segunda-feira, 29 de março de 2010

O Papa e a pedofilia


Lembro quando o Papa Paulo VI morreu e o Papa João Paulo I foi alçado a líder maior da Igreja Católica. Na época eu tinha nove anos – era 1978 – e estava na quarta série primária – hoje acho que é quinta série fundamental, não sei ao certo. O Papa João Paulo I escolheu o nome duplo em homenagem aos seus dois antecessores: Papa João XXIII (talvez o último grande líder religioso católico) e Paulo VI. Mas seu pontificado durou pouco, apenas três meses. Muito se fala das histórias ocultas em torno da morte de João Paulo I, inclusive dois filmes tocam no tema: O Poderoso Chefão III e Anjos e Demônios.

Como, naquela época, o Brasil parecia predominantemente católico, havia uma consternação geral com o acontecido. Era de se esperar que a morte dos dois papas, assim seguidos, deixassem o mundo católico inseguro de quais eram os desígnios de Deus.

Bem, após a morte de João Paulo I, João Paulo II foi consagrado e veio para acalmar todos os ânimos.

Aos poucos fui conhecendo um pouco mais o Papa João Paulo II. Um homem austero que se incumbiu da missão de silenciar várias vozes da Igreja, a época envolta em escândalos bancários, com a máfia italiana, e a suspeita de assassinato de seu antecessor. João Paulo II conseguiu reagrupar e reorientar a Igreja, dando fim, inclusive, a novas idéias que surgiam, muitas delas latino-americanas, advindas da Teologia da Libertação.

Os padres e frades insistiam em dizer que Cristo e socialismo tinham algo a ver. João Paulo II deixou claro que não. Eram coisas diferentes para ele.

O papa polonês, Karol Wojtyła era seu nome de batismo, praticava o ato da mortificação (auto-flagelação), na clausura suntuosa de seu quarto papal, para se sentir mais próximo de Deus. Também dormia uma vez por semana no chão, numa prática asceta. É inegável, que ele teve vários méritos no seu papado, entre eles de aproximar a Igreja católica de outras religiões monoteístas, pediu perdão pelas omissões da igreja no passado e admitiu – com ressalvas, o sincretismo religioso brasileiro – mas continuou combatendo a eutanásia, a homossexualidade, a liberação da mulher e defendendo o celibato entre os padres... O Papa centralizou o poder da igreja, combateu o uso da camisinha como prática segura contra a contaminação do HIV e fez interferências diretas em regimes comunistas. Com pelo menos um sucesso claro: seu país natal. Há várias críticas à atuação do polonês... e também vários elogios...

Eu sempre vi Karol com simpatia, era difícil olhar para ele beijando o chão de onde chegava e não acreditar em sua profissão de fé. O papa era então a imagem da própria Igreja Católica.

Mas confesso: as posições dogmáticas, e muitas vezes radicais do Papa, foram em muito responsáveis por eu me afastar da Igreja – não de Deus. Assim, as diferenças entre mim e a Igreja Católica foram ficando intransponíveis, até eu simplesmente resolver que deveria buscar outro lugar para estar com Deus. Para mim, o Criador não designou nenhuma religião como única porta de comunicação com Ele, pelo contrário, nos deu vários acessos. Parece que Ele não queria ver ninguém sem opção.

Hoje, Bento XVI está à frente da Igreja Católica. Seu pontificado tem sido marcado por , digamos, controvérsias. Entre essas controvérsias, palavras mal ditas sobre os muçulmanos, ações desastradas em relação aos judeus e agora escândalos envolvendo padres pedófilos – que diga-se, já existiam durante o papado de João Paulo II, mas conseguiram passar quase invisíveis.

Agora, os escândalos começam a se aproximar perigosamente de Ratzinger – o irmão do Papa foi acusado de proteger um pedófilo alemão e agora o próprio Joseph Ratzinger é acusado de não ter feito nada ao saber de um padre americano que teria abusado de 200 crianças surdas. Além disso, um padre, próximo a Ratzinger, teve, pela polícia italiana, um telefonema interceptado. O homem conversava com outro padre tentando aliciar jovens padres 'vigorosos'. As perguntas estavam direcionadas a questões físicas (como era o corpo) e sexuais (era passivo ou ativo) desses que seriam 'aliciados'.

O Papa, já teve que se defender de boatos que o envolveram em um passado na juventude hitlerista. E, convenhamos, ele tem uma certa dificuldade no quesito empatia.... Mas ainda que a falta de empatia com alguns meios de comunicação e as acusações precipitadas de que ele teria sido adepto de Hitler não tiram o valor dessas novas denúncias. Não dá para a Igreja dizer que está vivendo um achaque demasiadamente incisivo, e injusto, da mídia. Os fatos existem.

A verdade é que a Igreja está metida em escândalos, o que não cai bem para uma instituição espiritual. Ela precisa, urgentemente, dar uma resposta eficaz ao mundo, longe de acusar os que denunciam. Talvez fosse saudável olhar para a sua política de amenizar ou acobertar envolvimento sexuais de seus dirigentes. Esse voltar-se para si mesma talvez possa ajudar a entender como foi consumida parte de sua imagem e ver o quê fez surgir frutos pobres em seu seio.

Não há como negar. Um dos grandes vilões dessa política de acobertamento é a idéia de que para ser um guia espiritual é preciso manter-se celibatário. Talvez a Igreja tenha confundido a idéia de celibato com castidade.
A idéia de celibato entre as religiões é antiga, como prática de superação dos desejos da carne e, num certo sentido, entrega espiritual. Mas o celibato nem sempre foi tido como uma opção, já que a castidade é um conceito muito mais abrangente e não necessariamente pede que seus adeptos sejam celibatários, mas refratários aos excessos, em todos os sentidos.

Infelizmente, hoje, a Igreja acabou por se tornar um lugar de refúgio não só espiritual, mas também para pedófilos homossexuais e heterossexuais – e aqui não cabe um julgamento de valor em relação as orientações sexuais de padres e freiras, mas simplesmente uma percepção de um equívoco da Igreja. Um equívoco , o celibato, que merece uma ação enérgica para impedir novos casos.

Ok, ainda que eu entenda que muitos adolescentes vivem por iniciativa própria uma iniciação sexual prematuramente. Essa prática se torna inadmissível quando uma mão adulta guia crianças indefesas, órfãos, surdos, estudantes, que não desejam caminhar pela trilha sexual antes do tempo e muitas vezes são tragados, contra sua vontade, para dentro de universos sombrios, de medo, privação da liberdade, obsessões e abusos, simplesmente porque não conseguem enxergar que o adulto a quem confiam a vida e a educação, na verdade é um lobo, literalmente, na pele de cordeiro.

Sem falso moralismo. É obvio que é necessário uma resposta rápida da Igreja e uma cobrança séria da sociedade. Afinal, sabemos que os casos que vêm a tona, possivelmente, não representem nem a metade da realidade. Talvez seja hora de ver a Igreja Católica reformular alguns de seus velhos preceitos, para poder manter-se digna em seu pedestal. Senão, arrisco a dizer que estaremos vendo o princípio do fim de uma era religiosa ocidental.

P.S.: Deixo claro aqui que este artigo não é um ataque as crenças espirituais de quem quer que seja, mas uma análise sobre a atual situação da Igreja, que precisa ser revista, ou no mínimo explicada de forma convicente. Além disso, a instituição precisa - urgentemente! - resolver esse problema (a pedofilia) que a tem molestado há algum tempo com escândalos. Sei que alguns religiosos fervorosos podem se sentir atingidos em sua dignidade ao verem seus ícones sendo questionados. Por favor, amigos, atenham-se a sua fé, não a alguns homens (e mulheres) que dirigem a sua religião. Lembrem-se: ainda somos falíveis...

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