segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Dilma: Um Brasil mais à esquerda


Essa matéria saiu em parte na Revista NORDESTE de outubro.

Fiz uma entrevista com alguns analistas políticos para traçar como seria a política e a economia brasileira no governo de Dilma Rousseff (PT). A conclusão é unânime: a tendência indica uma guinada à esquerda. Pelo menos no que tange a política externa e a uma inserção maior do Estado na economia. Durante a campanha, a petista garantiu que irá acabar com a miséria, investir pesado em educação – priorizando escolas técnicas em cidades de até 50 mil habitantes – saúde – construir 500 Upas (Unidades de Pronto Atendimento 24 horas) – segurança – com ênfase no combate ao crack, polícias pacificadoras, vigilância nas fronteiras e reforço na Polícia Federal. O programa de Dilma Rousseff aponta para uma continuidade do governo Lula com apenas pequenas alterações no seu curso. Dilma, que será a primeira mulher a ser presidente do Brasil e tem sido apontada por jornais da Alemanha, EUA e Inglaterra, como a mulher mais poderosa do mundo dá sinais que irá manter inalterados os três pilares em que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) baseia sua política econômica: metas de inflação; câmbio livre e redução gradual do déficit público. Uma política do continuísmo, pragmática, ainda baseada no controle da inflação através de elevadas taxas de juros.

O cientista político da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Zaidan Filho, faz uma crítica à manutenção dessa política por Rousseff. Para ele a candidata continuará a favorecer aos banqueiros, por conta da dívida pública, e os mais pobres, sacrificando mais uma vez a classe média com uma pesada carga tributária. “Em termos econômicos a política terá continuidade com alta taxa de juros, aumento da cobertura da Bolsa Família e ajustes fiscais. Um governo de Dilma irá preparar algum tipo de ajuste fiscal e quem vai sofrer mais serão os servidores públicos e trabalhadores que têm uma maior renda. Não sei se os aposentados também...”, vaticina.

O cientista paraibano, Jaldes Menezes, faz um adendo. “O Estado tem o poder muito forte no Brasil e é inevitável que esse governo Dilma tenha alianças com vários setores da indústria e do capital brasileiro. Haverá uma consorcio entre os grupos e o estado. É bom lembrar que Eike Batista, hoje um dos homens mais ricos do Brasil, que se aproveitou desse boom econômico e dos vultosos investimentos do estado, é filho de Eliezer Batista (coube a Batista transformar a mineradora Vale do Rio Doce em uma das maiores companhias do planeta, presidindo-a de 1961 a 1986). O empresariado está rachado, inclusive os grandes grupos econômicos, uma parte expressiva tende apoiar o governo. A indústria naval está com o governo, setores da indústria têxtil, calçados. A base empresarial não bloca mais com o PSDB e o DEM”, argumenta, dando outra visão à política mais a esquerda de Dilma seguindo a linha neo neo keynesiana.

Apesar de considerar que um governo Dilma será mais difícil para a classe média, Zaidan argumenta que a política externa implementada por Lula, e que deve ser continuada por Dilma, é boa. “Ela é pró-ativa, multilateral, pacifista e prioriza uma relação com os países do eixo sul-sul”, diz. Sobre o que seria acabar com a miséria, o cientista lembra que Lula criou uma nova classe média, com aumento de salários acima da inflação e com a distribuição do Bolsa Família, elevando a renda de milhões de pessoas que saíram da pobreza e entraram na classe C e D dando mais acesso ao consumo. “É um pouco de uma política de Keynes”, explica. Zaidan Filho se refere a John Maynard Keynes que defendeu uma política econômica de Estado intervencionista, através da qual os governos usariam medidas fiscais e monetárias para mitigar os efeitos adversos dos ciclos econômicos - recessão, depressão e booms. Suas idéias serviram de base para a escola de pensamento conhecida como economia keynesiana. Assim, para Zaidan, a política de Dilma baseia-se em Keynes ao usar o fundo público para estimular a demanda e aquecer a economia.

Outro cientista político, Jaldes Menezes, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), também aponta para um projeto de continuidade. “Rigorosamente não existe um projeto autônomo”, frisa. Analisando o governo Lula, Menezes, afirma que o petista muda a partir de 2006, durante o segundo governo. O ponto central teria sido a crise do mensalão. “Dilma foi um fator importante na Casa Civil, a partir da sua chegada, no governo Lula II tivemos um desenvolvimento econômico razoável. De 2006 a 2009 o Brasil foi alçado a um país emergente. Houve uma redução da dívida externa e aumento relativo da divida interna. Nos últimos anos tivemos a participação ativa do governo em vários esquemas de reorganização empresarial como a compra da Sadia pela Perdigão, a Oi versus a Telefônica, a capitalização da Petrobras para o investimento do pré-sal, além de uma perspectiva de mais R$ 30 bilhões que devem ser investidos pelo BNDES – desde 2009 já foram repassados pelo Tesouro Nacional R$ 180 bilhões ao banco”, recapitula o paraibano.

Contudo, apesar dos bons resultados, o governo Lula abandonou completamente a reforma política, aponta Zaidan Filho. “Uma reforma política poderia dotar o país de uma engenharia institucional que melhorasse a eficácia de relação entre os poderes e os partidos, tornando essa relação menos clientelista e menos fisiológica”, defende. O presidente Lula já reclamou mais de uma vez da dificuldade de conseguir que o Congresso votasse as reformas propostas pelo Executivo, segundo o cientista político pernambucano, o difícil equilíbrio de forças entre aliados e oposição nas duas casas (Senado e Câmara dos Deputados) prejudicava ainda mais o andamento dos trabalhos. Ao menos nesse quesito um governo de Dilma Rousseff não deve ter problemas e poderá investir em reformas políticas, fiscais e previdenciárias emperradas no Congresso, já que o governo petista terá a maioria necessária para aprová-las, algo nunca visto antes no Brasil. E, definitivamente, um passo para longe de escândalos como mensalões, dossiês e tráfico de influência. Apesar de um provável lua de mel com a bancada situacionista, Jaldes Menezes aponta um fator complicador: “O PT, certamente, concorre a primeira ou segunda bancada da câmara de deputados. Haverá uma certa folga. Embora teremos também a escolha do presidente do Senado e da Câmara. Nessas escolhas sempre surge um certo conflito. Ainda não estão claros entre PT e PMDB quem será o presidente das duas casas. Além disso, há uma diferença, Dilma não tem o mesmo prestigio de Lula. Dilma terá que operar agora sem a sombra de Lula. Vale a lembrança que Lula foi iniciador de seu próprio projeto entre setores econômicos, internacionais e políticos”, argumenta.

Para corroborar a tese de um governo mais à esquerda, Zaidan ainda lista as pessoas que estiveram em volta da ex-ministra da Casa Civil durante a campanha. O cientista político aponta os nomes do vice-presidente do PT, o paulista Rui Falcão, do presidente do paritdo, José Eduardo Dutra, do ‘camarada’ José Dirceu e do assessor especial da Presidência da República para assuntos internacionais Marco Aurélio Garcia. Além deste, também é citado o ex-guerilheiro e ex-prefeito de Minas Gerais, o economista Fernando Pimentel (PT-MG).

Além disso, há um outro dado que irá diferir o possível governo de Dilma do atual governo de Lula: a candidata não é uma personalidade acima do PT, como é o Lula. “Vai ser um governo de partido”, argumenta Zaidan. “A presidenta, provavelmente, vai ser mais afinada com as lideranças. Não se sabe como será o estilo de Dilma governar com os partidos, o Congresso, nem a autonomia que terá para governar. Ela tem um estilo mais burocrático, não é uma pessoa de trânsito fácil com o Congresso e os partidos. É um pouco durona, não tem jogo de cintura, como Lula. Lula tem um imenso jogo de cintura. Por isso acho que o partido tem grandes chances de hegemonizar esse governo. Há um perigo dela se tornar das duas umas: ou refém do PMDB ou do PT”, avalia. Segundo os cientistas, Dilma precisaria ter uma vitória acachapante para conseguir um bom respaldo popular e não precisar recorrer a Lula ou aos movimentos sociais. “Lula pode ajudar, mas não seria bom. Se Lula estiver muito presente ela seria um títere, um fantoche, ficaria péssimo para ele, para ela e para o PT. O que Lula tem a fazer é desenvolver uma carreira internacional. Pode ser um conselheiro, mas não uma eminência parda”, diz Zaidan.


Cenário internacional

No cenário internacional a tendência é que o Brasil siga sob a batuta de Marco Aurélio Garcia, estimulando boas relações e até mais aproximação com os governos de esquerda – Hugo Chavéz (Venezuela), Fernando Lugo (Paraguai), José Mujica (Uruguai), Rafael Correa (Equador), Evo Morales (Bolívia) e claro, Cristina Kirchner (Argentina). O Brasil deve manter e consolidar sua liderança política na região, já que a econômica é incontestável. Conflitos com os EUA, pela defesa da independência da América Latina e divergências de opinião em relação a política norte-americana referente aos Palestinos, Israel e ao Irã, serão inevitáveis.


O Nordeste
O Nordeste continua crescendo, principalmente Bahia, Ceará e Pernambuco. No governo Lula, Pernambuco ganhou um caráter econômico estratégico. Mas que na Bahia, apesar do ocaso do carlismo. A região Nordeste recebeu grandes investimentos do governo Lula, como a refinaria de petróleo Abreu e Lima de Suape, o pólo petroquímico e a Hemobrás, em Pernambuco; o projeto de siderúrgica e a refinaria no Ceará; Na Bahia, a ampliação e modernização da Refinaria Landulpho Alves, do estaleiro e da ferrovia ligando Ilhéus a Tocantins. Além da recuperação e duplicação da BR-101, a Transposição do Rio São Francisco e a construção da ferrovia Transnordestina. Obras que atingem toda a região. Só no período de 2007 a 2010, foram direcionados para a região nada menos que R$ 160 bilhões em infraestrutura social-urbana, energética e logística (sistemas, vias e terminais de transportes).

Desse total, 60% dos investimentos foram para Bahia, Pernambuco e Ceará, é verdade. Mas o governo se explica. “Acontece que a soma da população destes estados, que são mais populosos, corresponde também a 60% da população do Nordeste. De modo, que a divisão per capita dos recursos é absolutamente equitativa”, afirmou o próprio presidente Lula em entrevista a Revista NORDESTE. O programa Luz para Todos já garantiu energia para 6,1 milhões de nordestinos da área rural. Há também o Bolsa Família, onde um grande número de beneficiados está na região. “O governo de fato retomou investimentos regionalizados, ao contrário dos tucanos que acabaram com as políticas regionais. Grandes investimentos do PAC. Isso fez com que o Nordeste pudesse crescer acima da média nacional”, pontua o cientista político Zaidan Filho. “Imagino que a Dilma não vá contraria essa tendência, afinal o apoio do presidente é todo aqui. Seria um tiro no pé.”, arrisca.

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