegócio. “Temos no campo uma disputa entre dois modelos: o agronegócio e a agricultura familiar/Reforma Agrária. O governo deu prioridade ao agronegócio, que concentra terra, expulsa o homem do campo, devasta o ambiente, usa agrotóxicos que envenenam os alimentos. Já a agricultura familiar e a Reforma Agrária são mais eficientes, produzem alimentos em menor área, geram mais empregos, embora recebam menos recursos do que o agronegócio”, defende Silva. O Censo Agropecuário ainda revela que metade dos agricultores familiares no Brasil estão na região nordeste. “Essa atividade na região desempenha uma importante característica de geração de trabalho e renda, manutenção da população no campo e ainda a característica de produção de alimentos. No Nordeste a Agricultura Familiar produz a mandioca, para a farinha, tem significativa presença na criação de médios animais, como o bode, um pouco de pecuária (leite bovino) e, dependendo na região, tem produção importante do feijão”, conta o diretor de Desenvolvimento de Projetos de Assentamento, do Incra, César Oliveira. A Agricultura Familiar é a principal produtora de alimentos básicos para a população brasileira.

“A nossa principal reivindicação atualmente é a atualização dos índices de produtividade”, revela Messilene, para quem os recentes achaques da mídia e da base ruralista são uma forma de impedir essa revisão. A Constituição Federal de 1988 e a Lei Agrária, de fevereiro de 1993, assinada pelo presidente Itamar Franco, determinam que "os parâmetros, índices e indicadores que informam o conceito de produtividade serão ajustados, periodicamente, de modo a levar em conta o progresso científico e tecnológico da agricultura e o desenvolvimento regional". Os parâmetros vigentes para as desapropriações de áreas rurais têm como base dados do Censo Agrário de 1975. “Em 30 anos, a agricultura passou por mudanças tecnológicas e químicas que aumentaram a produtividade média por hectare. A atualização dos índices de produtividade da terra significa nada mais do que cumprir a Constituição Federal, que protege justamente aqueles que de fato são produtores rurais. Os proprietários rurais que produzem acima da média por região e respeitam a legislação trabalhista e ambiental não poderão ser desapropriados, assim como os pequenos e médios proprietários que possuem menos de 500 hectares, como determina a Constituição”, diz a ativista que vai mais longe: “Fizemos uma grande jornada de lutas em agosto e o governo anunciou que fará a atualização dos índices. Depois disso, o latifúndio passou a fazer um ofensiva contra o MST. Apesar da revisão ter um peso pequeno para a Reforma Agrária, o latifúndio e o agronegócio não admitem essa mudança. Por isso, criaram essa CPI contra o MST como forma de perseguição política para impedir o cumprimento da lei, que determina a atualização”.

Números do MST
Atualmente, 90 mil famílias estão acampadas (aproximadamente 400 mil pessoas), vivendo em 875 acampamentos, distribuídos em 23 Estados e no Distrito Federal, em todas as regiões do país. Levantamento da Ouvidoria Agrária, do Ministério do Desenvolvimento Agrário, estima que 230 mil famílias estavam acampadas no país em 2006. Desde o início do MST, 370 mil famílias já foram assentadas. “Isto é fruto da organização de mais de 100 cooperativas e mais de 1.900 associações em nossos assentamentos, trabalhamos de forma coletiva para produzir alimentos. Contribuímos também na construção de 96 agroindústrias, que melhoram a renda e as condições do trabalho no campo”, afirma Messilene Silva.


Dívida chega a R$ 87 bilhões

De acordo com o Ministério da Fazenda, a dívida total dos produtores do campo já estava em R$ 87 bilhões, sem contar as dívidas de custeio da safra 2007/2008 e os investimentos desde a safra 2006/07. Desse total, R$ 74 bilhões (85%) recaíam sobre o agronegócio e R$ 13,4 bilhões sobre produtores familiares. São muitas as categorias diferentes de dívidas acumuladas pelos produtores agropecuários ao longo das últimas décadas. Só em débitos antigos contratados nos idos de 1980 e 1990, a conta dos ruralistas chega a R$ 27,38 bilhões - R$ 14,43 bilhões do Programa Especial de Saneamento de Ativos (Pesa), criado em 1989 para atender devedores de mais de R$ 200 mil, com alto índice de inadimplência e rolado mais de dez vezes; R$ 10,45 bilhões dos programas Securitização 1 e 2; e cerca de R$ 2,5 bilhões de outras dívidas antigas como Programa de Revitalização do Setor Cooperativo (Recoop), Funcafé, Cacau e Prodecer 1 e 2.


O que é um Latifúndio?
Segundo o técnico do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), José Garcia Gasques, O termo latifúndio pode ter interpretações variadas. Segundo Gasques, acima de 15 módulos a propriedade já é classificada como sendo grande. A questão é que os tais 15 módulos são variáveis de acordo com a região do Brasil. “15 módulos no município de Cubati, na cidade de Santa Luzia, na Paraíba, tem um significado. Na cidade de Santa Rita (região metropolitana de João Pessoa) tem outro. O tamanho (desses 15 módulos) varia conforme o clima, a proximidade do consumidor e as condições de infraestrutura. Em média, para a região Nordeste, até 50 hectares a propriedade é considerada pequena”, frisa o técnico.

Para o diretor de Desenvolvimento de Projetos de Assentamento, do Incra, César Oliveira, as propriedades Nordestinas tem como principal atividade das cadeias produtivas a Cana-de-açúcar e a pecuária extensiva, no máximo semi-intensiva, que se comporta de forma desigual na região. “É fato que quando se pega a cadeia do leite e derivados temos uma participação majoritária da agricultura familiar de médio porte. Os grandes empreendimentos que trabalham pecuária no Nordeste praticam uma pecuária extensiva que está associada a produção de carne, com utilização de baixíssima mão de obra, baixo nível tecnológico. As grandes propriedades, excepcionalmente, trabalham com algodão”, conta Oliveira.

Algumas ilhas da Agricultura Familiar se caracterizam pela produção de frutas tropicais, principalmente as centradas no Vale do São Francisco, no Rio Grande do Norte e no vale do Açu e Apodi, no Ceará além de uma pequena parte no Piauí. Esses empreendimentos, produtores de frutas, demandam uso intensivo de mão de obra na hora do plantio, nas capinas e adução e na colheita.

Dados relevantes
A Bahia é o estado com o maior número de estabelecimentos familiares (15% do total) seguido de Minas Gerais (10%). Esses dois estados possuem também o maior número de estabelecimentos familiares (9,9 e 8,8 milhões de hectares, respectivamente).


Distribuição de número de estabelecimentos da agricultura familiar por região:

Nordeste 50%
Sul 19%
Sudeste 16%
Norte 10%
Centro Oeste 5%


Distribuição da área de estabelecimentos da agricultura familiar na região

Nordeste 35%
Norte 21%
Sul 16%
Sudeste 16%
Centro Oeste 12%

A Agricultura Familiar
Produz 87% da mandioca consumida, 70% do feijão, 46% do milho, 38% do café, 34% do arroz, 21% do trigo, 16% da soja.
Produz 58% do leite, 50% das aves, 59 dos suínos, 30% da carne bovina.

Evolução mínima:
Entre 1996 e 2006 houve apenas um pequeno aumento do número de estabelecimentos da agricultura familiar (9,9%), passou de 4,139 milhões para 4,551 milhões., enquanto isso a área ocupada diminuiu 1%. A Agricultura Familiar ampliou sua atuação em 10 anos (de 1996 a 2006), mas os números estatísticos são irrisórios. Número de estabelecimentos cresceu de 85% para 88%, a área total subiu de 31% para 32% e o número de pessoas ocupas subiu de 77% para 79%. Entre 1996 e 2006 houve crescimento do Valor Bruto de Produção da agricultura familiar a participação nacional (de 38% para 40%). O maior crescimento foi no Nordeste (11%) e no Norte (9%).

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

‘Do Começo ao Fim’, primeiro filme gay do Brasil


Apesar do título do artigo, sei que o cinema brasileiro já produziu outros filmes que tocou, de uma forma ou de outra, na temática gay. Devem ser mencionados os filmes ‘A Rainha Diaba’ e ‘Madame Satã’. A Rainha Diaba, dirigido por Antônio Carlos Fontoura em 1974, conta a história de um homossexual que controlava o tráfico na Lapa. Interpretado por Milton Gonçalves, o filme é inspirado numa história escrita por Plínio Marcos – o teatrólogo mais marginal que o Brasil já teve.

O segundo filme, Madame Satã, dirigido por Karim Aïnouz conta a história real de João Francisco dos Santos, travesti que vivia na Lapa, considerado uma referência na cultura marginal urbana do século XX. Dá para notar que os dois filmes têm muito em comum...

Há também ‘Vera’, direção de Sérgio Toledo, 1987, com Ana Beatriz Nogueira (urso de prata pela atuação). O filme conta a história de uma interna da Febem, homossexual e poeta (a Vera do título). No longa, Toledo aborda desde os maus-tratos no internato ao suicídio, em 1982, passando pela fase em que saiu da Febem pelas mãos do (então) deputado Eduardo Suplicy que, sensibilizado com seu talento, deu-lhe apoio e conseguiu-lhe emprego. A história é baseada em fatos reais.

Bem, depois dessa, digamos, introdução ácida aos filmes com temática gay produzidos no Brasil, vamos ao açucarado filme ‘Do Começo ao Fim’ lançado em 2009 sob a direção de Aluizio Abranches.

Do Começo ao Fim’ pretende ser uma história de amor entre dois homens, com um adendo polêmico: os dois são irmãos – de pais diferentes. Em parte, o filme cumpre o prometido.

Com uma história delicada e poética – e absurdamente romântica, mais açucara que ‘Candelabro Italiano’ – de um amor que nasce na infância e é consumado quando Francisco (João Gabriel Vasconcellos, modelo profissional na vida real) e Thomás (Rafael Cardoso, o moço é ator profissional e faz parte do elenco da novela TiTiTi) se tornam adultos. A cena que os dois se despem quando vão se amar pela primeira vez é estranhamente teatral e forçada. Apesar da beleza, 'Do Começo ao Fim’ perde a oportunidade de aprofundar a temática.

O filme acaba servindo para mostrar cenas tórridas - os dois atores parecem realmente que vivem uma paixão sem reservas - a partir da segunda metade do longa e para Abranches defender a idéia que o amor nasce independente de sexo, filiação sangüínea, raça ou religião, sem pecado ou fronteira... A tentativa do diretor é louvável e interessante.

Ao deixar de fora os questionamentos – o filme salta da infância para a fase adulta - sem mostrar as descobertas e conflitos sexuais dos dois, o mundo mostrado na tela fica quase edulcorado.

Tudo bem, é uma proposta, onde o amor e sua expressão é mostrado quase de forma natural. É como se Abranches defendesse uma tese: e se essa emoção brotasse sem questionamentos e fosse aceita dessa forma, apenas como uma expressão amorosa? Se as pessoas esquecessem que são dois homens que a consumam, dois homens de uma mesma família. É como se ele dissesse: são apenas duas almas que se amam.

Seguindo essa premissa, a idéia de irmãos até ganha outra tonalidade: a universalidade. É como se Abranches perguntasse: não somos todos irmãos? Assim também é o amor entre os dois rapazes, um amor quase incondicional. Não chega a ser um sofisma, mas era necessário colocar mais luz nessas propostas...

Ok, é interessante a forma como o tema é abordado. Mas parece um desperdício de talento e dinheiro.

É inegável que Abranches conseguiu dar a sua idéia uma forma acabada, mas deixa a impressão que poderia ter apostado mais e inserido algum conflito, de qualquer ordem, amorosa ou sexual, já que a história transcorre como se os rapazes existissem numa espécie de paraíso bem próprio, longe da realidade de preconceito, desarmonia e dor do mundo reservado aos homossexuais.

Apesar disso, as interpretações são corretas – João Gabriel Vasconcelos é um pouco fraco, é verdade, mas a beleza do moço resolve a disfunção teatral. A fotografia, também do suíço Ueli Steiger, mesmo que fez Nosso Lar, é competente e a música está dentro do estilo romântico açucarado do filme. Também no elenco, Fábio Assunção, Júlia Lemetz, Jean Pierre Noher, Louise Cardoso, Mausi Martínez, Gabriel Kaufmann e Lucas Cotrim.

O filme não é ruim e, como já disse, as cenas entre os dois atores são muito bem feitas. É impressionante como Abranches conseguiu uma intimidade e interação entre os atores que parecem se amar realmente, o que é essencial para que acreditemos na história.

Além disso, é muito bem construída a primeira parte do filme - a infância - e aí está o grande trunfo do filme. São belas as interpretações dos dois atores mirins, que fazem Francisco e Thomás quando crianças, mostrando uma amizade simbiótica, que lembra, de longe, o filme inglês Almas Gêmeas, de Peter Jackson. Só que no filme de Jackson a coisa descambava para a loucura, enquanto que no filme de Abranches o caminho traçado é o amor...

Vale dar uma conferida.

Algumas informações interessantes: Do Começo Ao Fim teve um orçamento baixo, que não ultrapassou os R$ 2 milhões. Mas um vídeo promocional do filme foi colocado no YouTube e foi visto mais de 400 mil vezes, causando polêmica e comentários de todos os tipos, desde indignação até o entusiasmo. Já no Orkut, o filme também repercutiu bastante e foram criadas inúmeras comunidades, com um número de membros incalculável. O filme é o terceiro longa-metragem do diretor Aluizio Abranches, os primeiros foram: Um Copo de Cólera (1999) e As Três Marias (2002)

Para os que querem ver algumas cenas mais quentes, do teaser do filme, recomendo ENSAIO DO COMEÇO AO FIM. É só os dois marmanjos se agarrando.

Abaixo o trailer do filme

Carta Capital: José e Verônica Serra e os sigilos da Receita

Estou transcrevendo a baixo a matéria desta semana da Revista Carta Capital. A matéria assinada pelo jornalista Leandro Fortes trata da extinta empresa de Verônica Serra, que expôs os dados bancários de 60 milhões de brasileiros obtidos em acordo questionável, no governo FHC. Bem, é uma outra versão sobre a quebra de sigilo, ou pelo menos o início dessa história, divulgado no programa eleitoral de José Serra (PSDB). Sei que é um pouco grande, mas vale a pena dar uma lida...

Por Leandro Fortes, na CartaCapital - CF
Domingo, 12 de setembro de 2010


Em 30 de janeiro de 2001, o peemedebista Michel Temer, então presidente da Câmara dos Deputados, enviou um ofício ao Banco Central, comandado à época pelo economista Armínio Fraga. Queria explicações sobre um caso escabroso. Naquele mesmo mês, por cerca de 20 dias, os dados de quase 60 milhões de correntistas brasileiros haviam ficado expostos à visitação pública na internet, no que é, provavelmente uma das maiores quebras de sigilo bancário da história do País. O site responsável pelo crime, filial brasileira de uma empresa argentina, se chamava Decidir.com e, curiosamente, tinha registro em Miami, nos Estados Unidos, em nome de seis sócios. Dois deles eram empresárias brasileiras: Verônica Allende Serra e Verônica Dantas Rodenburg.

Ironia do destino, a advogada Verônica Serra, 41 anos, é hoje a principal estrela da campanha política do pai, José Serra, justamente por ser vítima de uma ainda mal explicada quebra de sigilo fiscal cometida por funcionários da Receita Federal. A violação dos dados de Verônica tem sido extensamente explorada na campanha eleitoral. Serra acusou diretamente Dilma Rousseff de responsabilidade pelo crime, embora tenha abrandado o discurso nos últimos dias.

Naquele começo de 2001, ainda durante o segundo mandato do presidente FHC, Temer não haveria de receber uma reposta de Fraga. Esta, se enviada algum dia, nunca foi registrada no protocolo da presidência da Casa. O deputado deixou o cargo menos de um mês depois de enviar o ofício ao Banco Central e foi sucedido pelo tucano Aécio Neves, ex-governador de Minas Gerais, hoje candidato ao Senado. Passados nove anos, o hoje candidato a vice na chapa de Dilma Rousseff garante que nunca mais teve qualquer informação sobre o assunto, nem do Banco Central nem de autoridade federal alguma. Nem ele nem ninguém.


Graças à leniência do governo FHC e à então boa vontade da mídia, que não enxergou, como agora, nenhum indício de um grave atentado contra os direitos dos cidadãos, a história ficou reduzida a um escândalo de emissão de cheques sem fundos por parte de deputados federais.

Temer decidiu chamar o Banco Central às falas no mesmo dia em que uma matéria da Folha de São Paulo informava que, graças ao passe livre do Decidir.com, era possível a qualquer um acessar não só os dados bancários de todos os brasileiros com conta corrente ativa, mas também o Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundos (CCF), a chamada “lista negra”do BC. Com base nessa facilidade, o jornal paulistano acessou os dados bancários de 692 autoridades brasileiras e se concentrou na existência de 18 deputados enrolados com cheques sem fundos, posteriormente constrangidos pela exposição pública de suas mazelas financeiras.

Entre esses parlamentares despontava o deputado Severino Cavalcanti, então do PPB (atual PP) de Pernambuco, que acabaria por se tornar presidente da Câmara dos Deputados, em 2005, com o apoio da oposição comandada pelo PSDB e pelo ex-PFL (atual DEM). Os congressistas expostos pela reportagem pertenciam a partidos diversos: um do PL, um do PPB, dois do PT, três do PFL, cinco do PSDB e seis do PMDB. Desses, apenas três permanecem com mandato na Câmara, Paulo Rocha (PT-PA), Gervásio Silva (DEM-SC) e Aníbal Gomes (PMDB-CE). Por conta da campanha eleitoral, CartaCapital conseguiu contato com apenas um deles, Paulo Rocha. Via assessoria de imprensa, ele informou apenas não se lembrar de ter entrado ou não com alguma ação judicial contra a Decidir.com por causa da quebra de sigilo bancário.

Na época do ocorrido, a reportagem da Folha ignorou a presença societária na Decidir.com tanto de Verônica Serra, filha do candidato tucano, como de Verônica Dantas, irmã do banqueiro Daniel Dantas, dono do Opportunity. Verônica D. e o irmão Dantas foram indiciados, em 2008, pela Operação Satiagraha, da Polícia Federal, por crimes de lavagem de dinheiro, evasão de divisas, sonegação fiscal, formação de quadrilha, gestão fraudulenta de instituição financeira e empréstimo vedado. Verônica também é investigada por participação no suborno a um delegado federal que resultou na condenação do irmão a dez anos de cadeia. E também por irregularidades cometidas pelo Opportunity Fund: nos anos 90, à revelia das leis brasileiras, o fundo operava dinheiro de nacionais no exterior por meio de uma facilidade criada pelo BC chamada Anexo IV e dirigida apenas a estrangeiros.

A forma como a empresa das duas Verônicas conseguiu acesso aos dados de milhões de correntistas brasileiros, feita a partir de um convênio com o Banco do Brasil, sob a presidência do tucano Paolo Zaghen, é fruto de uma negociação nebulosa. A Decidir.com não existe mais no Brasil desde março de 2002, quando foi tornada inativa em Miami, e a dupla tem se recusado, sistematicamente, a sequer admitir que fossem sócias, apesar das evidências documentais a respeito. À época, uma funcionária do site, Cíntia Yamamoto, disse ao jornal que a Decidir.com dedicava-se a orientar o comércio sobre a inadimplência de pessoas físicas e jurídicas, nos moldes da Serasa, empresa criada por bancos em 1968. Uma “falha”no sistema teria deixado os dados abertos ao público. Para acessá-los, bastava digitar o nome completo dos correntistas.

A informação dada por Yamamoto não era, porém, verdadeira. O site da Decidir.com, da forma como foi criado em Miami, tinha o seguinte aviso para potenciais clientes interessados em participar de negócios no Brasil: “encontre em nossa base de licitações a oportunidade certa para se tornar um fornecedor do Estado”. Era, por assim dizer, um balcão facilitador montado nos Estados Unidos que tinha como sócias a filha do então ministro da Saúde, titular de uma pasta recheada de pesadas licitações, e a irmã de um banqueiro que havia participado ativamente das privatizações do governo FHC.

A ação do Decidir.com é crime de quebra de sigilo fiscal. O uso do CCF do Banco Central é disciplinado pela Resolução 1.682 do Conselho Monetário Nacional, de 31 de janeiro de 1990, que proíbe divulgação de dados a terceiros. A divulgação das informações também é caracterizada como quebra de sigilo bancário pela Lei n˚ 4.595, de 1964. O Banco Central deveria ter instaurado um processo administrativo para averiguar os termos do convênio feito entre a Decidir.com e o Banco do Brasil, pois a empresa não era uma entidade de defesa do crédito, mas de promoção de concorrência. As duas também deveriam ter sido alvo de uma investigação da polícia federal, mas nada disso ocorreu. O ministro da Justiça de então era José Gregori, atual tesoureiro da campanha de Serra.

A inércia do Ministério da Justiça, no caso, pode ser explicada pelas circunstâncias políticas do período. A Polícia Federal era comandada por um tucano de carteirinha, o delgado Agílio Monteiro Filho, que chegou a se candidatar, sem sucesso, à Câmara dos Deputados em 2002, pelo PSDB. A vida de Serra e de outros integrantes do partido, entre os quais o presidente Fernando Henrique, estava razoavelmente bagunçada por conta de outra investigação, relativa ao caso do chamado Dossiê Cayman, uma papelada falsa, forjada por uma quadrilha de brasileiros em Miami, que insinuava a existência de uma conta tucana clandestina no Caribe para guardar dinheiro supostamente desviado das privatizações. Portanto, uma nova investigação a envolver Serra, ainda mais com a família de Dantas a reboque, seria politicamente um desastre para quem pretendia, no ano seguinte, se candidatar à Presidência. A morte súbita do caso, sem que nenhuma autoridade federal tivesse se animado a investigar a monumental quebra de sigilo bancário não chega a ser, por isso, um mistério insondável.

Além de Temer, apenas outro parlamentar, o ex-deputado bispo Wanderval, que pertencia ao PL de São Paulo, se interessou pelo assunto. Em fevereiro de 2001, ele encaminhou um requerimento de informações ao então ministro da Fazenda, Pedro Malan, no qual solicitava providências a respeito do vazamento de informações bancárias promovido pela Decidir.com. Fora da política desde 2006, o bispo não foi encontrado por CartaCapital para informar se houve resposta. Também procurada, a assessoria do Banco Central não deu qualquer informação oficial sobre as razões de o órgão não ter tomado medidas administrativas e judiciais quando soube da quebra de sigilo bancário.

Fundada em 5 de março de 2000, a Decidir.com foi registrada na Divisão de Corporações do estado da Flórida, com endereço em um prédio comercial da elegante Brickell Avenue, em Miami. Tratava-se da subsidiária americana de uma empresa de mesmo nome criada na Argentina, mas também com filiais no Chile (onde Verônica Serra nasceu, em 1969, quando o pai estava exilado), México, Venezuela e Brasil. A diretoria-executiva registrada em Miami era composta, além de Verônica Serra, por Verônica Dantas, do Oportunity, Brian Kim, do Citibank, e por mais três sócios da Decidir.com da Argentina, Guy Nevo, Esteban Nofal e Esteban Brenman. À época, o Citi era o grande fiador dos negócios de Dantas mundo afora. Segundo informação das autoridades dos Estados Unidos, a empresa fechou dois anos depois, em 5 de março de 2002. Manteve-se apenas em Buenos Aires, mas com um novo slogan: “com os nossos serviços você poderá concretizar negócios seguros, evitando riscos desnecessários”.

Quando se associou a Verônica D. Na Decidir.com, em 2000, Verônica S. era diretora para a América Latina da companhia de investimentos International Real Returns (IRR), de Nova York, que administrava uma carteira de negócios de 660 bilhões de dólares. Advogada formada pela Universidade de São Paulo, com pós-graduação em Harvard, nos EUA, Verônica S. Também se tornou conselheira de uma série de companhias dedicadas ao comércio digital na América Latina, entre elas a Patagon.com, Chinook.com, TokenZone.com, Gemelo.com, Edgix, BB2W, Latinarte.com, Movilogic e Endeavor Brasil. Entre 1997 e 1998, havia sido vice-presidente da Leucadia National Corporation, uma companhia de investimentos de 3 bilhões de dólares especializada nos mercados da América Latina, Ásia e Europa. Também foi funcionária do Goldman Sachs, em Nova York.

Verônica S. ainda era sócia do pai na ACP – Análise da Conjuntura Econômica e Perspectivas Ltda, fundada em 1993. A empresa funcionava em um escritório no bairro da Vila Madalena, em São Paulo, cujo proprietário era o cunhado do candidato tucano, Gregório Marin Preciado, ex-integrante do conselho de administração do Banco do Estado de São Paulo (Banespa), nomeado quando Serra era secretário de Planejamento do governo de São Paulo, em 1993. Preciado obteve uma redução de dívida no Banco do Brasil de 448 milhões de reais para irrisórios 4,1 milhões de reais no governo FHC, quando Ricardo Sérgio de Oliveira, ex-arrecadador de campanha de Serra, era diretor da área internacional do BB e articulava as privatizações.

Por coincidência, as relações de Verônica S. com a Decidir.com e a ACP fazem parte do livro Os Porões da Privataria, a ser lançado pelo jornalista Amaury Ribeiro Jr. Em 2011.

De acordo com o texto de Ribeiro Jr., a Decidir.com foi basicamente financiada, no Brasil, pelo Banco Opportunity com um capital de 5 milhões de dólares. Em seguida, transferiu-se, com o nome de Decidir International Limited, para o escritório do Ctco Building, em Road Town, Ilha de Tortola, nas Ilhas Virgens Britânicas, famoso paraíso fiscal no Caribe. De lá, afirma o jornalista, a Decidir.com internalizou 10 milhões de reais em ações da empresa no Brasil, que funcionava no escritório da própria Verônica S. A essas empresas deslocadas para vários lugares, mas sempre com o mesmo nome, o repórter apelida, no livro, de “empresas-camaleão”.

Oficialmente, Verônica S. e Verônica D. abandonaram a Decidir.com em março de 2001 por conta do chamado “estouro da bolha” da internet – iniciado um ano antes, em 2000, quando elas se associaram em Miami. A saída de ambas da sociedade coincide, porém, com a operação abafa que se seguiu à notícia sobre a quebra de sigilo bancário dos brasileiros pela companhia. Em julho de 2008, logo depois da Operação Satiagraha, a filha de Serra chegou a divulgar uma nota oficial para tentar descolar o seu nome da irmã de Dantas. “Não conheço Verônica Dantas, nem pessoalmente, nem de vista, nem por telefone, nem por e-mail”, anunciou.

Segundo ela, a irmã do banqueiro nunca participou de nenhuma reunião de conselho da Decidir.com. Os encontros mensais ocorriam, em geral, em Buenos Aires. Verônica Serra garantiu que a xará foi apenas “indicada”pelo Consórcio Citibank Venture Capital (CVC)/Opportunity como representante no conselho de administração da empresa fundada em Miami. Ela também negou ter sido sócia da Decidir.com, mas apenas “representante”da IRR na empresa. Mas os documentos oficiais a desmentem.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

‘Nosso Lar’, uma súplica espiritual


A câmera avança sobre as nuvens até chegar às portas de uma cidadela, depois desce chão adentro até encontrar o personagem principal, André Luiz, metido na lama de um mundo de purgação – é o Umbral. Lá, almas aparentemente confusas rememoram sem cessar suas dores e ficam aprisionadas nesse universo interior. O Umbral, descrito no filme, é quase como um mundo apocalíptico, sem água, comida, luz e mergulhado numa completa insanidade.

Assim, André Luiz começa a narrar sua história em off, desde criança até o momento em que morreu e acordou nesse mundo de trevas, onde mesmo depois de morto ainda sentia fome, medo, sede... A idéia por si só já é magnífica. É como se ouvíssemos do próprio Chico Xavier, não dá para dissociar as palavras de André Luiz com a profissão de fé de Chico, que os espíritos têm fome e sede. É como se ele dissesse: os espíritos (com certeza nem todos) mantêm um lado instintivo bem aguçado.

É desta forma que começa o filme ‘Nosso Lar’. Com transições de cenas sofisticadas, em flashbacks, vai sendo introduzida a história de André Luiz. Wagner Assis, o diretor, consegue condensar belamente toda a história do médico, um homem seco, descrente e um pai de família distante. A reconstituição de época é primorosa e realmente nos transporta para um Rio de Janeiro dos anos 20. André Luiz não é personificado como um homem mal, apenas inconsciente. Uma inconsciência construída numa vida abastada. O médico é bem sucedido, tem suas noitadas regadas a uísque e mulheres, mas também faz o bem, quando é dissuadido a isto. Não antes de demonstrar alguma resistência.


É bela uma passagem em que o médico olha para a família que se mostra feliz no jardim – os filhos, a esposa e os empregados – e o André Luiz do Umbral diz que as às vezes as trevas podem se esconder numa paisagem de uma família aparentemente feliz. É como se ele dissesse: tudo está bem na superfície, mas há algo que se esconde no interior de todos ali que torna falsa essa premissa de felicidade.

Essa visão, do pensamentos de André Luiz, deixa uma dúvida: seria o Umbral uma realidade concreta, ou apenas a descrição das trevas interiores do médico com seus tormentos e pecados? Talvez ali pulsem as imagens da mente de André Luiz, acima de tudo, antes de qualquer idéia de um pedaço concreto do mundo espiritual, talvez o Umbral seja apenas uma projeção da culpa.

André Luiz fica ali (no Umbral) um tempo incontável e só depois de proferir uma súplica, uma oração de perdão, ele consegue receber ajuda. Um homem desce para resgatá-lo. É o ministro da Regeneração, Clarêncio, que vem com Lísias e Tobias carregando uma maca. Eles acolhem André Luiz e o levam para a cidade hospital Nosso Lar. Na cidade o médico irá descobrir que foi parar no Umbral porque é considerado um suicida. Clarêncio lhe explica que os seus atos numa vida desregrada acabaram levando-o a somatização do câncer de estômago. “É o feito da ação e reação”, ele diz. Para o mundo espiritual ele poderia ter evitado a morte prematura.

Ainda que não se concorde com a idéia de que viver inconscientemente, mergulhado no orgulho, vaidade, raivas, prepotência, medos interiores, paixões e prazeres egóicos, pode levar ao surgimento de doenças e essas doenças seriam uma forma – inconsciente – de escapar desse mundo, a idéia é interessante, e assustadora.

Num outro momento André Luiz quer se comunicar com a Terra e para obter uma autorização vai até um dos ministérios – são 72 ministérios encravados numa estrela de seis pontas que é a própria cidade. Lá o atendimento é feito em duplas e antes de colocar sua questão ouve uma mulher com a mesma solicitação. O ministro Genésio, interpretado por Paulo Goulart, pergunta se a mulher tem algum bônus que possa apresentar como merecimento. Ela diz que não. André Luiz entende que é preciso merecer para alcançar algumas, digamos, graças.

Afinal, estamos falando da interseção entre encarnados e espíritos, é a graça divina vista por um outro ângulo. O médico entende que tem que trabalhar ajudando no mundo espiritual para conseguir a permissão, mas demora para perceber que não adianta trabalhar pelo propósito, mas sim ter o propósito do trabalho de doação, sem o objetivo da recompensa...o fim não justifica o meio.

No início, André Luiz percorre a cidade ciceroneado por Lísias, mas não espere para descobrir respostas do tipo: porque os espíritos ainda se alimentam? Como acontece a reencarnação? E que tipo de matéria é aquela que aparece no mundo espiritual? O foco é outro.

É possível ver que a idealização da cidade Nosso Lar é uma mistura de futurismo e sonho. Uma mistura de Shangri-la – aquela cidade do Horizonte Perdido onde ninguém envelhece, com a cidade de Padme Amidala, rainha do planeta Naboo, de Guerra nas Estrelas. A cidadela é quase a imagem de uma história de contos de fadas de reinos perfeitos. “A vida na Terra é uma cópia daqui”, diz Lísias em certo momento, revelando que o mundo espiritual adianta descobertas e uma ordem que ainda virá. Ao ouvir isso, não dá para não desejar que aquele mundo realmente desça do céu e essa sentença seja verdade, assim na terra como no céu...

Os efeitos especiais são convincentes. Mostram camas suspensas, energias que saem das mãos e do hálito dos espíritos, um ônibus que transita pelo espaço aéreo da cidade e materializações e desmaterializações de espíritos.

A trilha sonora de Phillip Glass é boa, sóbria, minimalista mesmo, como se Glass retornasse as origens do filme Koyaanisqatsi, sem o mesmo brilhantismo, é verdade. Apesar disso, a música casa completamente ao propósito do filme. Não se sobressai, mas embala a viagem. O elenco está correto. Sem grandes arroubos de interpretação – André Luiz é interpretado de forma comedida, às vezes até demais, pelo ator Renato Prieto.

Em relação ao roteiro, primeiro devo afirmar que não conheço a obra de Chico Xavier. Não sou espírita. Tenho apenas algumas noções sobre o espiritismo e, devo dizer, Wagner Assis acertou muito mais que errou ao dar explicações sobre as leis do lugar e as concepções espíritas. Faz parte da coerência interna do filme.

Com essa desculpa, alguns personagens assumem um tom professoral. Em alguns momentos fica um pouco forçado. Mas não é nada que realmente comprometa a obra. O filme também é um pouco arrastado, mas entendo que essa foi uma opção de Wagner Assis. É preciso tempo para entrar na atmosfera de Nosso Lar.

Outro aspecto criticado no filme é a menção a várias religiões na sala da governadoria. Além dessa menção, durante a cena da 2ª Guerra Mundial, há também a chegada de judeus ostentando a estrela de Davi no peito. Alguns entenderam isso como se o Espiritismo quisesse se sobressair sobre as demais religiões. Vou dizer o que entendi. O Espiritismo é, antes de ser uma religião, uma espécie de ciência que esclarece como é o mundo espiritual no plano da Terra. Um plano que não é católico, protestante, judeu, muçulmano ou espírita. Um plano espiritual que apenas é para todos. Sob esse aspecto, o ecumenismo é válido e salutar. Mas seria bom que a interpretação das várias religiões, e das crenças das pessoas a cerca das suas religiões, no plano astral, fosse melhor explicado no filme.

Bem, um lembrete: aquele que conseguir deixar de lado os defeitos e se deter mais nos feitos do diretor carioca pode ter uma experiência única: conforto. E até paz. O filme funciona como numa meditação.

Assistindo Nosso Lar lembrei-me de filmes como Manika, Paixão, Além da Vida, Um Visto Para o Céu, Noturno Indiano, Encontro Com Homens Notáveis, Muito Além do Jardim, A Última Tentação de Cristo, Kundun, K-Pax, O Fio da Navalha, Felicidade Não Se Compra, Jesus de Nazaré... tantos filmes que tratam de uma forma ou de outra sobre conceitos abstratos e ao mesmo tempo tão concretos sobre as relações humanas, nossos dissabores, dramas e redenções. Filmes que falam de uma relação sublime que vai além do mundo material e físico. Muito além da razão.

Para mim o mais importante em Nosso Lar é que ele faz uma súplica espiritual. E, por favor, não venham me dizer que um filme não pode defender uma idéia. Pode sim, vários cineastas já fizeram ou fazem isso. Nos entregam uma obra com uma idéia subjacente. A questão é o resultado, se é bom é cinema, se é ruim é propaganda. No caso de Nosso Lar, para mim é cinema num novo estágio: quase uma experiência sensorial. Podem chamar isso de auto-ajuda, eu chamo de cinema que não está preocupado em convencer, apenas em tocar.

Nosso Lar faz uma súplica: não se matem, porque viver uma vida sem sentido é o mesmo que cometer suicídio. Não se percam: porque o mundo material não é real. Não se aprisionem: todo prazer físico, mental e emocional é uma forma de aprendizado, mas também de laço, ou nó. Depende da evolução dessas relações. Fazia tempo que eu não via essa arte (o cinema) – que serve tanto ao ego - sendo usada para um propósito mais edificante. Não posso dizer que concordo com tudo, mas não posso deixar de ver a beleza no trabalho.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Uma crítica mordaz a Nosso Lar


Assisti ao filmes ‘Nosso Lar’, de Wagner Assis, neste domingo (05/09). Para vê-lo enfrentei uma fila imensa, uma sala de cinema apinhada e um lugar meio torto. Vi o filme quase de soslaio. Estava ansioso. Queria conferir o resultado, depois da entrevista que fiz com o diretor e de ter visto vários vídeos disponibilizados no youtube de bastidores das filmagens. Queria ver como estariam os efeitos visuais, confesso. Saí do cinema gratificado. Há alguns percalços, no longa, é verdade, mas no geral, o filme é bom.

Qual não foi minha surpresa ao ler as críticas publicada no portal UOL, na ilustrada da Folha e no Omelete: todas detonando o filme. A pior foi a do crítico Maurício Stycer do Uol.

Nosso Lar” é cinema falado. Passei boa parte da sessão tentando entender onde “Nosso Lar” gastou os seus recursos. Na cenografia de mau gosto? No roteiro verborrágico? Nos figurinos simplórios? No enorme elenco de poucas estrelas? Na trilha sonora (nada) original de Glass? Nos magros efeitos especiais? No conjunto de seus esforços, “Nosso Lar” não vai desapontar os espíritas e é capaz, no mínimo, de arregimentar simpatia para a causa. Mas não poderá nunca dizer que é cinema de qualidade.” Noutro momento Stycer diz que a cidade de Nosso Lar é digna de uma viagem lisérgica de Oscar Niemayer.

O Gustavo Fioratti, da Folha ilustrada começa afirmando que o longa tenta se igualar as superproduções dos cinemas hollywoodiano. “O problema é que todo o tratamento revela um produto para lá de kitsh e aposta num velho clichê de como deveria ser um mundo espiritual”. Fioratti chega ao cume de questionar porque os espíritos do filme não usam calça jeans com cortes mais modernos ou minissaia e pede um céu mais nublado e chuva no mundo espiritual. A Omelete foi mais comedida, mas também mandou bala.

Caros colegas jornalistas, creio que há sim uma má vontade da parte de vocês ao falarem tão mal do filme. E vejo aí uma má vontade por se tratar de um filme religioso, ou com propostas religiosas. Mas há uma ressalva, ao menos os críticos são coerentes nesse aspecto. Não é só Nosso Lar que é bombardeado, todo filme com um quê de boas intenções, menções esotéricas e ou religiosas recebem sua saraivada de balas...

Acho que as críticas foram para lá de mordazes, ferinas, porque nenhum dos críticos falou dos bons resultados do longa. Todos se concentraram em procurar defeitos. Tudo bem, em parte essa é a função do crítico e, infelizmente, na nossa sociedade, a ironia ferina faz muito sucesso. Mas devo frisar, não concordo com nenhum dos críticos acima, ainda que veja que eles podem ter alguma razão aqui ou acolá, mas não tão assintosamente.

Por isso, para quem quer ver o filme um lembrete: esqueça os críticos, as críticas e preste atenção à mensagem. Ela é mais importante... E se tiver vontade de reclamar tome um copo d´'agua...

E, olha, quero deixar claro aqui que não sou espírita.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

‘Nosso Lar’: entrevista com Wagner Assis


Estou postando aqui a entrevista com o diretor do Filme Nosso Lar, Wagner Assis, feita com exclusividade para a Revista NORDESTE de setembro.

O carioca Wagner Assis, de 39 anos, é o responsável por um feito do cinema nacional: O filme ‘Nosso Lar’. O filme, inspirado no livro ditado pelo espírito André Luiz e escrito por Chico Xavier há 60 anos, conta a história do próprio André Luiz, um dos guias espirituais de Chico, desde a morte, passando pelo Umbral – uma espécie de purgatório – até ser recebido na cidadela espiritual chamada Nosso Lar. Lá André Luiz irá entender muito do real propósito da vida na terra e o que significa de fato a morte. O livro é um clássico do espiritismo e um desafio monumental quando se pensa em transpô-lo para as telas: já que as locações se dão em maior parte num plano espiritual. A empreitada significaria investimento pesado em efeitos visuais. O filme, que já está em cartaz, lança luz sobre o mundo espiritual professado por Chico Xavier e Alan Kardec, hoje considerados ícones do espiritismo. Não é exagero dizer que a aventura de Wagner Assis impulsiona o cinema nacional para novas possibilidades: a aposta em nichos de mercados – no caso o filão espiritual – e numa produção alta para os padrões brasileiros. O filme custou cerca de R$ 20 milhões, boa parte do dinheiro conseguido entre os próprios espíritas e simpatizantes. Nosso Lar utiliza efeitos especiais convincentes, mas não fica só aí, tem no ‘staff’ de produção o fotógrafo Ueli Steiger , o suíço que fez a fotografia de O Dia Depois de Amanhã, Godzilla e Independence Day e ainda tem a trilha sonora escrita por Phillip Glass – o ex-minimalista responsável pela trilha de Koyaanisqatsi, Mishima, Kundun, O Show de Truman, As Horas e Notas de um Escândalo. Bem, foram necessários dez tratamentos de roteiro ao longo de três anos, uma equipe de mais de 1.500 figurantes, montar uma muralha de sete metros de altura e iluminar uma imensa pedreira no Rio de Janeiro para realizar o filme, que não tem estrelas globais. O resultado é um filme que empolga pelas possibilidades que levanta.

Você está percorrendo as cidades para fazer a divulgação do filme?
Estou percorrendo as cidades em relação ao lançamento, mas já fiz isso quando do próprio projeto em si. Desde o Congresso Espírita Brasileiro comecei uma maratona de percorrer grupos espíritas e espiritualistas, centro de estudos de religiões, escolas de cinema. Já são mais de 20 mil pessoas. Eu, a produtota Iafa Britz, o produtor executivo Luiz Augusto de Queiroz. A gente está fazendo São Paulo, Rio de Janeiro, Goiânia, Brasília, Fortaleza, Salvador e João Pessoa.

E é uma estratégia de marketing, investir em nichos específicos?
É uma estratégia. Na verdade uma estratégia que eu inventei. Não é uma estratégia pensada e elaborada não. Eu dizia: eu preciso ir nos lugares onde as pessoas gostam do livro. Onde estão os leitores do livro. Essas pessoas são os meus aliados para falar desse filme. Eles compartilham comigo dessa realidade.

O que te motivou a fazer esse filme?
Em 2005 eu tinha lançado o meu filme anterior ‘A Cartomante’, um filme baseado na obra de Machado de Assis, um conto. Eu adaptei, era o primeiro filme que eu estava dirigindo. Eu já tinha escrito outros tantos projetos para o cinema. Tinha sido contratado para escrever uma minissérie sobre Marechal Rondon, ‘Rondon, o Grande Chefe’, que vai ser produzida por Luiz Carlos Barreto. Mas quando é o seu próprio projeto você se questiona onde quer mergulhar. Esse é um livro que vive na minha prateleira e faz parte da minha vida desde os anos 80 quando eu li ele pela primeira vez. Li e fiquei muito impactado pela realidade que apresenta e pela credibilidade que ele trás a respeito de seu autor material que é o Chico Xavier e do autor espiritual, o André Luiz. Eu não questionava o Chico, nunca questionei e pensei: se isso é verdade, a vida muda. O paradigma da vida muda. O livro ficou na cabeceira. Então, em 2005, eu pensei qual o meu próximo mergulho? Eu quero fazer uma coisa que eu goste muito e eu gosto muito do ‘Nosso Lar’. Eu tinha dúvidas se era exeqüível. Fui na Federação Espírita Brasileira e apresentei uma proposta. Eu disse: acho que o mundo está maduro para ver uma proposta como essa. Eu achava,era pura suposição. Eu disse que gostaria de fazer o filme conduzido por dois critérios muito claros: primeiro, dar a história tudo que ela merece em termos técnicos e dramáticos para o cinema. Tentar encontrar o máximo de dinheiro possível, os melhores profissionais. Tentar fazê-la da melhor forma possível. Com credibilidade. O segundo norte era tirar da história o que ela tem de mais amplo e universal. Trazer para o cinema uma história que pudesse ser vista por quem leu o livro, por quem acredita, mas também, e porque não, por quem não leu e não acredita. Hoje o que a gente apresenta na tela é o exercício e o trabalho de uma história bem contada. E uma história que tem em sua essência coisas que estão presentes na doutrina espírita sim, mas além de tudo uma história sobre a condição humana que se passa no mundo espiritual.

Conta como foi que a Fox entrou na distribuição do filme e como foi construir esse mundo espiritual todo virtual?
A Fox na verdade foi a primeira distribuidora que eu fui. Eu acho que é uma temeridade você começar a filmar sem ter um distribuidor. Não aconselho isso para ninguém, já vivi essa experiência e sei que ela é errada, para quem almeja trabalhar com cinema em mercado. É quase como você plantar tomate e não ter o caminhão que vai levar e nem o mercado do tomate para vender. É preferível mudar de projeto ou adequá-lo a filmar uma história sem distribuição. A Fox foi a primeira. Eu sentei lá em 2006, logo depois que os direitos foram cedidos. Conversei com a Eliana Ribas, a coordenadora de projetos nacionais. Ela disse que já conhecia o livro. ‘Esse livro você vai fazer com a gente da forma que você quer, estamos juntos e vamos distribuir esse filme com você’, ela disse. Hoje me surpreende de uma maneira muito bacana com a forma como a Fox está trabalhando com o filme. São 400 cópias, é um super lançamento. Todas as capitais brasileiras vão ter o filme no dia 3 de setembro. Isso foi a percepção deles pela ansiedade do público com esse filme.


E os efeitos especiais, foram feitos no Canadá?

Exatamente. Os efeitos fazem parte dessa questão de tentar dar a história tudo que ela merece. Em determinado momento, olhando o roteiro a gente percebeu que não seria fácil executar e a gente precisava de muito apoio de efeito visual. Onde encontrar isso? Onde encontrar uma empresa que soubesse como lidar e trabalhar mais de 300 imagens sem que essas imagens fossem mais importantes que o filme, num prazo razoável, por conta dos investidores. Então, fomos a Los Angeles, Nova Iorque, Londres, Bancoc, eu quase não falei para as pessoas que até em Bancoc prospectamos empresas. E no Canadá encontramos a Intelligent Creatures (Criaturas Inteligentes). Essa empresa já fez desde filmes hollywoodianos como Watchmen, filmes de ação, até filmes de arte como A Fonte da Vida, Babel. Enfim, eles levaram para o Rio de Janeiro, um supervisor de efeitos visuais, desde a pré-produção, fomos descobrindo como fazer o filme, fomos aprendendo. Não é uma coisa completamente nova trabalhar com chroma key (tela azul), mas não era só isso, tinha também os fluidos que saem das mãos, do sopro. Os espíritos volitam, não se locomovem. A gente tinha que entender como fazer isso. Tem as maquiagens, os cenários, os fundos de cenário. O ambiente do Umbral passando para o Nosso Lar e tinha uma cidade que tínhamos que construir literalmente no computador. Uma cidade com topografia, rua calçada, poste, rio. Enfim, tudo isso foi um grande desafio.

Quem ficou a cargo da cenografia?
A pré-produção de verdade começa em novembro de 2008 quando entra a Lia Renha, diretora de arte e sua equipe de mais de dez cenógrafos arquitetos. E aí de repente a produtora virou um escritório de arquitetura, porque era planta baixa para tudo que é lado e prédio sendo projetado e a gente conceituando. Como são os prédios da área principal. Seriam mais futuristas para a época da história, que se passa nos anos 30. Então imaginamos que hoje, em 2010, a gente pode enxergar com a credibilidade da tecnologia que veio para o planeta, como seria a cidade na década de 30. Fizemos o caminho inverso. Ora, se os computadores foram inventados na década de 50, na década de 30 existiam telas iguais a computadores no mundo espiritual, partindo do conceito que o mundo espiritual é que antecede as coisas na terra. Isso está dito no livro, não estamos inventando, está na história. Ao mesmo tempo também tínhamos a área residencial. Entendemos que a área residencial não devia ser futurista, era uma projeção de quem tinha vivido no Rio de Janeiro nos anos 10, 20. Então a gente foi buscar uma área residencial décor, de casinhas coloridas, simbolizando a vida que foi recebida. Fica quase Kitsh, mas não é, é só um simbolismo. E tudo bem se ficar kitsh.

Como ficou o resultado final e toda essa reconstituição de época, já que o cinema brasileiro tem uma certa dificuldade com reconstituição?
Tínhamos uma licença bacana porque era uma época projetada num mundo espiritual. Então a gente pôde navegar para um lado e para o outro. Embora a gente tenha buscado um certo tipo de interpretação que não fosse completamente de época para não ficar empolado, mas que não perdesse o resquício daquele tempo. Então os ministros, os mentores, o governador, eles falam como os homens falavam nos anos 30 quando subiam nas tribunas. A gente tirou só o vocabulário, o vocabulário é o usado hoje. Figurino também seguiu a mesma coisa. Brincar de fazer efeito visual é uma brincadeira cara e maravilhosa e tem o limite: o dinheiro. Porque se não tiver esse limite a imaginação vai embora. Como a gente não é uma produção hollywoodiana, como algumas pessoas falam, tínhamos um limite e esse limite chegou no ponto em que a gente falou: está crível. Você acredita que esse cara está vivendo nessa cidade espiritual. Você acredita em tudo que está vendo. Então é aqui que a gente vai parar e entregar o pacote. Isso nove meses depois.

Onde você captou dinheiro para fazer o filme e quanto ele custou?
A captação tentou ser através da lei do audiovisual. Mas eu esbarrei muito em não quererem. Às vezes tinha diretor de empresa que era simpatizante com a doutrina, mas por algum motivo quando chegava na hora de fechar o contrato, não dava certo. Eu fiquei do início de 2006, até o inicio de 2008 batendo na porta, com contratos que eram feitos e desfeitos. Através dos benefícios da lei. Aí eu comecei a buscar o outro lado. É um livro importante, mais de 60 anos de vida, mais de 12 milhões de leitores, mais de 2 milhões de exemplares vendidos. Existe uma credibilidade muito grande. É um país que gosta do tema, cujos filmes norte-americanos que lidam com esse tema são sucesso de bilheteria. As novelas, o próprio Renato Prieto (ator principal) tem um projeto de teatro e vive desse projeto com temática espírita. Aí eu fui procurar investimento direto. Encontrei no Banco BRJ o meu primeiro apoio e aí a gente foi encontrando um pequeno grupo de pessoas jurídicas e físicas que resolveram topar o processo.

Todos espíritas?
Um deles nem conhecia o livro. Só tinha ouvido falar de Chico Xavier. Mas gosta de cinema, gosta da arte como forma de expressão em massa e que fale com as pessoas da forma bacana. A gente foi fechando os acordos. Eles têm toda a prioridade de retorno. Praticamente todo o lucro é para retornar para o projeto. Existe um fundo de cinema criado, aí sim um fundo de cinema espiritualista do Banco BRJ, que foi criado para poder fomentar as próximas produções. Esses investidores querem lucrar. Oficialmente não estamos divulgando os valores do filme. Mas é um orçamento bem caro para os padrões brasileiros e um orçamento de um filme médio americano. É óbvio que o Nosso Lar vai virar um ‘case’, o que acontecer agora do dia 3 de setembro em diante vai motivar outros investidores e profissionais a arriscarem um pouco mais nesse tipo de trabalho, esperando que tudo seja um sucesso, que dê certo.

Como foi trabalhar com mais de 1.500 figurantes, você não ficou com medo?
Nenhum medo. Cinema é um grande show. Eu costumo dizer que simples, fácil e rápido em cinema não existem. Isso me assusta às vezes. Não tem rapidinho. Tem uma iluminação mega. Então eu tinha do meu lado Ueli Steiger, diretor de fotografia de Hollywood, esse sim é de Hollywood, o cara fez ‘Um Dia Depois de Amanhã’, ‘Godzila’, ‘10.000 A.C’, um pouco de ‘Independence Day’. Ele trabalha com mega dimensões. A gente ilumina o umbral que é uma pedreira no Rio de Janeiro. Tinha mais de 8 mil metros de cabos. Super caixas de luz construídas em três super guindastes. Quando eu cheguei e olhei, falei: Nossa o que é que é isso! Ele não tem problema em colocar cinco geradores e 300 holofotes num ambiente. Isso dá diferença. Isso é típico de quem sabe contar uma história com todos os seus requisitos. Tinha a produtora Iafa Britz. Ela saiu da empresa dela, a Total Entertainment, onde produziu ‘Se eu Fosse Você I e II’, ‘Divã’, uma comédia também com uma bilheteria enorme. ‘Primo Basilio’, onde ela fez 20 filmes nos últimos dez anos. Ela sai dessa empresa, literalmente, e vem fazer Nosso Lar com a gente porque se apaixonou pela história. Então, é alguém que está acostumada com um modo de operação muito produtivo, entre o rápido e o competente. Estava do meu lado o tempo todo. Quando eu falo para ela que eu gostaria de ter o Phillip Glass fazendo a trilha sonora, ela dá 10, 20 telefonemas e diz: estou mandando a história para você. O cara lê e diz: eu vou fazer a trilha desse filme. Então, você está com pessoas assim, você tem momentos de ansiedade, de receio, são escolhas dramáticas. Tem dias que as coisas não vão tão bem. Mas eu confiava muito nas pessoas que estavam comigo.


Daniel filho falou de alguns acontecimentos durante as filmagens de Chico Xavier, eu gostaria de saber se houve algum acontecimento digno de nota, algum ritual?

Houve certamente, mas a gente não está contando esse tipo de coisa. Essa é a única coisa que eu me permito não falar publicamente. Se eu falar sobre isso, estou tirando a atenção do que é mais importante que é a história. Mas quando junta 1500 pessoas num set as pessoas dizem que vêem coisas. Você começa a associar qualquer coisa. Um dia eu falei: ah, bem que podia voar uma borboleta nesse momento; Aí voava uma borboleta e as pessoas ficavam surpresas. Mas tinha 200 borboletas no local. Ela está no filme, é uma borboleta linda que entra com eles pela cidade. Não é digital, é verdade. E eu tinha acabado de pedir uma borboleta para entrar em cena com eles. Mas isso não pode virar uma questão mais importante. Me lembra o século 19 onde as pessoas iam nos salões para ver mesas girantes. A gente não está mais nesse tempo. A gente está no tempo de pensar a condição humana.

Qual o próximo projeto?
Se as pessoas forem ao cinema (risos) se tudo der certo, a gente tem o direito de filmar ‘Os Mensageiros’, que é o livro seguinte. Na verdade a gente tem um projeto de várias histórias. Eu tenho também o direito de um livro que a gente comprou nos EUA, sobre a vida das Irmãs Fox, que são as precursoras do espiritualismo. As duas mulheres mais famosas da América no século XIX, extremamente incompreendidas no Brasil. Uma autora americana fez uma biografia inacreditável que é um painel da sociedade americana. Uma sociedade completamente diferente da sociedade de hoje. Uma sociedade que tinha fé, que queria acreditar, que ia buscar respostas, que queria juntar ciência e tecnologia com espiritualidade. Essa sociedade se perdeu de repente. A gente vai fazer esse trabalho também. Esse projeto é meu e da Iafa Britz, a produtora. A gente tem os direitos e estamos negociando.

Você se emocionou fazendo o filme?
Na verdade eu continuo me emocionando. Eu falo desse projeto e vejo as pessoas chorando. Ou elas estão chorando porque não estão gostando do que eu estou falando, ou estão emocionadas. Eu acho que a emoção está presente no filme e na forma de construir o filme. Está mais do que na hora da gente botar nossos sentimentos para fora, parar de esconder e mascarar as nossas fraquezas. O André Luiz foi tão corajoso. Ele volta do mundo espiritual e narra a história dele dizendo que foi um cara que errou a ponto de ser chamado de suicida inconsciente. Isso é de uma coragem que hoje em dia as pessoas ainda não têm. Aquilo lá é muito moderno. Você botar tuas entranhas para fora e dizer errei, errei mesmo, mas tem mecanismos de você concertar o seu erro, quer dizer, não estou condenado eternamente. Isso é muito bacana.

Qual foi o seu principal objetivo ao fazer esse filme?
Contar uma história. Levar para tela uma história com qualidade. É pretensioso quando você quer fazer um filme para mudar alguém. Um filme não é isso. O filme é uma história. Eu sou adepto da teoria que tem no cinema americano e isso é maravilhoso: a história é o rei do cinema. As pessoas vão ao cinema para ver uma história. Você quer ver e se reconhecer na tela, e isso é o que me apaixona no cinema também. E a gente só quis contar uma história, nenhuma pretensão de mudar nada. A gente não afirma verdades, o filme não é um documentário.. O filme é um simbolismo de uma história. A gente não está doutrinando ninguém, não está sendo proselitista. A gente está contando essa história, porém essa história é poderosa e ela faz o trabalho.

Se você pudesse definir, em poucas palavras, o que é ‘Nosso Lar’?
O filme? Eu hoje só me atrevo a falar o filme, acho que sobre o Nosso Lar livro já foi dito muito e a única pessoa que podia falar dele é o Chico Xavier. Eu me circunscrevo ao mundinho do filme. Acho que o filme Nosso Lar é um desafio técnico, artístico e espiritual, em todos os sentidos. O filme está pronto, mas não está completo, quem vai escrever o último capítulo desse filme é o público. Espero que o final seja feliz, vamos ver.