terça-feira, 7 de dezembro de 2010

A boa surpresa de Scott Pilgrim


O filme Scott Pilgrim (Scott Pilgrim Contra o Mundo, 2010) é uma viagem. Melhor dizendo, duas. Primeiro uma viagem para dentro do universo do game, segundo, um mergulho conceitual sobre a vida até os 25 anos. Há no filme uma adolescência esticada além do racionalmente aconselhável.

Apesar disso, o longa manda recados muito bem vindos, na forma livre dos relacionamentos afetivos. Não é difícil de perceber que essa vida expressa em Scott Pilgrim não é só uma idealização das ânsias dessa nova juventude que surge no mundo, mas também um espelho – ainda que não totalmente fiel – de uma realidade.

O universo do filme é artificial, superficial, quase em tirinhas, mas irresistível. Scott (Michael Cera) é um rapaz de seus 22 anos, pintado como um galinha contumaz desde que foi chutado por sua última namorada - uma namorada que trocou de nome, namorado e faz sucesso com uma banda de rock. A fama de pegador não combina muito bem com o ator Michael Cera, mas o jeito nerd do ator, até imprime um charme diferente à idéia de homem que faz sucesso com as mulheres.

Pilgrim também tem uma banda de garagem – na verdade eles tocam na sala –, é baixista da Sex Bomb-Omb e está em busca do sucesso.

Após o fora da namorada, ainda vivendo o limbo do fim da relação, Pilgrim passa por uma lista imensa de garotas (isso é apenas mencionado no filme), e termina por namorar uma secundarista de 17 anos, Knives Chau (Ellen Wong), descendente de chineses. É o fundo do poço de uma espécie de falta de auto-estima.

O nosso protagonista divide um apartamento – o qual chama de esconderijo secreto – com um amigo, Wallace Wells (Kieran Culkin). Na verdade Pilgrim divide a mesma cama – sem nenhuma conotação sexual. Wallace é um gay divertido, um tanto esnobe e, às vezes, uma espécie de grilo falante para Pilgrim.

Tudo corre aparentemente numa pasmaceira monocórdia até que o baixista sonha, literalmente, e posteriormente se encontra com uma moça de cabelo rosa: é Ramona Flowers (Mary Elizabeth Winstead). A atração é imediata. Todavia, para ‘ganhar’ Ramona, Scott precisa enfrentar a liga dos sete ex-namorados do mal da garota. Aí começam as lutas dignas de super-heróis, num quê de universo virtual e game - com direito, inclusive, a vida extra, como acontece nos games. As lutas, apesar de absurdas são sempre vistas com extrema naturalidade pelos coadjuvantes do longa. Essa naturalidade é também outro charme do longa.

"Scott Pilgrim" conta uma história básica de amor juvenil, mas o filme não é só isso. Investe no significado de amor que vai contra a idéia do socialmente aceitável – vale notar que Ramona sempre namorou personagens à margem e seus cabelos multicoloridos reforçam sua conotação underground ou alijada da sociedade.

A história também fala de um tipo de amor onde tatuagens, piercings, relações fulgazes, homossexualidade, não são mais dignas de nenhuma crise existencial nem brigas familiares homéricas. É um novo mundo, com certeza.

Um outro aspecto do filme são as onomatopéias. É mangnífica a mistura entre quadrinho e cinema e quando a banda de Scott toca a viagem é completa. É delicioso tanto ver quanto ouvir. Cada acorde de guitarra, as batidas da bateria de Kim Pine (Alison Pill), o baixo de Scott, o vocal de Stephen Stills (Mark Webber), junto com as onomatopéias, transportam para o universo do quadrinho. E tudo fica mais divertido ao ouvir as músicas de letras mínimas.

A montagem investe em cortes rápidos, secos e na maioria das vezes, fabulosos, criando passagens de cenas dignas de games, mas ao mesmo tempo bastante inventivas.

É verdade que é possível dizer que os ex-namorados do mal são como sombras que Scott precisa vencer para realmente ficar com Ramona por inteiro, mas o filme não exige complicadas conceituações da realidade, pede apenas diversão, quase como um pensamento adolescente. Uma bela surpresa.

Curiosidades - Lançado em 2004 pelo quadrinista canadense Bryan Lee O’Malley, à época com 25 anos de idade, a primeira das seis edições de Scott Pilgrim (o nome tem origem numa música da osbcura banda Plumtree) deu início à saga do jovem universitário que mora no tedioso Canadá, divide apartamento com um amigo homossexual, joga videogame, toca numa banda de rock de garagem, faz compras pela internet e não encara a vida com empolgação digna de nota – até se apaixonar perdidamente por Ramona Flowers, uma garota descolada recém-chegada de Nova York.

O compositor Jeff Beck participou ativamente de toda a trilha sonora, inclusive compondo a música “Ramona” e emprestando seu tecladista, Brian LeBarton, para criar uma versão 8-bit digna de um clássico do GameBoy.

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