terça-feira, 4 de maio de 2010

Não alimentei o seu gênio ruim


Li a ‘Veja’ de alguns meses atrás, na verdade não li, apenas folhei algumas matérias e li uma coisa ou outra. Faz tempo que parei de dar atenção a essa revista. Nesta revista a capa é ‘Nasce o Mundo Pós-Crise’ e na sessão ‘Panorama - Imagem da Semana’ a foto Khalid Sheikh Mohammed, considerado o arquiteto dos ataques de 11 de setembro. Khalid foi torturado com a técnica de afogamento numa base da CIA na Polônia nada menos do que 183 vezes. Isso representa em média oito vezes por dia. A sessão mostra uma foto, ao que tudo indica mais recente de Khalid, de turbante, roupa e barba branca e faz troça: ‘Khalid conseguiu ser o que sempre quis ser: Osama Bin Laden’. A semelhança é realmente fragorosa. Mas isso é apenas um dos pontos.

O texto – um petardo curto – lembra como o EUA agiu de forma a ignorar leis internacionais para fazer suas intervenções após 11 de setembro, como ele reconheceu seus erros – ‘como só os grandes conseguem fazer’, diz o texto – e como o terrorismo continua a mesma turba selvagem de sempre.

Não considero o terrorismo a forma correta de atuação, mas convenhamos, o ‘jornalismo’ da Veja é no mínimo de mal gosto. Não satisfeita nas loas tecidas ao povo norte-americano, mais adiante, na matéria de capa, a revista tenta analisar porque alguns países são mais desenvolvidos que outros e volta a tese de que o protestantismo, o espírito empreendedor anglo-saxão, foram mais profícuos para esses países do que o catolicismo foi para o mundo latino. Eu me questiono. Esse avanço a qual a revista se refere é o mesmo que está destruindo o planeta, que mata milhões de fome no mundo, que têm as indústrias farmacêuticas que são capazes de criar doenças para vender mais, que tem a indústria bélica que fomenta guerras para desenvolver seus mísseis para matar mais, que inventou e fez com que se expandisse às alturas o mundo mercantilista com seu consumismo desenfreado e seus psicopatas que matam crianças nas escolas, nos parques e em casa, fazendo picadinho e guardando na geladeira, literalmente?

É o mesmo avanço – encabeçado pelos EUA - que fez inúmeras intervenções em todos os países que podia – diga-se, que ele podia fazer porque não tinham poderio bélico – para que eles não saíssem do seu trilho ideológico - e pode apostar que essa ‘ideologia’ tinha um olho na carteira. Os EUA fizeram a guerra do Golfo para testar suas armas bélicas de alcance cirúrgico e para mostra para seus adversários que podiam atacar dessa forma. A guerra televisionada nada mais era do que uma demonstração de força e até uma ameaça velada para o resto do mundo.

Não estou dizendo que o modelo católico latino estatizante é o ideal, longe disso. Mas não podemos deixar de ver qualidades tanto no modelo adotado pelo mundo ‘civilizado’ do norte quanto do mundo ‘barbarizado’ do sul.

Falando de alguns bons (e maus) resultados e avanços do mundo 'civilizado': Entendo que o projeto Genoma é americano, que a bomba atômica foi construída primeiro lá, que eles venceram o nazistas – junto com a antiga União Soviética e a Inglaterra. Que tecnologicamente – e tecnologia para mim equivale a investimento em educação – eles estão na frente de qualquer um. Mas é inegável: esse sistema econômico o qual os EUA são vistos como modelo tem algo de errado. Parece que nos leva a um beco sem saída, onde a máquina, o lucro e a depressão são os futuros da humanidade. Não me parece um futuro nada auspicioso. Lembra George Orwell com 1984 e Aldous Huxley com Admirável Mundo Novo e outras alegorias estranhamente totalitarias.

E o Brasil? O Brasil tem muitas merdas. Não dá para comparar em muitos aspectos com os Estados Unidos, mas eu não o jogaria no lixo que muitas vezes a revista lança. Para a Veja tudo que existe de bom hoje no Brasil é herança do governo de FHC e Lula é algo como um corrupto sem nível superior.

Antes de tudo, faz tempo que a revista Veja tem demonstrado seu viés à direita e com certeza aí também tem interesses envolvidos – dizem que no governo de FHC a verba de mídia ficava concentrada em alguns nichos e agora o bolo está muito mais dividido. Se está muito dividido sobra menos dinheiro para cada um. Eu já ouvi dizerem mais de uma vez que o grupo da Editora Abril não está muito bem das pernas. Não há como saber se isso é verdade ou não. Dizem que algumas revistas da editora podem fechar. Colegas jornalistas têm demonstrado essa preocupação.

Resolvi olhar algumas revistas para tentar entender isso pela ótica das propagandas. Na que tem a capa ‘Abrimos o Cofre do M$T – como o Movimento dos Sem Terra desvia dinheiro público e verbas estrangeiras para cometer seus crimes’ – que título simpático, não é? – tem duas propagandas do governo, e uma delas não parece ter sido paga pela União, já que é representada por um pool de envolvidos. Nesta revista são 142 páginas com 78 anúncios, alguns de página inteira, a maioria, e outros nem tanto, todos os outros anúncios são de empresas privadas.

Na revista de setembro de 2008 onde aparece o tio Sam na capa e os seguintes dizeres ‘Eu Salvei Você’, sobre a crise financeira, também voltam a ter duas propagandas do governo federal, Caixa e Petrobras, no total são 66 propagandas. Na revista ‘Fé e Dinheiro – uma combinação explosiva’ de 19 de agosto surgem três propagandas, Caixa, ANP e Petrobras. Vale ressaltar que ANP é ligada ao Ministério das Minas e Energia, do peemedebista Edson Lobão e essa capa é lançada duas depois da Veja detonar o PMDB. Na revista ‘Desmascarando’, onde se fala de Roger Abdelmassih, o médico acusado de estuprar pacientes, surge apenas um propaganda: Petrobras. Indo lá para trás é possível perceber que antes, por exemplo em 2001, na capa 'O Império Vulnerável', falando do ataque as torres gêmeas, na há quase propagadas, mas há presença do governo. Noutra revista ‘Na ponta da Língua’ de 29 de agosto de 2001, quatro anunciantes de peso: Petrobras, Caixa, Aneel e Embratel. Na capa ‘Porque Lula assusta o mercado’, de 2002, são seis anunciantes da União e dois de governos estaduais: Minas e Maranhão. No total são 40 propagandas.

Qual a conclusão: primeiro, que hoje há muito mais propagandas em geral, na sua maioria de empresas privadas. No passado, antes da era Lula, o número não era tão exagerado apesar de sempre ser grande. Pode ser apenas política da empresa de querer sempre mais, ou o desejo voraz das privadas em aparecer na Veja ou ainda pode ser que os preços dos anúncios antes seguravam a revista bem mais do que hoje. Ou ainda que os anunciantes – em menor número e com peso maior – davam o fôlego necessário.

É fácil perceber também que há uma diminuição do número de anunciantes do governo federal, hoje vemos apenas um anúnciante – o Banco do Brasil, Caixa e Petrobras se revezam, praticamente, em cada nova edição. Mas também é fácil ver que a Veja tem detonando Lula, Ciro, Dilma, o PMDB em suas matérias. Fala mal de políticas da União, enquanto preserva o ninho tucano, ou pelo menos é mais doce com eles. Pode-se dizer que há um boicote da União e por isso as suas propagandas na revista surgem a conta-gotas? E por isso, há uma pressão de Veja para ter mais anunciantes com tantas matérias de achaque a União? É possível dizer... mas não é possível provar... Porém fica a estranheza.


Desculpem minha indignação, mas fiquei injuriado. Por isso também a frase que tomei emprestado para dar título ao artigo. É de uma música de Chico Buarque: ‘Injuriado’, dizem, feita em resposta a FHC.

Uma vez Chico foi perguntado porque não votava em FHC para presidente, depois de já ter trabalhado para ele em algumas campanhas. Ele disse apenas isso: ‘porque eu o conheço’. Sentindo-se atingido com este comentário o tucano não perdeu mais oportunidade de criticar o cantor e compositor carioca. Detalhe, o pai de Chico Buarque foi professor de história na USP. Foi amigo de Fernando Henrique Cardoso. FHC freqüentava a casa dos Buarque. Chico e Fernando Henrique se conheciam há muito tempo, antes dele se tornar FHC e começar a andar com a turma de ACM. A resposta veio através dessa música:

Se eu só lhe fizesse o bem
Talvez fosse um vício a mais
Você me teria desprezo por fim
Porém não fui tão imprudente
E agora não há francamente
Motivo pra você me injuriar assim
Dinheiro não lhe emprestei
Favores nunca lhe fiz
Não alimentei o seu gênio ruim
Você nada está me devendo
Por isso, meu bem, não entendo
Porque anda agora falando de mim


Devo dizer que há muito tempo parei de assinar a Veja, revista que na adolescência cheguei a achar indispensável. Depois achei que ela começou a ficar estranha, cancelei a assinatura, mas continuei a comprar nas bancas. Passou mais um tempo e dei as costas, hoje uma ou outra coisa escapa. É uma bizarrice de mal gosto na maior parte do tempo.