terça-feira, 8 de junho de 2010

AMAR, verbo Intransitivo

Quando eu era criança pensava como criança. Com o tempo minha concepção do mundo foi se transformado, mas ainda eram os olhos da criança. Uma criança diferente, como diz o I Coríntios 13.

Sempre me considerei uma pessoa sortuda. Não posso reclamar. Nada me falta. Tenho saúde, uma vida regrada, muito fruto de meditações e da filosofia da Kabalah. Ferramentas que me ajudam a manter o equilíbrio, num mundo cada vez mais caótico. Já amei, daqueles amores que a gente sente taquicardia, suores, ansiedade, tesão, paixão, daquele que basta encostar na pele, olhar nos olhos, que parece rastilho de pólvora.

Já sofri, me rasguei de dor. Senti ódio e amor intenso, devo confessar. Sempre fui uma pessoa com aversão ao meio termo, para mim era tudo ou nada. Traduzindo, o orgulho era uma constante. Esse tempo passou...

A religião me chamou atenção logo cedo. Desde que me conheço por gente nutri uma grande admiração por Cristo. A história dele me comovia. Eu não conseguia olhar para a imagem daquele homem crucificado quando entrava na Igreja sem sentir um aperto no coração. Lembro de ter lido na ‘Autobiografia de um Iogue’ - livro escrito pelo iogue indiano Paramahansa Yogananda em 1946 – o quanto o autor ficou chocado na primeira vez que entrou numa igreja ocidental e viu que o deus era representado morto no altar (e de um forma cruel). Entendo Yogananda.

Cristo me acompanhou durante muitos anos, como uma referência, até que minhas dúvidas em relação a Igreja Católica foram crescendo de uma forma irremediável. Além disso, eu não conseguia entender a dor no mundo, o sofrimento, a pobreza, as guerras, a violência e, em conseqüência, a falta de intervenção divina.

Ainda mais havia a aquela luta entre Deus e o diabo pelas almas humanas. Parecia contraproducente. Por que tínhamos que ficar no meio do fogo cruzado? Eu me questionava. O tempo foi passando até que rompi relações com a Igreja Católica e por tabela com qualquer conceito de Deus. Eu deixei de acreditar em Deus e no diabo. Afastei-me de Cristo.

Foram anos de trevas. Infelizmente, trevas necessárias, onde mergulhei no sexo, nas farras... Sem restrições, dizia para mim mesmo. Até que redescobri Cristo. Era um momento em que o mundo já não me respondia e eu precisava de respostas urgentemente. Foi aí que descobri Nikos Kazantzakis, o escritor grego que viajou por todo o mundo, conhecendo e seguindo as doutrinas de Buda, Francisco de Assis e Lênin. Kazantzakis escreveu ‘A Última Tentação de Cristo’.

O livro virou filme nas mãos de Martin Scorsese em 1988. Com o livro o escritor acabou sendo excomungado pela Igreja Ortodoxa Grega. O livro também faz parte do catálogo de livros proibidos pela Igreja Católica. Apesar disso, foi na ‘Última Tentação de Cristo’ que reencontrei minha fé e fiz as pazes com Cristo e com Deus. Depois do livro eu deixei de ver Deus como um Pai distante. Kazantzakis pinta um Cristo humano, próximo, e desta forma, um Deus também muito presente. Ali eu entendi a lição implícita na história da vida de Cristo: existe um rito a ser cumprido por toda alma neste mundo, até mesmo o mais ilustre filho do Criador obedece essa lei.

Hoje entendo, apesar de ainda não ter realmente conseguido alcançar, que o que todos buscam vai numa só direção, ainda que alguns digam que procuram sucesso, amor, dinheiro, fama, poder, felicidade, paz, saúde... todos buscam uma única coisa: respostas. E essas respostas estão, em última análise na Unidade, em Deus. O ponto que une todos os pontos. O sol de onde emanam todos os raios.


Nada além dessa união nos completa de fato e nos responde.

Digo que eu entendo isso, em alguns momentos acredito que chego a sentir, mas são tantas as distrações... Eu ainda sinto outras necessidades, ainda me iludo. Talvez porque ainda queira me iludir...

É estranho dizer isso, mas não fazemos nada que realmente não queremos. Acreditem. É a pura verdade, por mais que pareça que não – eu não estou falando da consciência primeira, que não entende que algo dentro dela atrai os eventos com os quais quer aprender. Estou falando justamente desse algo interior, uma consciência mais profunda, que opta e sabe o quer e precisa viver para chegar à Unidade.

Olhando para trás, hoje vejo que foi sempre o Amor que me resgatou, redimiu, apaziguou, dos momentos em que estava perdido, desiludido, desenganado, quando deixei de acreditar no ser humano, quando não entendi o sentido de algumas ações das pessoas que amava. Quando me senti traído e abandonado. Foi o Amor que me trouxe de volta ao curso do meu próprio rio. Os antigos egípcios diziam que o Amor não pode ser ensinado, Ele brota no momento certo. Notaram? Eles já diziam que o Amor é intransitivo.

O Amor não pode ser ensinado, mas ao ser tocado por ele aprendemos. É engraçado. Eu aprendi a ter paciência, fôlego, a seguir sempre. A subida é íngreme, nem todos suportam, mas para os que se dispõem, a paisagem é recompensadora. Preenche a alma.

Como eu cheguei até aqui? Através das meditações, das orações, da observação, e, antes de tudo, através dos ensinamentos de minha mestra, Tânia Carvalho. Através da AD’OR – Centro de Estudos da Kabalah, a qual eu encontrei e fui encontrado em 1994. Sem começar e seguir po esse Caminho místico eu nada seria.

Por esse e outros encontros que ainda virão, sei que continuo sortudo.

Citei o I Coríntios do Apóstolo Paulo no início desse artigo e devo dizer que concordo em gênero, número e grau com suas palavras, ainda que não concorde com todas as suas cartas (as Cartas de Paulo) - não me tomem por herege, aprendi a pensar com a Kabalah e sei que Deus não criou seus filhos para serem vacas de presépio que servem apenas para balançar a cabeça afirmativamente.

Mas quero acrescentar que o Amor não só renova as esperanças, como nos revela a verdade e com a verdade nos apazigua, nos conforta. O Amor quando vibra no peito é como a liberdade, um viver sem amarras, sem pesos, sem culpas, dores, medos. É um prazer intenso. É compreensão e paz. A sensação lembra um frescor dentro e fora do corpo. Como alguém que acabou de chupar uma bala de menta e o 'ardido' não está só na gargata, mas dentro do peito, na cabeça e no coração...na verdade no corpo inteiro e além, além, além, alcançando outras pessoas que passam. Pessoas que não conhecemos. E as pessoas (que passam) se perguntam: que sensação boa é essa? De onde vem? E a sensação é acompanhada de perfume, um perfume que fica no ar. A vontade que dá é de rir e cantar de extase.

Mas não dá para festejar só. Por isso mando ver um vídeo com a música Palavras Repetidas de Gabriel O Pensador. Um petardo na cabeça.

2 comentários:

katia disse...

Lindo Paulo! Amar é relamente um verbo intransitivo. noa encontramos nele...Na solidão alegre e infinita de amar.

Anônimo disse...

lindo texto! e mais bonito ainda, é o poder de resiliência que tem o ser humano: lidar com problemas e superar obstáculos.
parabéns!
Julyanna Nóbrega