segunda-feira, 14 de junho de 2010

Tom cômico prejudica ‘O Golpista do Ano’


Um filme que tem no cartaz Jim Carrey, Ewan McGregor e Rodrigo Santoro como um triângulo romântico é um chamariz no mínimo interessante, essa é a primeira impressão que se tem ao olhar o cartaz de O Golpista do Ano (I Love You Phillip Morris). Santoro já mostrou sua versatilidade em Carandiru quando interpretou a travesti Lady Di. McGregor e Carrey também são, cada um a seu modo, atores competentes e não precisam de apresentações. Infelizmente, o filme tem algo de decepcionante, ainda mais por ser uma história real, o que lhe conferiria uma carga dramática forte. Contudo, o longa avança pouco além de uma caricatura do mundo gay.

Ao invés disso, viajamos entre as plumas e paetês (estou falando no sentido figurado) de um universo gay idiotizado. Talvez não tenha sido essa a intenção dos autores, mas foi o que restou ao olhar a tentativa de romantizar um amor entre dois personagens à margem, sem uma devida análise mais profunda da alma e do universo desses personagens.

No longa, Jim Carrey é Steven Russell um homossexual que resolve assumir a orientação sexual ao mesmo tempo em que se torna um escroque e dá um nó na polícia do Texas ao empreender fugas absurdas (na sua simplicidade e engenhosidade) dos presídios onde é encarcerado.

A questão principal de ‘O Golpista do Ano’ – convenhamos, o título do filme em português é horrível, principalmente porque o tema central é realmente a homossexualidade e o amor que o personagem central nutre pelo Phillip Morris do título original, interpretado por um delicado Ewan McGregor.

Por sinal, McGregor é a melhor coisa do longa, em meio a afetação simplista da história, o ator inglês consegue imprimir alguma realidade ao que é contado pelos diretores Glenn Ficarra e John Requa, também autores do roteiro inspirado no livro de Steve McVicker, repórter do jornal "Houston Chronicle". É tocante a cena em que Russell e Phillip travam o primeiro contato. O ator de ‘O Máscara’ tenta convencer Phillip que é sincero seu desejo de tê-lo como companheiro.

Não que o filme seja uma bomba, longe disso. A questão é que ‘O Golpista do Ano’ é um filme gay, no sentido de que toda a história está centrada no romance entre dois homens, mas sem o charme e a profundidade de filmes com o ‘O Segredo de Brokeback Mountain’, ‘Direito de Amar’, ‘Querelle’, ‘Maurice’, ‘A Má Educação’ e ‘Essa Estranha Atração’, só para ficar numa meia dúzia de filmes sobre o tema.

Além disso, os diretores resolveram utilizar a comédia para suavizar a enredo e alcançar um público maior. A saída acaba sendo realmente isso: uma forma de se afastar, a quilômetros de distância, diga-se, do que seria uma proposta muito mais honesta de fazer um filme com um olhar político e aprofundo da história de Russell.


Na ficção, logo cedo Russell se descobre adotado e sai do seu mundo edulcorado com um céu azul e nuvens feito flocos – os amigos viam nas nuvens imagens infantis, enquanto o Russel criança já vislumbrava um pênis – para uma vida igualmente falsa em vários aspectos: é um bom marido, pai e religioso. Trabalha como policial e busca descobrir quem é a mãe biológica, mas esconde suas reais motivações.

A vida é artificial, na relação com a esposa – uma carola que vive num mundo completamente irreal, parece um comercial de televisão – nas relações de trabalho e com a filha. Há uma infantilidade tola no conteúdo dessas interações.

Após descobrir quem é a mãe e saber que ela realmente não quis ficar com ele, Russell muda de cidade, emprego e, ao que tudo indica, passa a viver a homossexualidade às escondidas. Mais lá na frente ele muda novamente, agora após um acidente, e resolve explicitar o desejo pelos homens.

É aí que ele conhece Jimmy Kemple (interpretado por Santoro). O brasileiro compõe um homossexual um pouco mais afetado que o de McGregor. Todavia, vale ressaltar que Santoro tem muito menos chance de dar vazão a personagem na tela. Com Kemple, Russell descobre que o nível de vida gay que quer é muito caro e começa a dar golpes em seguradoras. A princípio para sentir-se integrado num mundo aparentemente fútil de festas e prazer.

Um dos graves problemas do filme é justamente o tom de comédia e, consequentemente, a escolha de Jim Carrey para o papel principal. O comediante já mostrou que é um bom ator e durante o longa realmente chega a compor uma personagem com algumas nuances, entretanto a tridimensionalidade de Russel acaba se diluindo nas caras e bocas do ator.

O filme ainda perde ao não ir mais fundo nas motivações e na personalidade de Russell e optar em expor tudo como um desejo da personagem em ser aceito e amado, justificando os trambiques naquela descoberta, ainda criança, da adoção e da rejeição materna.

O Golpista do Ano’ não é um filme ruim, tem alguns momentos delicados ao tratar da homossexualidade e ao expor o preconceito. Outros momentos românticos e até engraçados, sempre com um tom leve – será que os diretores acreditaram que um filme histriônico ajudaria ao marketing?

Todavia, apesar da comédia realmente dar mais leveza às histórias indigestas e difíceis de digerir vividas por Russel, os diretores perderam a oportunidade de mostrar um personagem complexo de forma mais direta e com as cores certas. Afinal, não é sempre que se encontra uma personagem real que é um misto de carente crônico, mal caráter, ladrão, homossexual e anti-herói.

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