segunda-feira, 6 de setembro de 2010

‘Nosso Lar’: entrevista com Wagner Assis


Estou postando aqui a entrevista com o diretor do Filme Nosso Lar, Wagner Assis, feita com exclusividade para a Revista NORDESTE de setembro.

O carioca Wagner Assis, de 39 anos, é o responsável por um feito do cinema nacional: O filme ‘Nosso Lar’. O filme, inspirado no livro ditado pelo espírito André Luiz e escrito por Chico Xavier há 60 anos, conta a história do próprio André Luiz, um dos guias espirituais de Chico, desde a morte, passando pelo Umbral – uma espécie de purgatório – até ser recebido na cidadela espiritual chamada Nosso Lar. Lá André Luiz irá entender muito do real propósito da vida na terra e o que significa de fato a morte. O livro é um clássico do espiritismo e um desafio monumental quando se pensa em transpô-lo para as telas: já que as locações se dão em maior parte num plano espiritual. A empreitada significaria investimento pesado em efeitos visuais. O filme, que já está em cartaz, lança luz sobre o mundo espiritual professado por Chico Xavier e Alan Kardec, hoje considerados ícones do espiritismo. Não é exagero dizer que a aventura de Wagner Assis impulsiona o cinema nacional para novas possibilidades: a aposta em nichos de mercados – no caso o filão espiritual – e numa produção alta para os padrões brasileiros. O filme custou cerca de R$ 20 milhões, boa parte do dinheiro conseguido entre os próprios espíritas e simpatizantes. Nosso Lar utiliza efeitos especiais convincentes, mas não fica só aí, tem no ‘staff’ de produção o fotógrafo Ueli Steiger , o suíço que fez a fotografia de O Dia Depois de Amanhã, Godzilla e Independence Day e ainda tem a trilha sonora escrita por Phillip Glass – o ex-minimalista responsável pela trilha de Koyaanisqatsi, Mishima, Kundun, O Show de Truman, As Horas e Notas de um Escândalo. Bem, foram necessários dez tratamentos de roteiro ao longo de três anos, uma equipe de mais de 1.500 figurantes, montar uma muralha de sete metros de altura e iluminar uma imensa pedreira no Rio de Janeiro para realizar o filme, que não tem estrelas globais. O resultado é um filme que empolga pelas possibilidades que levanta.

Você está percorrendo as cidades para fazer a divulgação do filme?
Estou percorrendo as cidades em relação ao lançamento, mas já fiz isso quando do próprio projeto em si. Desde o Congresso Espírita Brasileiro comecei uma maratona de percorrer grupos espíritas e espiritualistas, centro de estudos de religiões, escolas de cinema. Já são mais de 20 mil pessoas. Eu, a produtota Iafa Britz, o produtor executivo Luiz Augusto de Queiroz. A gente está fazendo São Paulo, Rio de Janeiro, Goiânia, Brasília, Fortaleza, Salvador e João Pessoa.

E é uma estratégia de marketing, investir em nichos específicos?
É uma estratégia. Na verdade uma estratégia que eu inventei. Não é uma estratégia pensada e elaborada não. Eu dizia: eu preciso ir nos lugares onde as pessoas gostam do livro. Onde estão os leitores do livro. Essas pessoas são os meus aliados para falar desse filme. Eles compartilham comigo dessa realidade.

O que te motivou a fazer esse filme?
Em 2005 eu tinha lançado o meu filme anterior ‘A Cartomante’, um filme baseado na obra de Machado de Assis, um conto. Eu adaptei, era o primeiro filme que eu estava dirigindo. Eu já tinha escrito outros tantos projetos para o cinema. Tinha sido contratado para escrever uma minissérie sobre Marechal Rondon, ‘Rondon, o Grande Chefe’, que vai ser produzida por Luiz Carlos Barreto. Mas quando é o seu próprio projeto você se questiona onde quer mergulhar. Esse é um livro que vive na minha prateleira e faz parte da minha vida desde os anos 80 quando eu li ele pela primeira vez. Li e fiquei muito impactado pela realidade que apresenta e pela credibilidade que ele trás a respeito de seu autor material que é o Chico Xavier e do autor espiritual, o André Luiz. Eu não questionava o Chico, nunca questionei e pensei: se isso é verdade, a vida muda. O paradigma da vida muda. O livro ficou na cabeceira. Então, em 2005, eu pensei qual o meu próximo mergulho? Eu quero fazer uma coisa que eu goste muito e eu gosto muito do ‘Nosso Lar’. Eu tinha dúvidas se era exeqüível. Fui na Federação Espírita Brasileira e apresentei uma proposta. Eu disse: acho que o mundo está maduro para ver uma proposta como essa. Eu achava,era pura suposição. Eu disse que gostaria de fazer o filme conduzido por dois critérios muito claros: primeiro, dar a história tudo que ela merece em termos técnicos e dramáticos para o cinema. Tentar encontrar o máximo de dinheiro possível, os melhores profissionais. Tentar fazê-la da melhor forma possível. Com credibilidade. O segundo norte era tirar da história o que ela tem de mais amplo e universal. Trazer para o cinema uma história que pudesse ser vista por quem leu o livro, por quem acredita, mas também, e porque não, por quem não leu e não acredita. Hoje o que a gente apresenta na tela é o exercício e o trabalho de uma história bem contada. E uma história que tem em sua essência coisas que estão presentes na doutrina espírita sim, mas além de tudo uma história sobre a condição humana que se passa no mundo espiritual.

Conta como foi que a Fox entrou na distribuição do filme e como foi construir esse mundo espiritual todo virtual?
A Fox na verdade foi a primeira distribuidora que eu fui. Eu acho que é uma temeridade você começar a filmar sem ter um distribuidor. Não aconselho isso para ninguém, já vivi essa experiência e sei que ela é errada, para quem almeja trabalhar com cinema em mercado. É quase como você plantar tomate e não ter o caminhão que vai levar e nem o mercado do tomate para vender. É preferível mudar de projeto ou adequá-lo a filmar uma história sem distribuição. A Fox foi a primeira. Eu sentei lá em 2006, logo depois que os direitos foram cedidos. Conversei com a Eliana Ribas, a coordenadora de projetos nacionais. Ela disse que já conhecia o livro. ‘Esse livro você vai fazer com a gente da forma que você quer, estamos juntos e vamos distribuir esse filme com você’, ela disse. Hoje me surpreende de uma maneira muito bacana com a forma como a Fox está trabalhando com o filme. São 400 cópias, é um super lançamento. Todas as capitais brasileiras vão ter o filme no dia 3 de setembro. Isso foi a percepção deles pela ansiedade do público com esse filme.


E os efeitos especiais, foram feitos no Canadá?

Exatamente. Os efeitos fazem parte dessa questão de tentar dar a história tudo que ela merece. Em determinado momento, olhando o roteiro a gente percebeu que não seria fácil executar e a gente precisava de muito apoio de efeito visual. Onde encontrar isso? Onde encontrar uma empresa que soubesse como lidar e trabalhar mais de 300 imagens sem que essas imagens fossem mais importantes que o filme, num prazo razoável, por conta dos investidores. Então, fomos a Los Angeles, Nova Iorque, Londres, Bancoc, eu quase não falei para as pessoas que até em Bancoc prospectamos empresas. E no Canadá encontramos a Intelligent Creatures (Criaturas Inteligentes). Essa empresa já fez desde filmes hollywoodianos como Watchmen, filmes de ação, até filmes de arte como A Fonte da Vida, Babel. Enfim, eles levaram para o Rio de Janeiro, um supervisor de efeitos visuais, desde a pré-produção, fomos descobrindo como fazer o filme, fomos aprendendo. Não é uma coisa completamente nova trabalhar com chroma key (tela azul), mas não era só isso, tinha também os fluidos que saem das mãos, do sopro. Os espíritos volitam, não se locomovem. A gente tinha que entender como fazer isso. Tem as maquiagens, os cenários, os fundos de cenário. O ambiente do Umbral passando para o Nosso Lar e tinha uma cidade que tínhamos que construir literalmente no computador. Uma cidade com topografia, rua calçada, poste, rio. Enfim, tudo isso foi um grande desafio.

Quem ficou a cargo da cenografia?
A pré-produção de verdade começa em novembro de 2008 quando entra a Lia Renha, diretora de arte e sua equipe de mais de dez cenógrafos arquitetos. E aí de repente a produtora virou um escritório de arquitetura, porque era planta baixa para tudo que é lado e prédio sendo projetado e a gente conceituando. Como são os prédios da área principal. Seriam mais futuristas para a época da história, que se passa nos anos 30. Então imaginamos que hoje, em 2010, a gente pode enxergar com a credibilidade da tecnologia que veio para o planeta, como seria a cidade na década de 30. Fizemos o caminho inverso. Ora, se os computadores foram inventados na década de 50, na década de 30 existiam telas iguais a computadores no mundo espiritual, partindo do conceito que o mundo espiritual é que antecede as coisas na terra. Isso está dito no livro, não estamos inventando, está na história. Ao mesmo tempo também tínhamos a área residencial. Entendemos que a área residencial não devia ser futurista, era uma projeção de quem tinha vivido no Rio de Janeiro nos anos 10, 20. Então a gente foi buscar uma área residencial décor, de casinhas coloridas, simbolizando a vida que foi recebida. Fica quase Kitsh, mas não é, é só um simbolismo. E tudo bem se ficar kitsh.

Como ficou o resultado final e toda essa reconstituição de época, já que o cinema brasileiro tem uma certa dificuldade com reconstituição?
Tínhamos uma licença bacana porque era uma época projetada num mundo espiritual. Então a gente pôde navegar para um lado e para o outro. Embora a gente tenha buscado um certo tipo de interpretação que não fosse completamente de época para não ficar empolado, mas que não perdesse o resquício daquele tempo. Então os ministros, os mentores, o governador, eles falam como os homens falavam nos anos 30 quando subiam nas tribunas. A gente tirou só o vocabulário, o vocabulário é o usado hoje. Figurino também seguiu a mesma coisa. Brincar de fazer efeito visual é uma brincadeira cara e maravilhosa e tem o limite: o dinheiro. Porque se não tiver esse limite a imaginação vai embora. Como a gente não é uma produção hollywoodiana, como algumas pessoas falam, tínhamos um limite e esse limite chegou no ponto em que a gente falou: está crível. Você acredita que esse cara está vivendo nessa cidade espiritual. Você acredita em tudo que está vendo. Então é aqui que a gente vai parar e entregar o pacote. Isso nove meses depois.

Onde você captou dinheiro para fazer o filme e quanto ele custou?
A captação tentou ser através da lei do audiovisual. Mas eu esbarrei muito em não quererem. Às vezes tinha diretor de empresa que era simpatizante com a doutrina, mas por algum motivo quando chegava na hora de fechar o contrato, não dava certo. Eu fiquei do início de 2006, até o inicio de 2008 batendo na porta, com contratos que eram feitos e desfeitos. Através dos benefícios da lei. Aí eu comecei a buscar o outro lado. É um livro importante, mais de 60 anos de vida, mais de 12 milhões de leitores, mais de 2 milhões de exemplares vendidos. Existe uma credibilidade muito grande. É um país que gosta do tema, cujos filmes norte-americanos que lidam com esse tema são sucesso de bilheteria. As novelas, o próprio Renato Prieto (ator principal) tem um projeto de teatro e vive desse projeto com temática espírita. Aí eu fui procurar investimento direto. Encontrei no Banco BRJ o meu primeiro apoio e aí a gente foi encontrando um pequeno grupo de pessoas jurídicas e físicas que resolveram topar o processo.

Todos espíritas?
Um deles nem conhecia o livro. Só tinha ouvido falar de Chico Xavier. Mas gosta de cinema, gosta da arte como forma de expressão em massa e que fale com as pessoas da forma bacana. A gente foi fechando os acordos. Eles têm toda a prioridade de retorno. Praticamente todo o lucro é para retornar para o projeto. Existe um fundo de cinema criado, aí sim um fundo de cinema espiritualista do Banco BRJ, que foi criado para poder fomentar as próximas produções. Esses investidores querem lucrar. Oficialmente não estamos divulgando os valores do filme. Mas é um orçamento bem caro para os padrões brasileiros e um orçamento de um filme médio americano. É óbvio que o Nosso Lar vai virar um ‘case’, o que acontecer agora do dia 3 de setembro em diante vai motivar outros investidores e profissionais a arriscarem um pouco mais nesse tipo de trabalho, esperando que tudo seja um sucesso, que dê certo.

Como foi trabalhar com mais de 1.500 figurantes, você não ficou com medo?
Nenhum medo. Cinema é um grande show. Eu costumo dizer que simples, fácil e rápido em cinema não existem. Isso me assusta às vezes. Não tem rapidinho. Tem uma iluminação mega. Então eu tinha do meu lado Ueli Steiger, diretor de fotografia de Hollywood, esse sim é de Hollywood, o cara fez ‘Um Dia Depois de Amanhã’, ‘Godzila’, ‘10.000 A.C’, um pouco de ‘Independence Day’. Ele trabalha com mega dimensões. A gente ilumina o umbral que é uma pedreira no Rio de Janeiro. Tinha mais de 8 mil metros de cabos. Super caixas de luz construídas em três super guindastes. Quando eu cheguei e olhei, falei: Nossa o que é que é isso! Ele não tem problema em colocar cinco geradores e 300 holofotes num ambiente. Isso dá diferença. Isso é típico de quem sabe contar uma história com todos os seus requisitos. Tinha a produtora Iafa Britz. Ela saiu da empresa dela, a Total Entertainment, onde produziu ‘Se eu Fosse Você I e II’, ‘Divã’, uma comédia também com uma bilheteria enorme. ‘Primo Basilio’, onde ela fez 20 filmes nos últimos dez anos. Ela sai dessa empresa, literalmente, e vem fazer Nosso Lar com a gente porque se apaixonou pela história. Então, é alguém que está acostumada com um modo de operação muito produtivo, entre o rápido e o competente. Estava do meu lado o tempo todo. Quando eu falo para ela que eu gostaria de ter o Phillip Glass fazendo a trilha sonora, ela dá 10, 20 telefonemas e diz: estou mandando a história para você. O cara lê e diz: eu vou fazer a trilha desse filme. Então, você está com pessoas assim, você tem momentos de ansiedade, de receio, são escolhas dramáticas. Tem dias que as coisas não vão tão bem. Mas eu confiava muito nas pessoas que estavam comigo.


Daniel filho falou de alguns acontecimentos durante as filmagens de Chico Xavier, eu gostaria de saber se houve algum acontecimento digno de nota, algum ritual?

Houve certamente, mas a gente não está contando esse tipo de coisa. Essa é a única coisa que eu me permito não falar publicamente. Se eu falar sobre isso, estou tirando a atenção do que é mais importante que é a história. Mas quando junta 1500 pessoas num set as pessoas dizem que vêem coisas. Você começa a associar qualquer coisa. Um dia eu falei: ah, bem que podia voar uma borboleta nesse momento; Aí voava uma borboleta e as pessoas ficavam surpresas. Mas tinha 200 borboletas no local. Ela está no filme, é uma borboleta linda que entra com eles pela cidade. Não é digital, é verdade. E eu tinha acabado de pedir uma borboleta para entrar em cena com eles. Mas isso não pode virar uma questão mais importante. Me lembra o século 19 onde as pessoas iam nos salões para ver mesas girantes. A gente não está mais nesse tempo. A gente está no tempo de pensar a condição humana.

Qual o próximo projeto?
Se as pessoas forem ao cinema (risos) se tudo der certo, a gente tem o direito de filmar ‘Os Mensageiros’, que é o livro seguinte. Na verdade a gente tem um projeto de várias histórias. Eu tenho também o direito de um livro que a gente comprou nos EUA, sobre a vida das Irmãs Fox, que são as precursoras do espiritualismo. As duas mulheres mais famosas da América no século XIX, extremamente incompreendidas no Brasil. Uma autora americana fez uma biografia inacreditável que é um painel da sociedade americana. Uma sociedade completamente diferente da sociedade de hoje. Uma sociedade que tinha fé, que queria acreditar, que ia buscar respostas, que queria juntar ciência e tecnologia com espiritualidade. Essa sociedade se perdeu de repente. A gente vai fazer esse trabalho também. Esse projeto é meu e da Iafa Britz, a produtora. A gente tem os direitos e estamos negociando.

Você se emocionou fazendo o filme?
Na verdade eu continuo me emocionando. Eu falo desse projeto e vejo as pessoas chorando. Ou elas estão chorando porque não estão gostando do que eu estou falando, ou estão emocionadas. Eu acho que a emoção está presente no filme e na forma de construir o filme. Está mais do que na hora da gente botar nossos sentimentos para fora, parar de esconder e mascarar as nossas fraquezas. O André Luiz foi tão corajoso. Ele volta do mundo espiritual e narra a história dele dizendo que foi um cara que errou a ponto de ser chamado de suicida inconsciente. Isso é de uma coragem que hoje em dia as pessoas ainda não têm. Aquilo lá é muito moderno. Você botar tuas entranhas para fora e dizer errei, errei mesmo, mas tem mecanismos de você concertar o seu erro, quer dizer, não estou condenado eternamente. Isso é muito bacana.

Qual foi o seu principal objetivo ao fazer esse filme?
Contar uma história. Levar para tela uma história com qualidade. É pretensioso quando você quer fazer um filme para mudar alguém. Um filme não é isso. O filme é uma história. Eu sou adepto da teoria que tem no cinema americano e isso é maravilhoso: a história é o rei do cinema. As pessoas vão ao cinema para ver uma história. Você quer ver e se reconhecer na tela, e isso é o que me apaixona no cinema também. E a gente só quis contar uma história, nenhuma pretensão de mudar nada. A gente não afirma verdades, o filme não é um documentário.. O filme é um simbolismo de uma história. A gente não está doutrinando ninguém, não está sendo proselitista. A gente está contando essa história, porém essa história é poderosa e ela faz o trabalho.

Se você pudesse definir, em poucas palavras, o que é ‘Nosso Lar’?
O filme? Eu hoje só me atrevo a falar o filme, acho que sobre o Nosso Lar livro já foi dito muito e a única pessoa que podia falar dele é o Chico Xavier. Eu me circunscrevo ao mundinho do filme. Acho que o filme Nosso Lar é um desafio técnico, artístico e espiritual, em todos os sentidos. O filme está pronto, mas não está completo, quem vai escrever o último capítulo desse filme é o público. Espero que o final seja feliz, vamos ver.

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