segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Crise mundial: o W da questão

Muito se falou que a crise financeira mundial, que estourou em 2007 e teve seu auge em 2008, poderia ser maior do que a de 1929 – aquela que causou o mais longo período de recessão econômica do século XX e teria terminado só com a segunda grande guerra. A turbulência recente passou como um furacão, e os países tiveram que injetar US$ 10 trilhões no sistema financeiro para evitar uma hecatombe.

A ação parece que não surtiu o efeito desejado, e os economistas alertam para um novo furacão que já dá sinais de estragos na Europa e que pode se alastrar pelo resto do mundo. Esta é a tese defendida pelo doutor em economia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), professor Nelson Rosas Ribeiro, que juntamente com um grupo de professores estuda, desde 2002, o mau humor dos mercados. O professor coordena o Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira (Progeb).

Uma das hipóteses aventadas pelos economistas, e corroborada pelo professor Rosas, é que as crises do sistema capitalista são cíclicas e têm estourado com maior ou menor intensidade em períodos de dez em dez anos. Em relação a esta crise especificamente dita, se discute se o seu formato se assemelharia a um V, U ou W – uma forma interessante de se avaliar o grau e o tipo das turbulências.

Assim a crise em V refletiria uma queda rápida e profunda, com uma recuperação igualmente veloz. A crise no formato U representa uma queda gradual, seguida de recuperação igualmente devagar dos níveis de atividade econômica. Já uma crise em W, admitida por alguns estudiosos para o momento atual, simboliza uma crise aguda, seguida de recuperação que não chega a ser completa e um novo mergulho no fundo do poço.

“O período de crise é necessário para reajustar e reestruturar as forças econômicas para um novo crescimento. Na economia capitalista, é preciso destruir para reequilibrar o sistema a fim de que ele volte a crescer. Sabemos que a crise é má, com efeitos sociais terríveis, mas no sistema capitalista é um mal necessário. Quando a crise começa, ela tem que cumprir o seu papel transformador”, argumenta o professor.

No entender do Progeb, graças às políticas econômicas dos governos, iniciou-se uma recuperação econômica mundial. “Nunca na história do capitalismo se interveio de uma forma tão violenta como nesta crise recente para evitar a falência das empresas financeiras que trabalham com o que chamamos de capital fictício, um dinheiro que só existe no papel”, critica Rosas.


Onda generalizada
– Para os professores, o que existe é uma crise generalizada de super produção, e não financeira. “Os cálculos são diversos, as estimativas dizem que a quantidade de papel moeda que existe no mundo vai de cinco a dez vezes a quantidade do PIB mundial. Temos um dinheiro nominal, em números e papéis que não tem correspondência com o que o mundo produz”, explica Rosas.

Para ele, o mundo vive hoje diante de um engodo, ao pensar que a bolsa de valores gera riquezas. “Muito se esquece dos conselhos do sábio Aristóteles e de São Tomaz de Aquino: dinheiro não gera dinheiro. É gerado pela atividade produtiva”. Rosas alerta que o investimento no sistema financeiro produz dividendos e acaba se tornando um sugador da riqueza, destruindo a atividade produtiva. “É esse círculo vicioso que leva a segunda perna do W”.

Um outro fator que levaria a outro mergulho na crise é o alto grau de endividamento dos países, que está impossibilitando o pagamento de suas dívidas, levando a nova insolvência dos bancos. Foi isso que levou ao estouro da crise na Grécia. A mesma crise que se espalha por países como Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha, os chamados PIGS (porcos em inglês). Mas a crise já estaria muito mais alastrada, com reflexos na Polônia, Itália, Hungria e podendo chegar até a Rússia, segundo Rosas.

Esses seriam os países que se endividaram em demasia e estão na linha de frente para estourar. “Do jeito que as coisas vão, a possibilidade da crise arrastar o mundo inteiro, inclusive o Brasil, é grande. Enquanto o objetivo da intervenção for proteger o capital financeiro, o resultado vai ser desastroso”, arrisca Rosas.

Todavia, outro economista, Reinaldo de Souza, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), não vê uma contaminação rápida do Brasil. Souza argumenta que as exportações brasileiras representam apenas 15% do PIB, o país não tem uma dependência muito grande do mercado externo. No entender de Souza, a crise agora afeta o euro e a Europa em geral. O primeiro pacote de ajuda à Grécia de 110 bilhões de euros não foi suficiente para aplacar o ataque especulativo frente à moeda europeia.

A União Europeia decidiu por um pacote de 750 bilhões de euros para os PIGs, países da Europa central e mar báltico. Mas, mesmo assim a Alemanha, que começou a esboçar uma recuperação tímida, deve ser atingida – já que a sua balança comercial depende dos parceiros europeus. Para Souza, o problema não é somente de economias vulneráveis e frágeis, mesmo países como França e EUA vão ser afetados.

Os indicadores econômicos do EUA sobre emprego, crédito, estoque, produção de bens de capitais e exportações, registraram o pior desempenho desde abril do ano passado. Esperava-se a criação de 450 mil empregos, mas o resultado foi oposto, houve uma dispensa de mais de 550 mil postos de trabalhos. “No final das contas, não se sabe a extensão, a profundidade e efeitos a longo prazo desta crise”, avisa.

A média de endividamento dos países europeus, elevadíssima, segundo o OCDE, é de 80%. No Brasil, a dívida hoje é de 44%, no período pré-crise era de 38%. O aumento se deu porque o governo federal teve que fazer capitalização para sustentar o crédito. O Brasil também tem 250 milhões de dólares em reservas que dão uma proteção importante a futuros choques internos. As soluções, segundo Rosas, apontam para um maior controle do sistema financeiro, redução das taxas de juros e redução da remuneração que fica na mão do empresário.


O contágio e os Brics

Dentro desse cenário mundial há um fator novo: a ascensão dos Brics – Brasil, Rússia, Índia e China – na economia mundial. A fraca contaminação desses países durante a crise e sua retomada com força têm ajudado a puxar o PIB mundial. “Como os países centrais estavam no epicentro da crise, a novidade foi que esses países chamados emergentes responderam com muita força”, frisa Reginaldo Souza (UFBA). No entender de Souza, no momento, o Brasil mostra uma situação diferente. “A economia brasileira começou esse semestre crescendo a um ritmo chinês (IBGE pontuou crescimento anualizado de 9%), reacendendo os temores de inflação.

O governo já retirou os benefícios fiscais de enfrentamento da crise, como isenção de IPI”, disse. Por isso, o Banco Central vem aumentando a taxa básica de juros e os setores mais conservadores da economia estão batendo na tecla do receio da inflação.

“O contágio é uma possibilidade, mas ainda não se pode afirmar. Nós estamos numa economia com muitas incertezas. Fazer uma afirmação categórica que em 2011 ou 2012 a crise alcançará o Brasil é arriscado”, afirma Souza. Todavia, Souza vê a possibilidade de que, com a queda da atividade econômica na Europa, haja diminuição da compra de commodities brasileiras, principal demanda na balança comercial.

Contudo, o professor Nelson Rosas (UFPB) discorda e acredita que os Brics não terão força para manter o equilíbrio. “Eles são um fato novo e com certeza terão influência. O problema é que os Brics ainda são muito pequenos em relação ao PIB do mundo e não têm força econômica para impedir a crise”, diz. “A situação do mundo é muito complicada. É difícil imaginar que alguém possa impedir esse processo, principalmente se continuarem querendo garantir o capital financeiro”, afirma.

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