segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Um mergulho infantil: As Crônicas de Nárnia – A Viagem do Peregrino da Alvorada

Antes de qualquer coisa, o título do artigo não tem duplo sentido. Para fim o filme é um mergulho no universo de fantasia infantil. A primeira vez que vi As Crônicas de Nárnia era criança. Foi um desenho animado que passava na sessão da tarde. Apaixonei-me pelo filme, que passou a fazer parte dos meus preferidos. Era ‘O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa’. O filme lembrava as brincadeiras de faz de contas. Crianças entrando dentro de um guarda-roupa e descobrindo um outro mundo onde vivem aventuras eletrizantes e descobrem a bravura e criaturas míticas.

Já no primeiro filme, a imagem do Leão era algo que impressionava, indo para o sacrifício voluntário, sendo tosado e ressuscitando. A referência era clara: Cristo. Depois retorno á essa referência. Vamos ao terceiro filme da franquia.

As Crônicas de Nárnia: A Viagem do Peregrino da Alvorada (The Chronicles of Narnia: The Voyage of The Dawn Treader/2010) conta o retorno de Edmundo (Skandar Keynes) e Lúcia Pevensie (Georgie Henley) à Nárnia.

Neste episódio, a família está dividida. Enquanto os irmãos mais velhos, Pedro e Susana, estão morando com os pais nos EUA, Edmundo e Lúcia ficam hospedados na casa de tios, em Londres, a espera do fim da 2ª Grande Guerra.

Edmundo e Lúcia sofrem com o incômodo e emburrado primo Eustáquio Mísero (Will Poulter) até que todos acabam sendo transportados mais uma vez para Nárnia, onde reencontram o rei de Nárnia, Caspian X (deixado no segundo episódio) e o rato Ripchip. Juntos, todos viajarão à bordo do navio Peregrino da Alvorada, a procura dos sete fidalgos e as suas respectivas espadas. Ao reunir as sete espadas sobre a mesa de Aslam os heróis poderão vencer o mal que assombra os mares de Nárnia. Para isso, enfrentarão diversos perigos e aventuras em inúmeras ilhas.

O roteiro é frágil, não vai muito além disso, mas ao contrário do primeiro episódio da série, onde era difícil de acreditar que as crianças conseguiriam vencer as feras comandadas pela Feiticeira do título, neste episódio as idéias são mais plausíveis. Pelo menos.

Os efeitos especiais não deixam nada a desejar às grandes franquias do gênero, mas o contribuição mais deliciosa é mesmo a dobradinha entre o ratinho Ripchip e o primo Eustáquio Mísero. Ainda que Eustáquio no início do longa beire o insuportável e o longa o pinte como um covarde que gosta de dizer que é pacifista (uma tirada no mínimo de mal gosto). O garoto ganha tons mais amenos na segunda metade da ficção.

É interessante como todos os filmes da série colocam as crianças para vencer situações que têm a ambição pelo poder, a vaidade, o ciúme e o medo como molas propulsoras do mal, mas não consegue ir fundo o suficiente quando aponta defeitos de personalidade nas personagens. Assim foi no primeiro episódio da série, quando Edmundo foi seduzido pela Feiticeira Branca (interpretada pela atriz britânica Tilda Swinton). Neste, quando Lúcia vê despertar em si a inveja no desejo de ser como a irmã mais velha, mas, depois de um rápido sonho, muda de idéia, o filme perde a oportunidade de aprofundar um pouco mais a personalidade da personagem.

É uma aposta na unidimensionalidade e num filme sem grandes pretensões. Mas seria interessante ver Lúcia, a menininha que abre as portas do mundo de Nárnia no primeiro episódio, amadurecendo um pouco mais.

Na Viagem do Peregrino da Alvorada, o Leão, Aslam, avisa que também faz parte do mundo real, vivido pelos irmãos, e diz que eles precisam aprender a reconhecê-lo. Bem, aí retomo a parte inicial do artigo.

O escritor irlandês C.S.Lewis sempre deixou claro sua intenção de fazer da série uma espécie de apanhado moral e cristão às crianças, utilizando um universo de contos de fadas, agregado a mitologia nórdica e grega.

A mistura talvez explique a idéia de mostrar Cristo como o Leão.

Agora vamos para as especulações. Acredito que todos sabem que Jesus não nasceu no dia 25 de dezembro. A data foi criada pela Igreja Católica para neutralizar outras comemorações consideradas pagãs, como a data em que a Mãe Terra dá à luz a "criança Sol", que viria para anunciar um novo tempo, da Mitologia celta. Ou a comemoração do nascimento de Dionísio, na Grécia antiga. Ou ainda a comemoração do nascimento de Horus, no Egito antigo. De Krishna na, Índia ou de Mithras na Pérsia.

Não vou nem entrar no mérito de que todos esses deuses tratam de um mito solar, muito próximo ao de Cristo. São deuses que vencem o mal, de alguma forma espantam as sombras e falam da redenção humana.

O Leão tem uma relação profunda com a consciência. Na astrologia é o símbolo do sol, da identidade, da alma. Significa generosidade e aquele que é capaz de doar a vida em prol dos demais. É o rei. Não da floresta, mas do sentido de ser.

Por isso não é de estranhar que C.S.Lewis em 1950 resolvesse resgatar símbolos outrora perdidos, mas ainda vistos como positivos, para falar à psiquê dos pequenos. O estranho é que hoje em dia parte das igrejas vejam nesses simbolismos o desvirtuamento do ensinamento cristão. Vale a ressalva: não é um símbolo que pode destruir o verdadeiro sentido do que é ser cristão, mas a não observância dos preceitos religiosos por aqueles que se dizem guardiões dessa moral.

O símbolo, ao contrário de deturpar ou diminuir, pode enriquecer uma idéia agregando muito mais força do que é possível fazer com algumas palavras. Eles falam diretamente com imagens ao inconsciente. Imagens que nem sempre podem ser traduzidas numa frase.

Por tudo isso, A Viagem do Peregrino da Alvorada é um belo filme, apesar do roteiro fraco e das atuações unidimensionais. Vale como entretenimento de fim de ano. E o título é um achado, já denuncia um amanhecer qualquer capaz de redimir o viajante cansado.

Sim, a título de curiosidade: Liam Neeson faz a voz de Aslam.

Um comentário:

Sirius disse...

Excelente comentário.
Assisti O princípe Caspian e agora este (aliás foi a comemoração da saída do meu período de Dengue), conheci Nárnia recentemente e fucei muito (Na Net) sobre a história de CSLewis e etc...Gostaria muito de ter andado por este mundo desde criança, mas não posso me queixar tive outras cias. prestimosas (Emilia, Narizinho e por ai vai).
Muito pertinente seu comentário sobre a falta de aprofundamento das questões (inveja, poder....) Caspian parece ter amadurecido mais!
Meu próximo passo: ler !
Comprei o volume único!