segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Dilma a ‘mãe’, Lula o ‘pai’: uma peça publicitária irretocável


O PT resolveu investir pesado na campanha eleitoral para presidente e construiu um programa eleitoral que cria um fosso abismal em relação aos outros candidatos. Contando, principalmente, com Lula como cabo eleitoral. Diga-se, um cabo eleitoral excepcional. Não sou fã de José Serra, mas dá pena vê-lo se perder em meio ao que parece cada vez mais ser uma vitória acachapante do PT. Lula queria uma eleição plebiscitária e conseguiu, já que a grande maioria não está votando em Dilma de fato, mas na continuidade da era Lula.

O programa investe numa imagem de Dilma mãe. Há algo de casto, de sacrificado e de compassivo na imagem da mãe. O exemplo maior é mesmo Maria, mãe de Jesus. É nela em que todas se espelham. São mulheres que dão outra tonalidade a vida dos maridos, filhos, ou da instituição. As ‘mães’ do povo já encarnaram a pele de argentinas (Evita Peron) e inglesas (Elizabeth).

Mas há também a imagem da mãe que ganha consciência a partir dos olhos do filho, ou de um homem a quem professam seu amor. A utilização desse esquema não é novo e encontra eco, porque trata exatamente de uma idéia santificada. Lula é o pai, Dilma é a mãe, e o povo, o filho, que tanto precisa ser redimido e salvo em sua miséria.

É emblemática a peça publicitária em que Dilma surge no Chuí e Lula no Oiapoque. Os dois entabulam um conversa virtual sobre o Brasil. Neste programa – o primeiro que foi exibido à noite – é ressaltado o nacionalismo ufano. Em meio a imagens de estradas, que dão a idéia de continuidade e futuro, as biografias de Lula e Dilma são unificadas, como se houvesse algo de predestinado. Dilma percorre o país indo de norte a sul, numa alusão de como as obras do governo estão espalhadas e atingem a todos e de como ela (Dilma) sabe e acompanha esses projetos.

A peça encerra com Lula no Palácio do Planalto, lembrando de sua chegada à presidência. Aí começa uma música cujo tema central é ‘deixo em tuas mãos o meu povo’. É a coroação da peça de marketing político que faz a construção de um mito, diga-se extremamente arriscado por suas várias conotações religiosas e nacionalistas, quase messiânicas. A sensação é um misto de emoção, de crença, quase uma experiência de fé. Arrebatador. Quando terminou o programa eu estava com os olhos marejados e, meio hipnotizado, tinha uma certeza: Dilma irá ganhar no primeiro turno.

Definitivamente o programa maquia Dilma e a mostra mais doce – algo parecido aconteceu nas eleições de 2002, quando Lula foi reapresentado ao povo com uma imagem mais conciliadora – era o Lulinha paz e amor, com frases como: a esperança venceu o medo. Mas o sindicalista pegou daí e expandiu mais uma característica que ele já tinha. Se Dilma também tem essa característica maternal e amorosa e a campanha apenas ampliou isso, não sei dizer.

Mas é claro que a ex-ministra tem sido orientada a sair pela tangente e evitar respostas que possam gerar algum tipo de conflito ou embaraço. Talvez por isso seu discurso pareça algo entrecortado e, às vezes, difícil de entender. O papel de doce mãe não é fácil de carregar, a ex-ministra já demonstrou ter uma característica mais forte, até ríspida, às vezes. Basta ver que nas entrevistas e debates Dilma se saiu melhor quando foi espontânea e deixou fluir seu lado brucutu. Noutros momentos ela pareceu difusa.

Mas não há dúvida, estamos vendo o nascimento do mito na campanha da ex-ministra Dilma Rousseff. No entanto, Dilma é futuro, não dá para falar agora no que ela vai se tornar, até porque a mineira é uma incógnita.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

O enigma delicioso do filme ‘A Origem’


O cineasta britânico Christopher Nolan (Amnésia, Insônia, Batman Begins, O Grande Truque, O Cavaleiro das Trevas) parece ser um homem em busca de respostas sobre o sentido e a origem da vida. Seus filmes vão fundo em questionamentos sobre o porquê e o quê move o homem. No seu mais novo longa, A Origem (Inception), Nolan radicaliza e investe num nicho percorrido por Blade Runner e Matrix, só para ficar na seara das ficções científicas: onde está a realidade?

Em ‘A Origem’ somos apresentados a Dom Cobb (Leonardo DiCaprio). Um ladrão sofisticado. Cobb é um ladrão que usa técnicas que parecem vir do futuro, mas o cotidiano em que ele vive não é um futuro de carros voadores ou naves espaciais, é o presente como nós o conhecemos. Ele rouba segredos de grandes magnatas enquanto estão dormindo, para isso usa uma máquina que faz com que o sonho seja compartilhado, só que apenas a vítima está inconsciente na história. A habilidade o torna um jogador no universo de espionagem internacional, ao mesmo tempo em que fugitivo no seu próprio país.

Sem poder voltar aos EUA, Cobb resolve aceitar uma empreitada encomendada por Saito (Ken Watanabe), magnata de indústria de energia. Saito quer que Cobb implante uma idéia na cabeça de Robert Fischer (Cillian Murphy) – que em breve se tornará o único herdeiro de um grande conglomerado. Fischer deve vender suas empresas, desmembrando-as, para que elas não venham a monopolizador todo o mercado de energia no planeta.

A recompensa para Cobb: retornar com segurança aos EUA. E o perigo: é preciso entrar o mais fundo possível no inconsciente para inserir a idéia. Todavia, quanto mais fundo no inconsciente, mais vulnerável os invasores ficam aos ataques do cérebro.

Para alcançar os níveis mais profundos do inconsciente os ladrões entram no sonho da vítima e o induzem a dormir dentro do sonho, construindo um sonho dentro do sonho, criando um labirinto em espiral que leva a vítima cada vez mais para dentro de níveis obscuros da consciência, para que ela passe a acreditar que a idéia nasceu dela mesma.

Contudo, há um problema que Cobb esconde de seus parceiros: ele está perdendo o controle sobre o jogo – toda vez que está dentro dos sonhos, ele recebe a visita da esposa falecida (Marion Cotillard) que tenta sabotar suas missões.

Com esses dados em mãos vamos sendo inseridos no universo de Dom Cobb e sua equipe, que aos poucos vai se acercando de Robert Fischer e montando como deve ser o sonho para que a inserção da idéia tenha sucesso.

Sem contar pontos cruciais da ficção, posso dizer que as cenas de lutas são simplesmente eletrizantes. Quando Arthur (Joseph Gordon-Levitt) luta com os ‘seguranças’ e o cenário gira, é memorável. O filme é eletrizante, com altas doses de tensão. O espectador deve ter atenção máxima, para entender como se dá o jogo, que em paralelo, expõe os conflitos existenciais de Dom Cobb, que se martiriza de culpa. Esses conflitos sim o tema central do longa.

Há também momentos engraçados, principalmente vividos por Arthur (Joseph Gordon-Levitt) e Eames (Tom Hardy, o novo Mad Max). Eames estipula desde o início um certo ar homoerótico ao seu personagem, um espécie de escroque, um vigarista, que cresce toda vez que está próximo a Arthur, como se inflasse. Em certo momento ele fala para o rapaz: ‘não tenha medo de sonhar com uma arma maior’. É interessante ver a tensão sexual entre os dois.

Há um dado que deve ser sublinhado. Ao entrar no mundo dos sonhos, o viajante deve carregar um objeto, chamado de totem. No caso de Cobb o totem é um peão de metal - o totem era da esposa, mas ele acaba tomando-o para si, após a morte dela. Para o ladrão, a única forma de saber que não está dormindo é ver o totem girar e cair quando está no mundo real, já que a gravidade é diferente no mundo do sonho.


Quem não assistiu ao filme é melhor parar por aqui


Bem, vamos ao que interessa. Dom Cobb carrega uma culpa que é crucial para entender a química interna do filme e as propostas levantadas por Nolan. Há algum tempo, Cobb fazia experiências com o mundo dos sonhos. Numa dessas experiências, ele e a esposa mergulharam no nível mais profundo – segundo o filme, à medida que entramos no mundo dos sonhos o tempo vai se dilatando, assim uma hora dormindo no nível quatro (o mais profundo) equivaleria a anos.

Eles chegam lá, num mundo onde podem construir o que bem entendem e assim vivem até envelhecer. Contudo, Cobb deseja retornar, enquanto ela prefere ficar. A esposa de Cobb descobriu algo que guarda como um segredo dentro de um cofre. Querendo retornar, Cobb abre o cofre – na cena vemos dentro do cofre apenas o peão deitado, o totem da esposa. Ele retira o peão e coloca no lugar uma idéia: Tudo é um sonho.

Após implantar essa idéia, Cobb consegue convencer a esposa a acordar. Para acordar só há uma forma, é preciso morrer naquele mundo. Ao retornar, a esposa acredita que o mundo em que vive também é irreal e seguindo a mesma lógica em busca de acordar, ela se suicida.

O filme remete a algumas discussões. A mulher que sabota a incursões de Cobb, travestida de esposa, não seria a imagem da alma, que volta e meia tenta lembrar ao seu par suas promessas? Não é segredo que a imagem do feminino dentro da psique é normalmente associada à alma. No caso, a esposa/alma lembra a Cobb suas juras: que ficaria com ela, que voltaria e que a maior das realidades está ali, no mais profundo do seu ser. Cobb se martiriza, querendo segui-la, mas está preocupado demais com um mundo de traições, intrigas e preocupações cotidianas. Mas também se auto-sabota para que faça o que acredita. Notem, no fundo Cobb acredita que há uma ação correta e tenta ir nessa direção ao permitir o conflito interior.

Outro ponto, não devemos esquecer que Nolan afirma que a esposa de Cobb descobriu um segredo, mas o segredo não é revelado, salvo quando Cobb retorna ao ‘mar do inconsciente’ para resgatar Saito. Sentado na frente do japonês, enquanto entabula uma conversa, Cobb vê o totem em forma de peão girar. A conversa continua, mas não vemos mais o totem, apenas a expressão de Cobb que vai ficando surpreso, enquanto continua a falar. Está, talvez seja a grande tirada de Nolan. Não sabemos o que Cobb vê, que lhe causa tamanha surpresa.

O filme termina com Cobb retornando aos EUA. Ele entra em casa, põe o totem para girar na mesa e vai ter com os filhos, enquanto a câmera fecha no objeto que gira sem parar. Assim, Nolan deixa várias dúvidas no ar. É possível que o espanto de Cobb enquanto conversava com Saito tenha sido ver o totem cair. É possível que o ‘mundo real’ seja agora um sonho para Cobb, ele na verdade não retornou. E é possível que tanto o inconsciente quanto o ‘mundo real’ sejam reais. Ou ainda, talvez a única realidade esteja no inconsciente, como sempre insistiu a esposa de Cobb.

Nolan construiu um filme forte, que fica na cabeça, mesmo passado muito tempo depois de deixar o cinema. Digno das imagens simbólicas do próprio inconsciente. Como o labirinto...

O filme é um jogo intricado, cheio de ação e divertimento, mas com um intuito de mexer com arquétipos e símbolos dos sonhos. É uma viajem e tanto!

Tudo isso regado a música Je Ne Regrette Rien (Eu não me arrependo de nada), que nos remete a Marion Cotillard interpretando Edit Piaf. Mas mais que isso, a música faz um pergunta dentro do filme, muito mais que uma afirmação. Qual o sentido da vida?

Quero apenas deixar claro que a idéia que tudo é um sonho está fortemente presente nas filosofias orientais e filmes como Matrix e Avatar beberam dessa fonte. A idéia também está presente na Kabalah. Segundo a Kabalah, vemos apenas 1% da realidade, o restante está oculto da nossa percepção e que é filtrada através dos cinco sentidos.

Outra coisa, os Antigos Egípcios (assim como os Hindus) diziam que todos nós estamos dormindo e sonhando com esta realidade, um sonho que é projetado pela alma. Juntando isso as idéias da Kabalah, que diz que a alma está, ou se comunica, através do inconsciente, é um passo para concluir que talvez a única realidade esteja mesmo onde esta consciência habita (ou dorme?). Assim, no final das contas, tanto a esposa quanto Cobb estavam com a razão ao afirmarem que o inconsciente é a única realidade e (a crença inicial exposta pela esposa), ao mesmo tempo, tudo é um sonho (a idéia que Cobb 'planta' na idéia da esposa)...

Mas voltando para a música (Eu não me arrependo de nada) que surge distante nas cenas do filme, como um recado longícuo dos sonhos. E você, olhando para trás, será que dá para dizer que não se arrepende? Ou é melhor se arrepender agora e mudar o curso desse rio, dessas águas, desse mar do inconsciente?...

Na Paraíba: Chumbo grosso, Maranhão começa a bater em RC


A campanha começa a ganhar tintas bem definidas e não é amarela a cor, muito menos azul. Os tons giram entre o vermelho e o laranja. Devo dizer que a maiores novidades desta eleição estão nos guias eleitorais, ainda que os guias do governador José Maranhão (PMDB) e de Ricardo Coutinho (PSB) esteja bons, mas lembrem em demasia uma campanha publicitária, o embate travado entre os dois nestes programas é visível e interessante.

Recapitulemos. O guia eleitoral do governador começou colando a imagem de Zé Maranhão no presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O governador avançava em céu de brigadeiro, com vento a favor e pesquisas também. A identificação com Lula e Dilma era o melhor dos cenários. No Nordeste todos os candidatos querem tirar uma lasquinha na popularidade do presidente e viajar no cometa desse fenômeno eleitoral que está sendo a transferência de votos para a ex-ministra da Casa Civil. Até aí o obvio. Mas o governador também adotou um programa mais informal, o que é um ganho em relação à eleição passada, cujo o programa era muito quadrado.

Ricardo Coutinho tinha que se mostrar ao eleitorado paraibano e começou exatamente fazendo isso, mostrando obras e mais obras e falando de sua biografia. O programa passou a adotar um formato simples: o candidato fala num primeiro bloco e no seguinte são mostradas obras que foram feitas em João Pessoa. Além disso, em inserções durante o dia, o próprio RC volta à carga comentando cada obra que fez na Capital. O seu guia aposta na figura e no carisma do socialista e chega até a exagerar essa premissa, é como se dissesse: eu sou o peixe que deve ser vendido e nada melhor do que eu mesmo para me vender. O programa investe numa imagem de austeridade e sinceridade de Coutinho.

Todavia, desde o debate na TV Clube, houve uma virada no Guia Eleitoral.

Primeiro, com a já famosa intervenção do ex-governador Cássio Cunha Lima (PSDB) junto a Maranhão antes do debate. Acho que todos sabem... Cássio chegou próximo a Maranhão e pediu – num momento de certa tensão – que o governador o deixasse em paz e ameaçou atacá-lo nos 40 dias de campanha que tinha pela frente. Maranhão devolveu dizendo que também teria 40 dias de campanha. Isso quer dizer: os ataques não ficariam barato. Briga de cachorro grande, como diz um conhecido meu. Depois desse encontro nada agradável, durante o debate, RC ainda colocou em dúvida se Maranhão realmente teria votado em Lula em 94 e 98. Pronto, poucos dias depois o guia do governador sofreu uma virada.

Primeiro apareceu Lula – e o governador não cansa de repetir a gravação – dizendo que os dois (Lula e Maranhão) são companheiros de longa data, desde as diretas já. Depois o guia começou a percorrer as obras que Ricardo fez em João Pessoa mostrando algumas situações delicadas. Um posto de saúde cujo atendimento é precário no bairro do Geisel e o Mercado Público do centro da cidade cuja obra não foi finalizada e onde os feirantes foram chamados a pagar seus boxes. Diferente do que aconteceu em Campina Grande.

O ‘Mago’ investe no twitter, na internet e apela para militância. No último programa ele justificou porquê da aliança com Cássio e Efraim – todos que falam comigo dizem que a única justificativa que ele deu foi o tempo no horário político eleitoral. Maldade, gente. Ele diz mais coisas. Coutinho também apela, literalmente, dizendo que merece uma chance de governar a Paraíba. Até o momento o guia do ‘Mago’ manda apenas recados quase subliminares como resposta ao governador Maranhão. Bem, é verdade que RC disse ‘nós temos aqui na Paraíba um inimigo muito poderoso’.

Já o governador retorna no seu quarto guia retornando com Lula, e traz também Veneziano, mostrando que a relação com o presidente e com o campinense estão boas e devem ficar cada vez melhores. O guia de Maranhão acaba assumindo uma resposta ao guia de RC, ao afirmar ‘Zé fez, Zé faz, Zé vai fazer muito mais’ ou uma tirada como ‘Não troque o certo pelo duvidoso’. Não dá para não ligar com o slogan do ‘Mago’: ‘Foi Ricardo que fez. É Ricardo que sabe fazer’.

Bem, em meio a tudo isso dá para tirar duas conclusões: primeiro RC parece que tem dificuldades financeiras na campanha. Até agora foram apenas três programas eleitorais na TV (para cinco dias de campanha gratuita no rádio e na TV), contra quatro de Maranhão, o quinto do governador deve ser lançado na noite desta quarta-feira, 25.

Outro ponto que não dá para descartar: o governador não está brincando em serviço. Ou quer dar de vez as cacetadas para liquidar a fatura o mais rápido possível e levar a eleição no primeiro turno tranqüilo ou tem identificado (ou teme) algum crescimento do ‘Mago’ depois do debate e do guia.

Outra conclusão: até agora o ex-governador Cássio e o senador Efraim Morais não têm conseguido transferir todos os seus votos para o prefeito de João Pessoa e além disso, a capital está dividida. Pelo menos até antes do guia, essa divisão dava mais respaldo a Maranhão do que a RC. Cássio e Efraim parecem ocupados (e enrolados) demais com os próprios revezes das suas campanhas.

É esperar e ver. Mas até o momento, a continuar assim, com uma campanha nas ruas morna e um guia quente e tomando como certas as pesquisas eleitorais, vamos ter mais quatro anos com Maranhão e se brincar o peemedebista vai dar de lavada no 'Mago'.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Enquanto isso na Paraíba: Um debate chato e um Guia eleitoral interessante...


Vi o debate de ontem (quinta-feira, 19/08) à noite na Band. Para mim Ricardo Coutinho se saiu melhor, foi mais claro, incisivo e soube aproveitar as deixas que lhe deram, mas há pelo menos uma ressalva. A pergunta capciosa feita ao governador José Maranhão (PMDB) se ele tinha votado em Lula (PT) em 1994 e 1998. Coutinho afirmou que Maranhão votou em FHC. No final ficou a palavra de um contra a do outro e foi deselegante. Alguns afirmam que RC fez isso para desestabilizar o governador...

Apesar de eu dizer que RC foi melhor, vale um complemento: o governador melhorou muito desde a última campanha. É preciso lembrar que o homem tem 73 anos – completará 74 em setembro – e seu esforço para seguir o ritmo ágil da TV e de um debate são memoráveis. Ele conseguiu passar integridade e conseguiu pontos ao se mostrar ferido em sua honra, sem perder as estribeiras com a insinuação de Ricardo sobre 94 e 98.

Mas o ponto excruciante do debate foi à presença dos nanicos. Num programa que começou tarde, às 22h, e terminou perto de 1h da madrugada, ouvir replicas e tréplicas de candidatos que tentavam vender seu peixe, quando sabemos que eles não têm nem 1% das intenções de voto, cansou. Tá, podem me chamar de antidemocrático e dizer que foi bom dar o espaço aos pequenos e deixar que eles expusessem suas idéias. É verdade, mas também deveríamos ter mais tempo para ouvir os dois candidatos principais.

Os quatro candidatos de esquerda – extrema esquerda, diga-se – do PCO, PSTU, PCB e PSOL bateram sem parar em Ricardo Coutinho e em Maranhão. Vale a ressalva: Ricardo apanhou sensivelmente mais que o governador, o que pode ter ajudado a Maranhão. Afinal os nanicos estavam fazendo o confronto direto. Mas senti falta de um direito de resposta, tanto para Maranhão quanto para RC. Fica a impressão que o nível poderia ter sido um pouco melhor e menos engessado. Espero que o próximo seja menos chato.


O Guia Eleitoral

Sei que a maioria não vê Guia Eleitoral, também sou assim. Prefiro passar batido. Mas esse ano fiquei ansioso para ver como os candidatos se portariam e quais seriam suas estratégias na telinha. Por isso, lá fui eu.

Consegui ver todos. Achei os dois programas dos candidatos a governador excelentes. O governador investiu numa abordagem mais próxima, falando diretamente para o eleitor, a imagem é diferente da que ele utilizou no programa de 2006, onde ele surgia mais sério e num ambiente de escritório. Agora Maranhão surge em casa dizendo porque quer mais quatro anos a frente do governo da Paraíba e explicitando a amizade com Lula.

Por sinal o quesito Lula foi explorado com maestria pelo governador. Uma inserção mostra a foto do presidente, que vai abrindo até mostrar Maranhão ao lado dele, com o seguinte off: este homem é um sertanejo, sempre esteve num único partido, é um homem simples e por isso sempre preferiu ser chamado pelo apelido: Zé. Bola dentro para o governador.

No programa da Noite Maranhão centrou fogo em Cássio quando começou reprisando notícia da Globo com William Bonner e Alexandre Garcia falando da cassação. Outro acerto. É uma forma de atacar Ricardo por tabela e também detonar o ex-governador abrindo caminho para os seus candidatos ao Senado.

Ricardo começou se apresentando, também adotou um modelo informal, um pouco diferente do utilizado na campanha de 2008, mas igualmente eficaz, se bem que menos estiloso. Ele mesmo conta sua história, enquanto surgem na tela fotos de sua trajetória. O ex-prefeito também explica porque quer ser eleito: porque fez por João Pessoa e quer fazer pelo resto do estado.

O ‘Mago’ também cita Lula em mais de uma vez. Depois o programa se detém nas realizações da prefeitura na Capital. Enche os olhos todas as realizações postas num só bloco. O discurso toma metade do programa.


Para o Senado
– O primeiro programa dos senadores mostrou que Efraim Morais (DEM) vem com força na televisão. Foi o melhor programa, com uma introdução da biografia dada por pessoas simples e de uma forma tão natural que não parecia orquestrada por uma direção. O senador também ganha pontos ao informar que ele fez passar uma lei criando o 130 para o Bolsa Família.

Em segundo lugar, para mim, esteve o programa de Wilson Santiago (PMDB). Apesar do estilo meio pomposo, Santiago foi direto ao mostrar que ele é contra Cássio e Efraim e ao colocar o dedo na ferida ao frisar que o senador do DEM ‘combateu o governo de Lula’.

Vitalzinho (PMDB) também se saiu bem, mas sua estratégia de não bater deixou o candidato em aberto. Começou com uma música triunfalista. Depois um narrador discorreu sobre a biografia. Mostrou-se até dentro de uma igreja para mostrar que tem fé. O programa de Vitalzinho tem a cara dele, alegre e até meio cômico. Quem conhece o candidato sabe que ele sempre parece que tem um sorriso no canto da boca. O estilo mais popular também caiu bem.

O ponto negativo foi o guia de Cássio da tarde. O ex-governador nem chegou a falar o seu tempo foi tomado por uma música e cenas dele com populares. O programa de Cássio só mudou à noite quando o tucano usou todo o seu tempo para falar. Atacou o governador Maranhão, falou da cassação, num frente a frente emocionado e forte. Disse com todas as letras que está do lado de Ricardo Coutinho e pediu voto.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

No Jornal Nacional: Serra foi mais meigo que Marina


Acabei de assistir (vi em vídeo, confesso) as entrevistas de Dilma Rousseff (PT), Marina Silva (PV) e José Serra (PSDB) no Jornal Nacional. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) criticou a falta de “gentileza” de William Bonner na entrevista com Dilma Rousseff. Para mim procede, mas contabilizo isso mais ao nervosismo inicial dos dois e ao temperamento tanto de Dilma quanto de Bonner, os dois sim esquentadinhos. Bonner ficou visivelmente irritado.

Mas acho que a candidata do PT saiu-se bem e soube se colocar como candidata de Lula sem se mostrar uma marionete nas mãos do petista. Admitiu que o PT não tinha experiência antes de ser governo e por isso criticava as alianças do PSDB com o DEM, o que justifica hoje suas alianças amplas com figuras tão díspares como José Sarney (PMDB) e Fernando Collor (PTB), só para ficar nas figurinhas carimbadas do nordeste, ambos ex-presidentes, que também já foram criticados por Lula e pelo PT.

Dilma perdeu tempo tentando explicar que o presidente não disse que ela maltratava seus ‘companheiros’, o que Lula disse. Ainda que fique claro em seu discurso (que transcrevo abaixo) que ele diz maltratar quando quer dizer ser dura.

Muita gente acha que a Dilma é dura, que a Dilma é isso… Porque, também, nem todo mundo é obrigado a ficar se arreganhando para todo mundo todo dia. Tem uma história de que político tem que aparecer rindo, que nego vem te falar de um velório e você começa a rir. Não, a Dilma é o que ela é. Ela é assim, e, sobretudo, a mulher tem que ser mais serena e saber que ainda tem muito preconceito contra a mulher. E que, portanto, muitas vezes, ser um pouco dura é, possivelmente, uma das estacas que você utiliza para exercer a sua função, o seu poder. (…)

As nossas conversas, as nossas discussões, as tuas brigas como José Sergio Gabrielli, da Petrobras; a tua briga com a Maria Fernanda, na Caixa Econômica, por causa do programa Minha Casa, Minha Vida; a tua briga com o nosso querido Lobão, na questão das Minas [e Energia]; com o Minc… Toda vez que tinha um problema, eu falava: “Dilma, o Minc é teu companheiro de luta armada, vai conversar com ele, vai acalmar”. Então, eu penso que você vai deixar… Eu duvido que tenha tido um companheiro, um companheiro que trabalhou contigo, que não tenha uma extraordinária impressão. Tem alguns que saíam da tua sala e iam à minha sala se queixar de que você tinha maltratado ele, que tinha sido muito dura com ele, o que também é normal, também é normal. De vez em quando, deve sair alguém da minha sala e ir à tua sala se queixar do meu tratamento, sobretudo o Gilberto Carvalho.”

Mas a ex-ministra se saiu bem ao fazer uma comparação de seu posto como dama do PAC com uma mãe que cobra resultados, mostrou que é firme com um motivo justo: o crescimento e obtenção de resultados, o que inspira confiança. Dilma ainda conseguiu deixar claro que mantém o diálogo, citando a boa relação do PT com os movimentos sociais.

Marina teve melhor sorte com o apresentador, não se deparou com um Bonner irritado, mas enfrentou uma saia justa também complicada ao ser perguntada como era contra o mensalão, mas mesmo assim continuou dentro do PT, depois que o escândalo veio à tona. Ela conseguiu pontos ao falar sobre as alianças dos adversários, dizendo que o PT e o PSDB tinham se tornado reféns do DEM e do PMDB. Mas houve atritos com os apresentadores, que tentavam quebrar o raciocínio da senadora e foi visível que Marina forçou a barra em alguns momentos. Outro ponto bem positivo foi à candidata ter conseguido frisar sua origem humilde e dizer que não irá governar só com quadros do PV.

Mas foi Serra quem teve a melhor estratégia, bancou o bom moço. Por isso, não concordo com Roberto Jefferson (PTB) que disse que os apresentadores pegaram mais leve com ele, é verdade que poderiam ter tocado em temas mais espinhosos, mas houve momentos delicados, quando questionaram exatamente a aliança com o PTB de Jefferson, um dos nomes enlameados pelo mensalão.

Serra foi gentil, amável, e conseguiu um bom domínio de cena, imprimindo simpatia, o que ele precisa fazer muito mais vezes, e conseguindo estender essa empatia aos apresentadores. Até não conseguir finalizar as considerações finais foi positivo.

Ele se enrolou na relação com o PTB, quando foi questionado sobre a cobrança de pedágios nas estradas, considerado excessivo em São Paulo e demorou um pouco de tempo a mais ao justificar porque não ataca Lula. Mas ganhou pontos ao não tentar ir de encontro aos apresentadores e ao falar de suas ações junto a saúde, além de lembrar sua origem humilde.

No final das contas, ele pode até não ter falado tanto, mas a sensação é mais agradável. Serra investiu na suavidade e conseguiu uma proeza: ser mais meigo que Marina, e aí não vai nenhum duplo sentido, afinal o ex-governador de São Paulo tem fama de irritadiço e mal humorado, além de hipocondríaco. Com certeza é um feito, e positivo, passar simpatia, diálogo e confiança. Ótima estratégia Serra.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Confesso: estava de férias


Está bem, confesso: estava de férias, por isso o Blog ficou meio dormindo.

Mas agora estou de volta.

Prometo, para não fugir do clima de política que assola o país, dar uma esquentada.

Começo com essa entrevista - logo abaixo - com um bambambam da política externa, o professor Francisco Teixeira da UFRJ.

Espero que gostem.

A política externa de Lula


Recentemente fiz uma entrevista com o professor Francisco Carlos Teixeira , titular de História Moderna e Contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O professor é um homem cheio de títulos. Entre eles, um doutorado em História Social pela Universidade de Berlim. Professor emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, Teixeira é uma das principais referências no meio quando o assunto são relações internacionais. Por isso mesmo, costuma ter a vida bastante ocupada entre conferências, consultoria para grandes empresas e como articulista do Jornal das Dez, exibido pela GloboNews.

Em meio a tudo isso, o professor ainda encontra tempo para escrever livros, como “Impérios na História”, em que aponta que o Brasil, assim como Rússia, Índia, Indonésia, Nigéria, África do Sul, Vietnã e Malásia, se tornarão uma espécie de ‘Segundo Mundo’ de influência mundial, fazendo frente a EUA, China e Europa.
Chico Teixeira, como é mais conhecido, fez um breve intervalo em sua maratona de seminários para responder algumas perguntas da Revista NORDESTE. Nesta rica entrevista, ele comenta principalmente como acredita que o mundo vê o Brasil hoje. Teixeira é taxativo. Afirma que não há nada de inócuo no acordo Brasil-Irã-Turquia. “O acordo foi um passo – apenas um passo! – importante na direção de negociações”. O professor ainda garante que o país cresceu ao apostar na pluralidade de mercados, em vez de insistir em ficar no cone sul-norte – leia-se Brasil, Estados Unidos e União Europeia – e em um acordo de livre comércio com os EUA, a Alca.
Sobre a dicotômica relação de amizade de Lula com personalidades tão díspares como Hugo Chávez, Barack Obama e Mahmoud Ahmadinejad, o estudioso garante que há interesses comerciais e estratégicos entre os países.

Para o Brasil, Teixeira avisa: os candidatos Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) têm políticas bem divergentes no que diz respeito ao comércio com o Mercosul, à expansão das Forças Armadas e à relação com os norte-americanos.

Em sua opinião, as eleições de outubro marcam um novo momento no Brasil? Como o senhor tem visto a campanha?

Chico Teixeira: O que vejo é uma nítida diferença na abordagem das políticas externa e de defesa (papel das Forças Armadas) entre os candidatos do PT e do PSDB, com ambas as políticas sendo pela primeira vez tema de debate popular.

Quais as diferenças entre os principais candidatos ao Palácio do Planalto – Dilma, Marina e Serra? Qual o Brasil que cada um projeta?

Chico Teixeira: Serra apresenta propostas muito gerais ainda, bastante diferentes em termos de defesa e política externa, com clara oposição ao Mercosul e um sentimento também contrário ao re-equipamento das FFAA (Forças Armadas). Ao contrário, Dilma deverá manter a política de Lula em ambos os temas. O Mercosul é bastante positivo para o comércio externo brasileiro, onde temos superavits com todos os membros, e ainda serve de bastião grande a uma invasão de produtos chineses por causa da TECV/tarifa externa comum. Creio que esses são elementos diferenciadores importantes.

Alguns estudiosos acreditam que a crise econômica mundial e o crescimento dos BRIC´s estão trazendo ao mundo uma nova dinâmica política, com o Brasil tendo um papel mais preponderante. O senhor acredita que isso realmente está acontecendo?

Chico Teixeira: Sem dúvida, a postura e as ações do Brasil no cenário mundial não são mais de uma pequena e remota economia na América do Sul. O crescimento econômico, e com isso a responsabilidade política do país, aumentaram imensamente e continuarão a aumentar nos próximos anos. Da mesma forma, os interesses nacionais tornaram-se globais, com envolvimento em vários dossiês mundiais.

Qual a importância do acordo Brasil-Irã-Turquia? Foi inócuo realmente? Isolou o Brasil nesta questão ou o favoreceu como porta voz de certas minorias políticas?

Chico Teixeira: O acordo foi um passo – apenas um passo! – importante na direção de negociações. Mostra que todos os dossiês internacionais podem e devem ir para a mesa de negociações e não devem ser resolvidos através de ameaças. Aliás, ameaças inócuas: não temos, na história recente, provas de que sanções econômicas (como em Cuba, África do Sul pré-Mandela ou Coreia do Norte) funcionem. Não creio que houve isolamento – houve discordância com a forma que os EUA encaram o jogo político internacional. Depois das sanções no Conselho de Segurança (CS) da ONU, países como a França e a Rússia já declararam a importância do papel do Brasil. Além disso, em relação à votação de sanções no CS, devemos lembrar que fontes da Inteligência norte-americana afirmaram que o Irã estaria desenvolvendo o enriquecimento de combustível fóssil capaz de dotar o país, em cinco anos, com armas nucleares. Em face de tal possibilidade, seria fundamental a votação, urgente, por parte do Conselho de Segurança da ONU, de novas sanções contra o Irã. O governo brasileiro contra-argumentou o seguinte: 1. A atual capacidade iraniana é compatível com todas as afirmações de Teerã no sentindo de que seu programa possui fins pacíficos e volta-se para a produção de energia elétrica e de meios para uso civil, tais como medicina e agricultura (conservação de alimentos); 2. Não há qualquer evidência incontestável de desenvolvimento de um programa nuclear para fins militares no Irã; 3. As fontes – norte-americanas – que denunciam o programa nuclear do Irã são as mesmas fontes que afirmaram, com absoluta certeza, que o Iraque possuía armas de destruição em massa capazes de lançar um ataque ao Ocidente em 45 minutos, justificando o ataque àquele país em 2003.

É correto dizer que o que está em jogo, de fato, na pressão exercida por EUA-Europa-Rússia, contra o Irã, é a não proliferação de armas atômicas, ou haveria outros interesses?


Chico Teixeira
: Sem dúvida os EUA estão jogando com seu papel de potência hegemônica na região, além de contar com a simpatia do voto e da intelectualidade de origem judia nos Estados Unidos. Mas o petróleo e a segurança de Israel desempenham ainda um papel central no debate. Só para reforçar: as sanções, ao contrário do esperado, geram, em verdade, uma punição coletiva para a população e uma aglutinação de forças em torno do poder central, fortalecendo as posições “nacionais” em face da pressão externa. Assim, não só as sanções seriam inúteis, como ainda contraproducentes. O Conselho de Segurança da ONU arrisca-se, mais uma vez, a tornar-se instrumento da política de uma grande potência, desmoralizando-se num procedimento arriscado e sem bases materiais que justifiquem uma posição extrema. O risco, mais uma vez, reside em que a ONU acabe seguindo as exigências da política interna dos EUA, quando o presidente Obama, em virtude do seu público interno e de parte de sua popularidade, e em face da aproximação das eleições de meio de mandato, queira mostrar-se como um governante capaz de defender o país e recorrer ao hard power norte-americano. A questão central em relação ao Irã hoje reside, de um lado, em uma postura firme da defesa do direito dos países desenvolverem para fins pacíficos a energia atômica – como EUA ou a Europa o fazem – e, de outro, moderar, através de aconselhamentos e negociações, posturas irresponsáveis de Teerã, quando, por exemplo, recusa, de forma absurda, a reconhecer a catástrofe do Holocausto.

Mudando o foco, como o senhor avalia o investimento que o governo Lula tem feito numa liderança latino-americana? Tem dado resultados positivos?

Chico Teixeira: Pelo peso econômico e político, o Brasil exerce uma liderança natural no continente. Da mesma forma, a região é o palco privilegiado dos interesses de grandes empresas nacionais e das exportações brasileiras, em especial no âmbito do Mercosul. Temos que aproveitar ao máximo tal situação visando à geração de renda e de empregos no Brasil. Tudo isso reconhecendo as especificidades de cada país e procurando não se envolver nas disputas internas em curso no continente.

O presidente Lula tem procurado fazer ‘a política da amizade’: é amigo de Hugo Chávez, Barak Obama, Fidel Castro. Quer ser amigo de Israel, da Palestina, Irã, pressionar Honduras, mas evita bater de frente com países totalitaristas. Como o senhor vê essa estratégia?

Chico Teixeira: Como afirmei, o Brasil não interfere em assuntos internos e em disputas partidárias em outros países, e encara as relações internacionais como um espaço para garantir os interesses brasileiros em crescimento e geração de renda.

Como o senhor vê atualmente o panorama político latino-americano? O que mudou desde a entrada de Lula no poder?

Chico Teixeira: Temos o aprofundamento das transformações sociais e políticas em países onde as elites mantinham quase quinhentos anos de dominação, como na Bolívia e na Venezuela. Muitas vezes, as transformações são rápidas demais ou atropelam critérios importantes para nós brasileiros, como a autonomia da imprensa. Temos que reconhecer o ânimo popular pela mudança e, ao mesmo tempo, mostrar o exemplo brasileiro de convívio democrático.

O que representa, para o Brasil, ter, em cinco anos (de 2003 a 2008), feito com que a classe média se torne a maior parcela da população? O senhor considera que esse avanço é mérito de programas como o Bolsa Família?

Chico Teixeira: Houve um salto fantástico: em 2003 a classe ‘C’ era 37,56% da população, passando, em 2008, para 49.22% do total de brasileiros. Podemos acreditar que, não fosse a crise econômica mundial de 2008/09, este coeficiente seria bem mais alto. A boa performance do governo Lula, para além da capacidade pessoal do presidente em comunicar-se com a população e do seu carisma, reside no conjunto de políticas sociais colocadas em prática nos últimos anos. Embora seja verdade que Lula não foi o iniciador de políticas de ação afirmativa no país e que a estabilização econômica seja uma herança dos governos Itamar/FHC, coube a Lula sua expansão e sua universalização entre os grupos sociais fragilizados. Assim, nos últimos anos, deu-se uma substantiva melhoria de vida das camadas mais atingidas pela pobreza e pela miséria no país, permitindo ao presidente manter um nível de aprovação popular invejável na história nacional. Mas também devemos lembrar a opção econômica de expansão dos mercados. Ridicularizou-se a abertura das relações do Brasil com o conjunto do planeta. Em oito anos, abriu-se mais de sessenta novas representações no exterior, tornando o Brasil um país global. Os nostálgicos do “circuito Helena Rubinstein” – relações privilegiadas com Nova Iorque, Londres e Paris – choraram a “proletarização” de nossas relações. Com a crise econômica global – que desmentiu os credos fundamentalistas neoliberais – a expansão do Brasil pelo mundo, os novos acordos comerciais (ao lado de um mercado interno robusto) impediram o Brasil de cair de joelhos com a crise. Outros países, atrelados ao eixo norte-atlântico e aqueles que aceitaram uma “pequena Alca”, como o México, debatem-se no fundo de suas infelicidades. Lula foi ridicularizado quando falou em “marolhinha”. Em seguida, o ex-poderoso FMI declarou as medidas do governo Lula como as mais acertadas no conjunto do arsenal anti-crise. A ONU acabou escolhendo o Programa Bolsa Família como símbolo mundial do resgate dos desfavorecidos. O ultra-conservador jornal britânico The Economist o considerou um modelo de ação para todos os países tocados pela pobreza e o Le Monde como ação modelar de inclusão social.

Como o senhor vê o título de homem do ano dado a Lula pela Revista Time?

Chico Teixeira: Na verdade, a matéria do Time apontava como o homem mais influente do mundo, posto que nem só políticos fossem alinhados na larga lista composta pela Time. Esta não é a primeira vez que Lula merece amplo destaque na imprensa mundial. Os jornais Le Monde, de Paris, e o El País, o mais importante meio de comunicação em língua espanhola (e muito atento aos temas latino-americanos) já haviam, na virada de 2009, destacado Lula como o “homem do ano”. O inédito desta feita, com a revista Time, foi fazer uma lista, incluindo aí homens de negócios, cientistas e artistas mundialmente conhecidos. Entre os quais está o brasileiro Luis Inácio da Silva, nascido pobre e humilde em Caetés, no interior de Pernambuco, em 1945. O presidente do Brasil aparece como o mais influente de todas as personalidades globais. Por si só, dado o ponto de partida da trajetória de Lula e as deficiências de formação notórias, é um fato que merece toda a atenção. No Brasil, a trajetória de Lula tornou-se um símbolo contra toda a forma de exclusão e um cabal desmentido aos preconceitos culturalistas que pouco se esforçam para disfarçar o preconceito social e de classe. É extremamente interessante, inclusive para uma sociologia das elites nacionais, que o brasileiro de maior destaque no mundo hoje seja um mestiço, nordestino, de origens paupérrimas e com grande deficit de educação formal. Para todos os segmentos das elites nacionais, nostálgicas de uma Europa que as rejeita, é como uma bofetada! E assim foi compreendida a lista da Time. Daí a resposta das elites: o silêncio. Sem dúvida nenhuma, trata-se de uma homenagem ao pragmatismo e bom-senso do presidente, amplamente justificada por seus programas sociais. Numa comparação com os nossos vizinhos sul-americanos (mesmo que tenhamos restrições ao presidente em relação à costumeira ética política), devemos reconhecer que Lula respeita e respeitou as instituições do país, a liberdade de expressão e manteve-se sempre ao lado da ordem institucional.