terça-feira, 6 de abril de 2010

Daniel Filho faz um 'Chico Xavier' sem surpresas

Vi neste domingo (04/04) o filme ‘Chico Xavier’. Antes de qualquer coisa: gostei do longametragem. Infelizmente, o maior mérito está no próprio personagem, por si só interessantíssimo e importante na história recente do Brasil. Contudo, ainda não foi dessa vez que o diretor Daniel Filho, sempre monótono nas abordagens que faz, conseguiu dar um salto qualitativo.

Daniel Filho evitou uma abordagem mais arrojada e acabou fazendo um filme chapado, sem grandes surpresas. Além disso, é visível que o ator Ângelo Antônio cresceu substancialmente nas suas interpretações, vide ‘Os Dois Filhos de Francisco’, desde que foi lançado pela Rede Globo, mas foi um erro escolhê-lo para fazer o papel de Chico adulto, principalmente quando temos um Matheus Rocha – Chico criança –, magnífico na tela, e um Nelson Xavier – Chico idoso – mimetizando quase a perfeição o espírita mineiro.


Ângelo Antônio é o elo mais fraco dos três atores, mas é justamente o encarregado de vivenciar o início da trajetória espírita do médium. Uma tarefa delicada. Não digo que ele se sai mal, pelo contrário, acho que ele vai além de suas limitações, mas não impede – ou contribui – os momentos mais arrastados do longa.

Bem, vamos por partes. O cinema estava lotado, coisa ainda incomum para um filme brasileiro. Mas talvez se explique por que a história de Chico Xavier ganhou os holofotes nos últimos dias, graças a uma propaganda maciça da TV. Além disso, o espiritismo é uma religião que, por si só, causa curiosidade. Não dá para esquecer que o povo brasileiro é afeito ao sincretismo e palavras como possessões, trabalho feito, mau olhado, benzedeira, olho gordo, macumba, mesa branca, reencarnação, não são exatamente novidade, ainda que realmente incompreensíveis para muitos.

Assim, o filme começa. Vemos Nelson Xavier na pele de Chico (não há parentesco entre os dois). O ator mostra um trabalho primoroso de interpretação. Chico reza num camarim e a imagem esfumaçada, meio fantasmagórica do ator, adianta qual o tema do filme. O letreiro paira sobre o personagem como se o circundasse um universo invisível. Ele pede a presença da mãe e ouve um homem ao fundo dizendo que estará com ele. É o guia Emmanuel. O diálogo é com o invisível.

Depois Chico entra literalmente em cena, num programa de auditório. Onde várias pessoas lhe farão perguntas e colocarão em xeque a doutrina que professa. Em determinado momento a câmera assume a imagem em preto e branco da televisão e avança sobre o granulado da imagem como se quisesse ir além da imagem e somos transportados para o início do século XX, no interior de Minas, na cidade de Pedro Leopoldo, quando Chico ainda era criança.

A transição do auditório para o passado é suave. A partir do granulado da tela de TV, a câmera avança sobre as nuvens. Sobrevoa como se estivesse buscando alguém até que vemos uma casa e dentro dela um menino (Matheus Rocha) que sob as ordens da madrinha (Giulia Gam) é obrigado a lamber uma ferida de outro garoto. Supostamente para curar o menino.

Após essa cena, Chico criança está deitado ao pé de uma árvore e conversa com uma mulher. É a sua mãe. O menino se queixa da madrinha, enquanto a mãe ameniza, pede paciência e diz para que o filho se contenha e suporte tudo sem reclamar ou responder a madrinha. A relação dos dois é de cumplicidade. Chico é chamado pela madrinha e a mãe se despede. Só aí percebemos: ela é um espírito.

É um início delicado, extremamente bem cuidado, mas as intervenções poéticas vão sendo diluídas no pragmatismo do diretor em se ater aos fatos reais. As belas abordagens serão raras a partir daí, mas surpreendem.

Chico cresce sob os olhares incompreendidos da madrinha, que o maltrata. De um pai que questiona se o menino tem algum problema mental e com anuência do padre local obriga o filho a pagar um promessa com um tijolo na cabeça e rezando 100 Aves Maria. Temendo fervorosamente carregar consigo algo satânico, é comovente vê-lo tentar deixar de lado sua mediunidade, mas nada disso muda a realidade que ele enxerga.

A infância do médium é dolorosa, solitária, envolta nos xingamentos dos colegas, confundido como um louco, estranho e perturbado. Mas Chico jamais deixa de prestar seus respeitos à Igreja Católica.

Só quando estiver adulto o médium começará a entender o que acontece com ele, após conseguir expulsar um obsessor do corpo de sua irmã com a ajuda de um casal espírita. Outra bela cena. Chico é chamado para ajudar a libertar a irmã que se contorce amarrada numa mesa. O médium desamarra a irmã e carinhosamente entabula uma conversa com o espírito, pedindo para que a libere. Também é aí que o médium, finalmente, recebe a visita de seu guia espiritual: Emmanuel.

Emmanuel, no primeiro encontro com Chico avisa que é preciso aprender três regras básicas para o trabalho: disciplina, disciplina e disciplina. O guia é duro na forma como trata Chico e o avisa que o trabalho é árduo, que ele será chamado de louco, charlatão que muitos ficarão contra ele. Neste período começam as sessões intermináveis no Centro Espírita onde o médium atende. É o início de um cem número de livros escritos pelas mãos do mineiro, ditadas por vários espíritos, entre eles Olavo Bilac, Augusto dos Anjos, Humberto de Campos e Castro Alves.

Chico faz desobsessões, receita medicamentos caseiros, recebe a Imprensa. Num passagem curiosa, os repórteres da revista O Cruzeiro, David Nasser e Jean Manzon, se passam por jornalistas do New York Times em busca de uma matéria com o médium brasileiro. Antes da entrevista, Chico entrega dois de seus livros aos jornalistas e depois se submete a uma batelada de perguntas, respondidas pelos espíritos através de psicografia sobre os mais diferentes assuntos. O médium escreve em inglês, português e Francês. Entre as perguntas temas como economia e política social.

Na redação de O Cruzeiro, David está prestes a escrever uma matéria acusando Chico Xavier de fraude – afinal como ele poderia falar com espíritos e estes não lhe orientaram sobre a falsa identidade dos jornalistas. A matéria já está pronta quando Jean mostra ao colega os livros autografados pelo guia Emmanuel. Na dedicatória os nomes verdadeiros do jornalista.

Também é nessa época que a igreja católica começa uma sistemática campanha para dissuadir seguidores que buscam no espiritismo uma saída aos males que lhes afligem.

Desde a infância até a velhice o médium vive uma vida espartana, sem luxos. Uma rotina onde escreve, atende aos necessitados e ainda trabalha como servidor público (não fica claro a partir de quando Chico deixa de trabalhar para se sustentar). A morte se dá em 2002, aos 92, mas o filme não vai até lá.

Chico deixa um legado substancial. 419 livros escritos e traduzidos para 33 países. De menino pobre e filho de pai inculto e mãe lavadeira, Chico Xavier torna-se o maior expoente do espiritismo após a morte do francês Alan Kardec, que psicografou os livros que dão hoje fundamento à religião.


Apesar da 'pegada' dura de Daniel Filho, o filme vale a pena. Pela personalidade e vida do médium, além dos belos momentos do longa – alguns realmente emocionantes – e pela atuação dos atores. A ficção ainda conta com Tony Ramos e Cristiane Torloni em boas perfomances. 'Chico Xavier' bateu recorde na estréia, levando 593 mil pessoas da sexta ao domingo de páscoa. Mais do que 'Se Eu Fosse Você 2' e quase a metade de tudo que conseguiu 'Lula - O Filho do Brasil'.

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