sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Capitão Nascimento: o mais novo niilista do BOPE


O filme Tropa de Elite 2 conseguiu uma façanha. Ele é melhor que o anterior – estima-se que o primeiro Tropa foi visto por 11 milhões de pessoas em todo o Brasil.

Tropa de Elite 2 não é melhor só porque coloca para pensar e abandona sua ótica fascista de limpeza étnica – é impossível não admitir que há um quê de fascista no filme, quando incita no telespectador à violência ao explicitar a própria violência. Entendo que o diretor José Padilha não tinha a intenção de atingir esse alvo. Mas atingia, bastava ver a reação na platéia.

Só para lembrar. No primeiro filme os bandidos eram policiais corruptos ou marginais do morro. Estes recebiam com a mais cândida desfaçatez dos policias do BOPE a sentença da morte. Verdadeiros ‘heróis’ truculentos a lá Sylvester Stallone comandados pelo Capitão Nascimento, personagem vivido por Wagner Moura. Para Nascimento, bandido bom era bandido morto.

No primeiro Tropa, ainda havia espaço para outros tipos de bandidos: os ‘filhinhos de papai’ que subiam o morro para montar Organizações Não Governamentais (Ongs) e que acabavam servindo ao tráfico, ou estudantes que discutiam a dialética da violência do estado e não se preocupavam se suas baforadas de maconha serviam para alimentar o tráfico. Para alguns desses estudantes, o traficante, o bandido, ainda podia ser idealizado com um sujeito à margem do sistema, e por isso também com uma certa aura de herói.

O filme, de 2007, apesar da violência quase absurda, ainda guardava tempo para fazer humor e drama e aí surgiram bordões impagáveis como ‘pede para sair’, ‘o senhor é um fanfarrão’ ‘tu é moleque’, ‘pega a vassoura’.

Agora, o segundo Tropa de Elite, abandona o humor quase por inteiro – lembro apenas de um bordão interessante: ‘quer me foder, então me dá um beijo na boca'. O filme muda o foco dos bandidos do morro. Vai ao que interessa de fato: os bandidos de ‘colarinho branco’. Aqueles que ficam sentados atrás de gabinetes e muitas vezes aparecem nas colunas sociais ou nas páginas políticas.

O filme segue os dias de Capitão Nascimento, após quase quinze anos da primeira história. Nascimento agora está separado da esposa e tem o filho no inicio da adolescência, é Tenente-coronel e já não está mais nas ruas. A esposa casou-se novamente, infelizmente, para ele, com seu arquiinimigo, um ativista dos direitos humanos: Diogo Fraga, interpretado por Irandhir Santos. Quem está nas operações de rua é o Capitão Matias (André Ramiro), que já não é mais o ingênuo aluno do início da história do BOPE e de Nascimento.

Mas vamos à ação. Depois de uma operação mal sucedida, para os direitos humanos, onde o BOPE entra no presídio Bangu I, no Rio, e acaba fulminando algumas peças medonhas do tráfico na presença de Diogo Fraga, o governador do Rio de Janeiro – há uma leve menção, algo longínquo, ao Leonel Brizola, me disseram – é obrigado a rebaixar Ramiro, retirando-o do BOPE e o incorporando a um batalhão da PM – um dos mais corruptos, diga-se de passagem – comandado por Fábio (Milhem Cortaz).

Mas ao invés de demitir Nascimento – a estrela maior da corporação – o governador se vê na obrigação de promovê-lo. O Capitão se torna subsecretário de Segurança Pública do Rio. Também usufruindo os louros da operação, o ativista Fraga consegue se eleger para a Assembléia Legislativa do Rio e entra na política partidária.

Com Nascimento na Subsecretaria, o BOPE recebe atenção especial, com novos carros, mais homens e armamentos. As ações são intensificadas e muitos bandidos vêem seus negócios serem drasticamente diminuídos. A investida começa a atrapalhar os negócios da polícia corrupta – que tem na sua ponta de lança Russo (Sandro Rocha). Mas não demora muito esses policiais corruptos descobrem um novo negócio. Ao invés de extorquir do narcotráfico passam a fazer a segurança particular nos bairros. As vítimas agora são os comerciantes. Surgem aí as milícias clandestinas com apoio de políticos, em troca de votos.

O tempo passa. Anos depois teremos a precipitação do confronto entre o herói Nascimento contra o sistema podre que tem seus tentáculos no Estado.

O roteiro (do próprio José Padilha e Bráulio Mantovani) está enxutíssimo e mantém a tensão e a atenção do filme, ainda que haja uma certa quebra na história. Afinal, Tropa 2 tem um outro tempo. A montagem de Daniel Rezende mantém a força do longa e lembra em alguns momentos ‘Cidade de Deus’, talvez por recorrer tanto ao diálogo com a câmera e a narração em off, que interfere na própria imagem. O filme também usa o recurso de recontar uma cena que já foi mostrada de forma diferente, artifício utilizado em ‘Cidade...’

Wagner Moura está excelente e constrói um herói que se corrói por dentro ao sentir que perde a luta pelo amor do filho Rafael (Pedro Van-Held), que se aproxima cada vez mais do padrasto Fraga. Ao mesmo tempo Nascimento sente que perde a luta contra a corrupção.

Tropa de Elite 2 reflete essa questão: qual o tipo de arma deve ser usada para combater a corrupção e a bandidagem. Aponta dois caminhos: o político e a força bruta militar. Olhando por esse lado também pode ser um paráfrase dos regimes militar e civil construídos no Brasil e do glamoroso fracasso de ambos em instituir uma ordem mínima.

O longa de Padilha desnuda a desesperança, ao contrário do anterior, que raspava na barbárie truculenta do BOPE como solução para o tráfico e para o desespero da violência na metrópole. Desta vez, o diretor revela um pouco mais do que pensa. O filme é quase um manifesto ao niilismo. Um beco sem saída do cidadão comum que se sente emparedado entre políticos e instituições governamentais e polícia. Todos, ou quase todos, podres.

Tropa de Elite 2 revela instituições viciadas no enriquecimento ilícito ou na overdose do poder. No seu niilismo lembra os filmes de Sérgio Bianchi: ‘Vale quanto pesa ou é de graça?’ e ‘Politicamente Incorreto’. É a tradução de uma realidade que está cada vez mais impossível de suportar. Imperdível.

Um comentário:

Marcel disse...

Paulo, brilhante crítica ao filme. Assisti com minha esposa e foi justamente essa a sensação que tivemos. Menos comédia, menos heroísmo da violência e a exposição fortíssima da raiz do problema: a política. O buraco é realmente mais em cima. E o pior, como a boca e mais em cima, o buraco é mais fundo. No primeiro Tropa ficava a sensação "tem que botar para fuder para ver se resolve". No segundo, viu-se que "botar para fuder" não resolve. E, sem querer apontar saídas fáceis ou sugestões fica realmente a sensação de desesperança. Perfeitamente captada por você. A melancolia, cansaço e força interna de Moura no personagem foi sensacional. Atuação "foda"! Só resta uma pergunta: por que não estreiou antes de 3 de outubro? Abraço