quinta-feira, 25 de março de 2010

Um ‘AntiCristo’ equivocado


Antes de tudo, devo confessar que nunca consegui ver um filme de Lars Von Trier. Os acho chatos além da conta e extremamente metidos a intelectualismos (o sufixo ismo é intencional). Por isso, não posso falar da auto-referência do diretor em ‘Anticristo’, apenas de minhas próprias impressões.

Pensei que o diretor tinha feito o filme quando estava deprimido, devido a alguma separação conjugal. A primeira alternativa está correta, a segunda não. Von Trier não se separou da mulher. Essa talvez tenha sido a minha desculpa para o nível de ódio que o filme carrega do feminino. Para mim, só poderia ser algo concreto, pode ser algo assim, mas parece que errei o alvo. De qualquer forma não serei eu o primeiro a acusar o diretor de misoginia.

Bem, no filme do moço há referências claras a Bergman, mas sem o mesmo grau de profundidade do diretor sueco. A impressão que dá é que Lars Von Trier usa símbolos arquetípicos apenas para embasar suas teorias equivocadas. Mas vamos a história.
Na cena inicial – chamada de prólogo por Von Trier, que divide o filme em partes claramente definidas - vemos um homem e uma mulher, interpretados por Charlotte Gainsbourg e William Dafoe (ótimos), fazendo sexo. Uma cena com direito a penetração explícita feita por dublês pornôs. Enquanto os dois transam, o filho sobe num móvel e avança pela janela aberta do primeiro andar, caindo para a morte. Na hora da queda, a mulher chega ao ápice do prazer na cama. Essa a primeira dica de Von Trier sobre o quê virá a seguir e qual é o AntiCristo da história.

Depois disso, a mulher entra em depressão e o marido, um psicanalista autoritário e egoísta, resolve ele mesmo fazer o tratamento da mulher. Ele, com o intuito de vencer os medos da esposa, decide levá-la para uma floresta (chamada Éden) onde os dois têm uma cabana. Pronto, está armada a base mítica do cineasta. Adão e Eva no Paraíso.

Aos poucos, o marido vai desvelando o medo da mulher em relação a natureza, a obsessão pelo sexo, quase como uma forma de abreviar o sofrimento, e a forte culpa que ela guarda. No decorrer da fita, a mulher ainda faz evocações a presença de Satã na natureza, enquanto ela mesma vê o mal personificado em si, como exemplo último dessa natureza perversa. Na cabana, também somos inseridos nos estudos de uma tese que eram feitas pela mulher antes do acidente com o filho: A perseguição sofrida pela mulher na história da humanidade, quando muitas vezes foi queimada como bruxa.

Assim, vamos sendo guiados por cenas de masturbação física e mental – intelectualmente falando, mutilação genital, tortura e assassinato. O filme não é de terror, mas as idéias são. Lars Von Trier diz que não tem ódio da mulher, mas é difícil acreditar ao vermos o seu arco dramático. Ele mesmo já disse que em seus filmes os personagens masculinos são meio tolos, e na sua imensa prepotência assim é com o personagem de William Dafoe, um Adão tolo num ‘paraíso’ onde a natureza mostra suas garras perversas de fêmea a todo instante, enquanto o homem acredita que entende e tem poder sobre o surto da esposa, que se torna cada vez mais violenta.

No filme, Von Trier deixa transparecer que a mulher é a grande vilã e sua vilania cresce a medida em que ela descobre o seu próprio poder e prazer. Na verdade não é a mulher a vilã, nem o Anticristo, mas o feminino, um conceito que engloba muito mais coisas.

Todavia, ao se apoderar dessa idéia religiosa, que remonta a Adão e Eva, ao mito de Lilith e a queda do Paraíso, o moço faz uma leitura tacanha dessa realidade mítica e mística. Ele esquece, ou não sabe, ou prefere não dizer, de qual macho a Bíblia fala quando se refere a Adão. Não é o homem ensimesmado, egocentrado e unidimensional vivido por William Dafoe (e não estou falado da interpretação, mas da essência dentro da história). É um homem nascido do princípio masculino.

Mas não vejo Lars Von Trier preocupado com esse tipo de discussão, ele pensa muito mais em como o feminino carrega o mal em todo seu processo criativo e destrutivo. Em como esse feminino faz os homens seus reféns no sexo, em como os homens são afastados dos rituais que só dizem respeito as mulheres, em como os homens, não temos vez no nascimento, que só pode ser concebido pela mulher. Parece uma imensa queixa exteriorizada no desejo de sufocar (literalmente) a mulher, que barbariza o homem em sua masculinidade e dignidade.

Só me resta uma única certeza. Lars Von Trier deve ter tido sérios problemas com as mulheres ou, sei lá, com seu lado feminino (?). Recentemente, o cineasta informou que fez algumas experiências xamânicas, afirmou que seu animal interior é uma Lontra e que a fala da raposa no filme foi pedido de uma raposa em uma de suas visões durante os 'transes'. No filme, fica a impressão que o cara surtou e misturou vários assuntos. Sinceramente, minha impressão é que ele precisa de ajuda urgente, a mente anda meio perturbada. Ainda bem que ele faz terapia e parece que já saiu da depressão (ele detonou com os terapeutas no longa)...

Mas o mais estranho são os críticos (muitos) que viram no filme uma obra prima. Para mim, a melhor explicação sobre a obra está nas cenas do filme onde Von Trier repete que 'o caos reina'. É verdade, o caos reina, na história, na cabeça do cineasta e em todo lugar, principalmente na vida real. Assim como reina nas nossas obras de arte modernas que não dizem nada, são apenas conversas solitárias e vazias que levam apenas a becos sem saída, concebidas por mentes mergulhadas no poço da depressão.

Alguém tem que dizer para ele que dentro de um poço, muito fundo, não dá para ver nada, só escuridão. Tem que subir mais um pouquinho para respirar outros ares e conseguir ver a luz do sol.

Apesar de tudo, parece realmente o melhor filme dele. Pelo menos consegui ver até o final. E ele ainda disse que era romântico... A idéia de romantimos para ele, então, é a solidão.

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