quinta-feira, 12 de agosto de 2010

A política externa de Lula


Recentemente fiz uma entrevista com o professor Francisco Carlos Teixeira , titular de História Moderna e Contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O professor é um homem cheio de títulos. Entre eles, um doutorado em História Social pela Universidade de Berlim. Professor emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, Teixeira é uma das principais referências no meio quando o assunto são relações internacionais. Por isso mesmo, costuma ter a vida bastante ocupada entre conferências, consultoria para grandes empresas e como articulista do Jornal das Dez, exibido pela GloboNews.

Em meio a tudo isso, o professor ainda encontra tempo para escrever livros, como “Impérios na História”, em que aponta que o Brasil, assim como Rússia, Índia, Indonésia, Nigéria, África do Sul, Vietnã e Malásia, se tornarão uma espécie de ‘Segundo Mundo’ de influência mundial, fazendo frente a EUA, China e Europa.
Chico Teixeira, como é mais conhecido, fez um breve intervalo em sua maratona de seminários para responder algumas perguntas da Revista NORDESTE. Nesta rica entrevista, ele comenta principalmente como acredita que o mundo vê o Brasil hoje. Teixeira é taxativo. Afirma que não há nada de inócuo no acordo Brasil-Irã-Turquia. “O acordo foi um passo – apenas um passo! – importante na direção de negociações”. O professor ainda garante que o país cresceu ao apostar na pluralidade de mercados, em vez de insistir em ficar no cone sul-norte – leia-se Brasil, Estados Unidos e União Europeia – e em um acordo de livre comércio com os EUA, a Alca.
Sobre a dicotômica relação de amizade de Lula com personalidades tão díspares como Hugo Chávez, Barack Obama e Mahmoud Ahmadinejad, o estudioso garante que há interesses comerciais e estratégicos entre os países.

Para o Brasil, Teixeira avisa: os candidatos Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) têm políticas bem divergentes no que diz respeito ao comércio com o Mercosul, à expansão das Forças Armadas e à relação com os norte-americanos.

Em sua opinião, as eleições de outubro marcam um novo momento no Brasil? Como o senhor tem visto a campanha?

Chico Teixeira: O que vejo é uma nítida diferença na abordagem das políticas externa e de defesa (papel das Forças Armadas) entre os candidatos do PT e do PSDB, com ambas as políticas sendo pela primeira vez tema de debate popular.

Quais as diferenças entre os principais candidatos ao Palácio do Planalto – Dilma, Marina e Serra? Qual o Brasil que cada um projeta?

Chico Teixeira: Serra apresenta propostas muito gerais ainda, bastante diferentes em termos de defesa e política externa, com clara oposição ao Mercosul e um sentimento também contrário ao re-equipamento das FFAA (Forças Armadas). Ao contrário, Dilma deverá manter a política de Lula em ambos os temas. O Mercosul é bastante positivo para o comércio externo brasileiro, onde temos superavits com todos os membros, e ainda serve de bastião grande a uma invasão de produtos chineses por causa da TECV/tarifa externa comum. Creio que esses são elementos diferenciadores importantes.

Alguns estudiosos acreditam que a crise econômica mundial e o crescimento dos BRIC´s estão trazendo ao mundo uma nova dinâmica política, com o Brasil tendo um papel mais preponderante. O senhor acredita que isso realmente está acontecendo?

Chico Teixeira: Sem dúvida, a postura e as ações do Brasil no cenário mundial não são mais de uma pequena e remota economia na América do Sul. O crescimento econômico, e com isso a responsabilidade política do país, aumentaram imensamente e continuarão a aumentar nos próximos anos. Da mesma forma, os interesses nacionais tornaram-se globais, com envolvimento em vários dossiês mundiais.

Qual a importância do acordo Brasil-Irã-Turquia? Foi inócuo realmente? Isolou o Brasil nesta questão ou o favoreceu como porta voz de certas minorias políticas?

Chico Teixeira: O acordo foi um passo – apenas um passo! – importante na direção de negociações. Mostra que todos os dossiês internacionais podem e devem ir para a mesa de negociações e não devem ser resolvidos através de ameaças. Aliás, ameaças inócuas: não temos, na história recente, provas de que sanções econômicas (como em Cuba, África do Sul pré-Mandela ou Coreia do Norte) funcionem. Não creio que houve isolamento – houve discordância com a forma que os EUA encaram o jogo político internacional. Depois das sanções no Conselho de Segurança (CS) da ONU, países como a França e a Rússia já declararam a importância do papel do Brasil. Além disso, em relação à votação de sanções no CS, devemos lembrar que fontes da Inteligência norte-americana afirmaram que o Irã estaria desenvolvendo o enriquecimento de combustível fóssil capaz de dotar o país, em cinco anos, com armas nucleares. Em face de tal possibilidade, seria fundamental a votação, urgente, por parte do Conselho de Segurança da ONU, de novas sanções contra o Irã. O governo brasileiro contra-argumentou o seguinte: 1. A atual capacidade iraniana é compatível com todas as afirmações de Teerã no sentindo de que seu programa possui fins pacíficos e volta-se para a produção de energia elétrica e de meios para uso civil, tais como medicina e agricultura (conservação de alimentos); 2. Não há qualquer evidência incontestável de desenvolvimento de um programa nuclear para fins militares no Irã; 3. As fontes – norte-americanas – que denunciam o programa nuclear do Irã são as mesmas fontes que afirmaram, com absoluta certeza, que o Iraque possuía armas de destruição em massa capazes de lançar um ataque ao Ocidente em 45 minutos, justificando o ataque àquele país em 2003.

É correto dizer que o que está em jogo, de fato, na pressão exercida por EUA-Europa-Rússia, contra o Irã, é a não proliferação de armas atômicas, ou haveria outros interesses?


Chico Teixeira
: Sem dúvida os EUA estão jogando com seu papel de potência hegemônica na região, além de contar com a simpatia do voto e da intelectualidade de origem judia nos Estados Unidos. Mas o petróleo e a segurança de Israel desempenham ainda um papel central no debate. Só para reforçar: as sanções, ao contrário do esperado, geram, em verdade, uma punição coletiva para a população e uma aglutinação de forças em torno do poder central, fortalecendo as posições “nacionais” em face da pressão externa. Assim, não só as sanções seriam inúteis, como ainda contraproducentes. O Conselho de Segurança da ONU arrisca-se, mais uma vez, a tornar-se instrumento da política de uma grande potência, desmoralizando-se num procedimento arriscado e sem bases materiais que justifiquem uma posição extrema. O risco, mais uma vez, reside em que a ONU acabe seguindo as exigências da política interna dos EUA, quando o presidente Obama, em virtude do seu público interno e de parte de sua popularidade, e em face da aproximação das eleições de meio de mandato, queira mostrar-se como um governante capaz de defender o país e recorrer ao hard power norte-americano. A questão central em relação ao Irã hoje reside, de um lado, em uma postura firme da defesa do direito dos países desenvolverem para fins pacíficos a energia atômica – como EUA ou a Europa o fazem – e, de outro, moderar, através de aconselhamentos e negociações, posturas irresponsáveis de Teerã, quando, por exemplo, recusa, de forma absurda, a reconhecer a catástrofe do Holocausto.

Mudando o foco, como o senhor avalia o investimento que o governo Lula tem feito numa liderança latino-americana? Tem dado resultados positivos?

Chico Teixeira: Pelo peso econômico e político, o Brasil exerce uma liderança natural no continente. Da mesma forma, a região é o palco privilegiado dos interesses de grandes empresas nacionais e das exportações brasileiras, em especial no âmbito do Mercosul. Temos que aproveitar ao máximo tal situação visando à geração de renda e de empregos no Brasil. Tudo isso reconhecendo as especificidades de cada país e procurando não se envolver nas disputas internas em curso no continente.

O presidente Lula tem procurado fazer ‘a política da amizade’: é amigo de Hugo Chávez, Barak Obama, Fidel Castro. Quer ser amigo de Israel, da Palestina, Irã, pressionar Honduras, mas evita bater de frente com países totalitaristas. Como o senhor vê essa estratégia?

Chico Teixeira: Como afirmei, o Brasil não interfere em assuntos internos e em disputas partidárias em outros países, e encara as relações internacionais como um espaço para garantir os interesses brasileiros em crescimento e geração de renda.

Como o senhor vê atualmente o panorama político latino-americano? O que mudou desde a entrada de Lula no poder?

Chico Teixeira: Temos o aprofundamento das transformações sociais e políticas em países onde as elites mantinham quase quinhentos anos de dominação, como na Bolívia e na Venezuela. Muitas vezes, as transformações são rápidas demais ou atropelam critérios importantes para nós brasileiros, como a autonomia da imprensa. Temos que reconhecer o ânimo popular pela mudança e, ao mesmo tempo, mostrar o exemplo brasileiro de convívio democrático.

O que representa, para o Brasil, ter, em cinco anos (de 2003 a 2008), feito com que a classe média se torne a maior parcela da população? O senhor considera que esse avanço é mérito de programas como o Bolsa Família?

Chico Teixeira: Houve um salto fantástico: em 2003 a classe ‘C’ era 37,56% da população, passando, em 2008, para 49.22% do total de brasileiros. Podemos acreditar que, não fosse a crise econômica mundial de 2008/09, este coeficiente seria bem mais alto. A boa performance do governo Lula, para além da capacidade pessoal do presidente em comunicar-se com a população e do seu carisma, reside no conjunto de políticas sociais colocadas em prática nos últimos anos. Embora seja verdade que Lula não foi o iniciador de políticas de ação afirmativa no país e que a estabilização econômica seja uma herança dos governos Itamar/FHC, coube a Lula sua expansão e sua universalização entre os grupos sociais fragilizados. Assim, nos últimos anos, deu-se uma substantiva melhoria de vida das camadas mais atingidas pela pobreza e pela miséria no país, permitindo ao presidente manter um nível de aprovação popular invejável na história nacional. Mas também devemos lembrar a opção econômica de expansão dos mercados. Ridicularizou-se a abertura das relações do Brasil com o conjunto do planeta. Em oito anos, abriu-se mais de sessenta novas representações no exterior, tornando o Brasil um país global. Os nostálgicos do “circuito Helena Rubinstein” – relações privilegiadas com Nova Iorque, Londres e Paris – choraram a “proletarização” de nossas relações. Com a crise econômica global – que desmentiu os credos fundamentalistas neoliberais – a expansão do Brasil pelo mundo, os novos acordos comerciais (ao lado de um mercado interno robusto) impediram o Brasil de cair de joelhos com a crise. Outros países, atrelados ao eixo norte-atlântico e aqueles que aceitaram uma “pequena Alca”, como o México, debatem-se no fundo de suas infelicidades. Lula foi ridicularizado quando falou em “marolhinha”. Em seguida, o ex-poderoso FMI declarou as medidas do governo Lula como as mais acertadas no conjunto do arsenal anti-crise. A ONU acabou escolhendo o Programa Bolsa Família como símbolo mundial do resgate dos desfavorecidos. O ultra-conservador jornal britânico The Economist o considerou um modelo de ação para todos os países tocados pela pobreza e o Le Monde como ação modelar de inclusão social.

Como o senhor vê o título de homem do ano dado a Lula pela Revista Time?

Chico Teixeira: Na verdade, a matéria do Time apontava como o homem mais influente do mundo, posto que nem só políticos fossem alinhados na larga lista composta pela Time. Esta não é a primeira vez que Lula merece amplo destaque na imprensa mundial. Os jornais Le Monde, de Paris, e o El País, o mais importante meio de comunicação em língua espanhola (e muito atento aos temas latino-americanos) já haviam, na virada de 2009, destacado Lula como o “homem do ano”. O inédito desta feita, com a revista Time, foi fazer uma lista, incluindo aí homens de negócios, cientistas e artistas mundialmente conhecidos. Entre os quais está o brasileiro Luis Inácio da Silva, nascido pobre e humilde em Caetés, no interior de Pernambuco, em 1945. O presidente do Brasil aparece como o mais influente de todas as personalidades globais. Por si só, dado o ponto de partida da trajetória de Lula e as deficiências de formação notórias, é um fato que merece toda a atenção. No Brasil, a trajetória de Lula tornou-se um símbolo contra toda a forma de exclusão e um cabal desmentido aos preconceitos culturalistas que pouco se esforçam para disfarçar o preconceito social e de classe. É extremamente interessante, inclusive para uma sociologia das elites nacionais, que o brasileiro de maior destaque no mundo hoje seja um mestiço, nordestino, de origens paupérrimas e com grande deficit de educação formal. Para todos os segmentos das elites nacionais, nostálgicas de uma Europa que as rejeita, é como uma bofetada! E assim foi compreendida a lista da Time. Daí a resposta das elites: o silêncio. Sem dúvida nenhuma, trata-se de uma homenagem ao pragmatismo e bom-senso do presidente, amplamente justificada por seus programas sociais. Numa comparação com os nossos vizinhos sul-americanos (mesmo que tenhamos restrições ao presidente em relação à costumeira ética política), devemos reconhecer que Lula respeita e respeitou as instituições do país, a liberdade de expressão e manteve-se sempre ao lado da ordem institucional.

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